Denúncias, ameaças e processos alimentaram clima de rixa política antes de assassinato em MG

Candidato a vereador em Patrocínio foi morto por irmão do prefeito da cidade depois de live com denúncias

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Em Patrocínio (MG), cartaz de protesto no local onde foi feita a transmissão ao vivo de Cássio Remis, quando teve início o desentendimento com Jorge Marra, que levou ao assassinato do candidato a vereador

Em Patrocínio (MG), cartaz de protesto no local onde foi feita a transmissão ao vivo de Cássio Remis, quando teve início o desentendimento com Jorge Marra, que levou ao assassinato do candidato a vereador Alexandre Rezende/Folhapress

Patrocínio (MG)

No canteiro onde fez sua última transmissão ao vivo nas redes sociais e em postes em frente à Secretaria Municipal de Obras Públicas de Patrocínio, uma semana depois da morte do candidato a vereador Cássio Remis (PSDB), cartazes pedem justiça e respeito à liberdade de expressão.

Cássio foi assassinado a tiros, no dia 24 de setembro, depois de uma discussão com o secretário de obras e irmão do prefeito, Jorge Marra, que se entregou à polícia e está preso.

O candidato tentava recuperar o celular que Jorge Marra havia tomado mais cedo, no momento em que fazia um vídeo para as redes sociais.

O crime é mais um capítulo em um contexto de denúncias, relatos de ameaças e processos judiciais entre Remis, o grupo do prefeito Deiró Marra (DEM) e de seu irmão e outros atores políticos do município de 91 mil habitantes, na região do Alto Paranaíba (MG).

Deiró foi eleito prefeito em 2016 com 22.868 votos, 1.389 a menos do que fez em 2014, quando foi o deputado estadual mais votado na cidade, atingindo 57% dos votos.

Cássio, ex-presidente da Câmara Municipal, que obteve 1.756 votos (4%) e ficou em último lugar na disputa pela prefeitura, usou as redes sociais para fazer denúncias e críticas à gestão de Deiró desde o começo do mandato.

Em um dos vídeos publicados em seu perfil no Facebook, em maio de 2018, ele exibe documentos que diz serem exclusivos, relacionados a uma denúncia oferecida pelo Ministério Público de Minas Gerais contra o prefeito, por solicitação de vantagem indevida à Vale Fertilizantes S.A..

Segundo a Promotoria, o prefeito teria pedido que a Vale passasse a usar a empresa de transportes de sua família, da qual era sócio oculto, para transportar funcionários.

Depois da recusa, ele revogou por decreto a certidão de uso e ocupação do solo que permitia à Vale atuar na exploração mineral em Patrocínio. A denúncia foi aceita pela Justiça.

Marcelo Leonardo, advogado que defende Deiró no processo, diz que “as provas documental e testemunhal deixaram claro que a conduta do prefeito foi no estrito cumprimento do dever legal”.

Em outros vídeos, Cássio citava diretamente Jorge Marra, como o caso da construção de uma ponte, feita pela prefeitura, dentro de uma propriedade do secretário.

A uma das primeiras perguntas feitas pela polícia, diz o advogado de defesa de Jorge Marra, Sérgio Leonardo, ele respondeu que nunca teve enfrentamentos com Cássio e que não o considerava inimigo, apenas adversário político. No depoimento, ele disse ainda ter atirado em legítima defesa.

Apesar de não concorrer às eleições neste ano, Jorge, que foi vice-prefeito da cidade e presidia o PTB local, foi registrado como representante da coligação da chapa do irmão, segundo o DRAP (Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários) enviado à Justiça Eleitoral um dia antes do crime.

O documento também coloca como endereço do comitê a casa que aparece na transmissão ao vivo feita por Cássio, que gerou a discussão entre eles. Cássio alegava que a obra na rua em frente ao imóvel e o conserto da calçada, realizados pela prefeitura, seriam irregularidades.

Deiró o processou duas vezes por calúnia, injúria e difamação, segundo dados do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, assim como fez com o deputado federal André Janones (Avante-MG), devido a um vídeo falando de supostas irregularidades em sua gestão.

Em entrevista a jornalistas, o prefeito se disse chocado e chamou a morte de Cássio de fatalidade. “Eu me sinto injustiçado de as pessoas quererem nos ligar ao fato. Eu, absolutamente, não tenho nada com isso”, afirmou.

Além dos processos e denúncias públicas, o contexto político de Patrocínio inclui ainda relatos de ameaças trocadas entre opositores, segundo pessoas ouvidas pela Folha na cidade.

O atual vice-prefeito, Gustavo Brasileiro (PSD), um dos dois candidatos na disputa contra Deiró neste ano, diz ter recebido ameaças mais de uma vez através de terceiros.

Ele e Deiró romperam a relação no primeiro ano de mandato, o que levou o vice a abrir um gabinete fora da prefeitura. O prefeito não retornou ao contato da reportagem.

Relatos de ameaças recentes contra Cássio, devido a questões políticas, também são apurados pela Polícia Civil no inquérito que investiga a morte do ex-vereador —a conclusão deve ser apresentada na terça-feira (6).

A família de Cássio espera resgatar o celular do candidato, ainda não localizado pela polícia. Jorge disse que o aparelho foi destruído; uma testemunha que estava na cena, ouvida pela Folha, confirma que o secretário tentava quebrar o telefone nas pernas e que ele parecia bastante danificado.

Nayara Queiroz Remis, mulher de Cássio, lembra que o marido não largava o telefone. No aparelho, ele guardava tudo que considerava importante e tinha conversas com aliados.

“Eu brincava com ele: você gosta mais desse celular do que de mim. Tinha dias que ele dormia com o telefone no peito. Tudo estava ali. Vídeos que ele fazia, denúncias, ele acessava o material do escritório [de advocacia] por ali”, diz.

Professora, Nayara conta que, depois da eleição de Deiró, recebeu um recado em nome do prefeito, avisando que ela não seguiria como diretora de uma escola municipal por ser esposa de Cássio.

Pedidos de uma licença não remunerada e para que atuasse apenas no turno da manhã na rede também foram negados. O marido aconselhou, então, que ela deixasse a rede municipal. Nayara decidiu se dedicar apenas à sua própria escola particular, que atende do ensino infantil ao sexto ano.

Na manhã do dia que foi assassinado, Cássio foi com o pai, Marcos, também ex-vereador, visitar um pré-candidato do PSDB que estaria pensando em desistir do pleito. Segundo a família, havia informações de que era oferecido dinheiro a candidatos tucanos para que abandonassem a campanha.

Marcos conta que, quando criança, o filho o acompanhava na Câmara de Vereadores e pedia gravações das sessões plenárias para ouvir em casa. O pai chegou a vender os próprios bens para ajudar as campanhas de Cássio.

“Ele sempre me falava: só me param na bala. A mãe dele falava: não fala isso, não, meu filho”, lembra Marcos, que chegou junto com a polícia à cena do crime. “Eu não esperava que a voz dele fosse ecoar tão longe, recebemos mensagens de vários lugares”.

Durante a convenção do PSDB, partido do qual era presidente municipal, Cássio aprovou o nome da mãe, Francisca, a Chiquita, como candidata reserva à vereadora, sem que ela soubesse. Depois de concorrer em 2016, ela havia decidido ficar fora da política.

A morte de Cássio, porém, fez com que mudasse de ideia. “A gente não está aqui para usar a morte do meu esposo para a política. [Minha sogra] ficou uma tarde pensando, orando e quando saiu do quarto falou: eles mataram o fruto, agora vão conhecer a árvore”, diz Nayara.

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