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Distância e problemas separam moradores do Itaim Paulista e Bibi na eleição de SP

Folha ouve paulistanos de dois extremos da cidade para falar sobre desigualdade, coronavírus e política municipal

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São Paulo

A distância que separa o “primo rico” Itaim Bibi do “primo pobre” Itaim Paulista é maior do que os 40 quilômetros entre os bairros xarás de São Paulo. Em comum, pouca coisa além do primeiro nome, que significa “pedra pequena” em tupi.

A Folha conversou com seis eleitores por videochamada no último dia 22 —três do Bibi, moradores do metro quadrado mais caro de São Paulo, e três do Paulista, onde a cidade literalmente termina, no extremo leste. Em pauta, a desigualdade na cidade, o impacto do coronavírus e o que esperam do próximo prefeito.

Em comum, todos dizem que vão às urnas, mesmo com receio do coronavírus. Problemas citados pelos moradores do bairro rico foram segurança, trânsito e poluição. Para os da periferia, o pior são enchentes e transporte público.

Questionado se é difícil morar em São Paulo, o advogado Marco Antônio Castello Branco, 78, que vive no Itaim Bibi e preside a sociedade de amigos do bairro, foi taxativo.

“É, lógico. Todos os problemas possíveis e inimagináveis acontecem, de saúde, segurança, poluição. Durante a pandemia, tínhamos que ficar em casa, e mesmo assim os assaltos continuaram.”

Mas, hoje, segue ele, “estou muito preocupado com a poluição, principalmente a do ar e a sonora".

Luzia Fernandes, 63, é síndica em um prédio no Itaim Bibi e coordena um programa de segurança em que moradores do bairro têm canal direto com a polícia para comunicar crimes ou suspeitas.

Para ela, há muitos problemas no bairro, mas “é uma região melhor no campo aquisitivo, então a gente tem mais condições de recorrer à prefeitura”.

Já a advogada Laís de Figueirêdo, 43, que tem escritório no Bibi, pondera. “Se a gente tem um problema de trânsito no Itaim, é porque temos um problema de transporte público na cidade. Um não está dissociado do outro."

Para ela, a falta de segurança também tem a ver com o emprego. "Temos muita gente em situação de rua”, diz ela, que trabalha com o terceiro setor.

No outro extremo da cidade, e sem carro, a dona de casa Rita de Cassia Silva, 20, que está grávida, diz sofrer com o transporte público, especialmente em meio à pandemia.

“Às vezes, você entra no trem e está sujo”, conta ela, que também reclama da falta de asfaltamento e da má limpeza das ruas.

Também moradoras do Itaim Paulista, a vendedora Luciana Paiva, 48, e a educadora social Maria Amparo Santos, 56, conhecida como Rosinha, se preocupam com os alagamentos.

“Nós sofremos com isso anos e anos. Aqui do lado, no Jardim Romano, é uma situação de várzea. As pessoas ficam três, quatro meses com a casa alagada. Esperamos promessas de governo em governo e a coisa não acontece”, diz Luciana.

A água suja, vinda do rio Tietê, traz doenças, lembra Rosinha, que trabalha com crianças e adolescentes e se queixa ainda de déficit no lazer. “Temos falta de área de esporte, para que elas possam crescer fora do crime, da violência, das drogas.”

Pandemia

A forma como os eleitores têm enfrentado a pandemia também é diferente. Luzia, do Itaim Bibi, evitou ao máximo sair de casa, até porque mora com o pai de 97 anos.

Só ia para a rua fazer compras essenciais. Mas, em um fim de semana recente, abriu uma exceção. “Saí para ir na casa de uma amiga, fomos tomar um vinho, mesmo morrendo de medo”, conta ela, que dispensou a empregada. “Estou me virando como posso."

Castello Branco também sente falta “de tomar um chopinho”. “Meu bairro tem muitos bares, restaurantes, mas não fui a nenhum”, diz ele, que saiu poucas vezes para reuniões de trabalho.

Já Laís montou um escritório dentro do apartamento. “Eu tive o privilégio de [poder] ficar o tempo todo em casa. Não é a realidade [de todos]."

Rita, do Itaim Paulista, evitou furar o isolamento, mas se preocupa com o marido, que trabalha numa metalúrgica. “O medo é de ele sair, pegar transporte público e voltar para casa [infectado]. Muita gente tem que ir para a rua para trabalhar e levar sustento para casa.”

A quarentena também não foi uma opção para Luciana, que continuou com as vendas, mas por delivery, e também saiu em busca de alimentos doados para atender às famílias mais carentes do bairro.

Só o auxílio emergencial pago pelo governo federal, diz, não é suficiente para manter as pessoas em casa. “Muita gente teve problema, porque não estava chegando para todos."

