Descrição de chapéu Eleições 2020

Ex-prefeitos líderes em autuações por despesas irregulares tentam voltar ao cargo em São Paulo

Lista do Tribunal de Contas enviada à Justiça Eleitoral e à Procuradoria apresenta políticos mais autuados

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Cinco ex-prefeitos de municípios paulistas que tentam retornar ao cargo nas eleições deste ano constam em uma lista do TCE-SP (Tribunal de Contas do Estado de São Paulo) dos agentes políticos com maior número de autuações por despesas públicas consideradas irregulares.

A relação foi enviada pelo órgão de contas à Justiça Eleitoral e à Procuradoria Regional Eleitoral no fim de setembro. Como determina a lei, o TCE listou todos os "responsáveis por contas julgadas irregulares" cujo processo foi finalizado de setembro de 2012 a setembro de 2020.

Só no estado de São Paulo, são mais de 4.000 pessoas. Mas, desse total, o TCE selecionou as 21 que tiveram 20 ou mais autuações pelo órgão no período, e os destacou em uma lista à parte.

Colégio eleitoral em Guarulhos (SP) nas eleições de 2018 - Adriano Vizoni - 7.out.2018/Folhapress

Essas autuações, em geral, foram feitas por gastos aplicados de forma considerada indevida pelos técnicos do TCE. Por exemplo, repasses sem explicações ou com modificações dos serviços prestados.

O mais comum, porém, são convênios que na verdade serviram para contratação de mão de obra sem concurso e aquisições sem concorrência pública.

Os convênios são defendidos por alguns prefeitos como medidas para solucionar problemas urgentes de municípios. Mas, para os auditores do TCE, caracterizam "fuga ao devido procedimento licitatório e à realização de concurso público, bem como falta de planejamento do gestor público".

Além disso, em parte deles não há explicações sobre procedimentos adotados por entidades para a aquisição de bens e serviços, "de maneira a possibilitar a aferição dos preços contratados e custeados com os recursos públicos com aqueles praticados pelo mercado".

Sanções aplicadas pelo Tribunal de Contas podem ser consideradas sanáveis (meras formalidades) ou insanáveis (causam prejuízo ao erário).

As insanáveis "podem resultar ao agente infrator uma série de consequências que vão desde o ressarcimento ao erário, até a responsabilização do agente público nas searas administrativa, cível, criminal e eleitoral”, diz o advogado constitucionalista Almino Afonso Fernandes.

Eventuais problemas com as contas não significam que um candidato seja ficha-suja