Dois Itains

Questionados sobre o que sabem do outro Itaim, os moradores admitem pouco ou nenhum conhecimento. Rita diz que nunca pisou em avenidas como Juscelino Kubitschek, 9 de Julho ou Brigadeiro Faria Lima. Também não conhece quem more lá.

Rosinha riu e arriscou um palpite: “Sei que é um bairro de grã-fino, né? Já passei, mas não tenho amigos lá, não”, diz ela, que precisa sempre explicar que mora no Itaim, “mas não é o Bibi, é o Paulista”, porque costumam confundir.

Castello Branco afirma conhecer o bairro no extremo leste por causa de um trabalho comunitário. “Faz muito tempo que eu não vou, mas frequentei. Sei um pouco da realidade, gostaria de conhecer mais."

Luzia conta já ter passado pelo Itaim Paulista. “Mas não conheço o bairro propriamente dito."

Ela enumera as diferenças: “Não sei se lá tem muito lazer. A gente sabe que aqui no Itaim Bibi tem muito mais. Acho que no Itaim Paulista não deve ter a quantidade de restaurantes, bares”.

Luciana lamenta a diferença de tratamento entre o seu bairro e da área nobre. “Se o governo tiver que fazer algo entre o Bibi ou o Paulista, vão fazer lá porque as pessoas têm formação, opinião, e isso faz uma diferença enorme. Na periferia, as pessoas não têm tempo para se informar. As que conseguem fazer universidade são poucas."

Parece que na área nobre é tudo moleza, mas não, retruca Castello Branco. “O Parque do Povo ficou muito bonito, mas levou 11 anos para tirar o pessoal que tinha invadido o terreno. Fomos ameaçados. Não é fácil para ninguém, mas se tiver persistência nós chegamos lá”, diz.

Ele ouve a réplica de Luciana: “O senhor moraria no Itaim Paulista hoje? Acho que não. O senhor tem situação privilegiada, essa é a realidade".

O advogado responde que viveria em qualquer lugar. “Tô pensando em mudar para São Sebastião…”

Verde, confirma

A menos de dois meses da eleição, o grupo diz estar de olho no pleito, mas ainda em dúvida sobre o número que devem apertar. Rita é a única que se diz por fora e sem nenhum favorito ainda.

É que tem opção demais, explica Luzia. “Deveria ter no máximo seis ou sete”, diz ela, que está em dúvida entre Joice Hasselmann (PSL) e Bruno Covas (PSDB).

“Joice é mulher, mas tô pensando ainda na proposta que ela vai apresentar. O Bruno Covas, acho que ele tem que ter mais uma gestão. Precisa de oportunidade para terminar o trabalho, que está sendo legal. Não acho bom ficar trocando”, afirma.

Para Luzia, outra boa gestão foi a de Paulo Maluf. “Ele fez muita obra legal. Isso de ‘fazer, mas roubar’ são todos, né..”, diz ela, que se sente decepcionada com a política.

O enfrentamento da Covid-19 em São Paulo foi decisivo para a escolha de Castello Branco. “Eu aprovei o comportamento hospitalar da prefeitura. Nós vimos em outros governos pessoas morrendo na porta do hospital porque não tinha vaga e não vimos isso aqui”, diz ele, que também vota no tucano.

Outra que deve votar no prefeito é Luciana. “Sou de esquerda, mas vou apoiar o Bruno. Ele tentou fazer, mas não dá para solucionar tudo”, diz ela, que foi influenciada pelo apoio de Marta Suplicy, cuja gestão avalia bem.

Laís, ao contrário, quer “uma renovação” e, para isso, avalia votar em Guilherme Boulos (PSOL). A única que descarta é Joice.

“Eu não voto em nada relacionado ao Bolsonaro. Gostei muito da gestão do [Fernando] Haddad. Se fosse candidato, seria o meu”, afirma, sem citar o candidato do PT, Jilmar Tatto.

Rosinha vai de Márcio França (PSB). “Quando ele foi prefeito de São Vicente, saiu com um bom índice de aprovação e foi bem votado no Itaim Paulista [em 2018, para governador].”

Ela cita como boas prefeitas Marta e Luiza Erundina (vice de Boulos). “A intenção de fazer o CEU com piscina, esporte e cultura foi boa, na gestão da Marta. E a saúde na época da Erundina, eu ia com meus filhos pequenos no posto de saúde e tinha pediatra, hoje não tem. Está mais difícil.”

Ninguém citou voto em Celso Russomanno (Republicanos), que lidera a última pesquisa Datafolha. Foi um dos raros pontos de contato entre os dois grupos.

Os participantes

Itaim Bibi

Laís de Figueirêdo Lopes, 43, advogada

Luzia Maziero Fernandes, 63, administradora

Marco Antonio Castello Branco, 78 , advogado

Itaim Paulista

Luciana Oliveira de Paiva, 48, vendedora

Maria Amparo Santos (Rosinha), 56, educadora social

Rita de Cassia Silva, 20, dona de casa

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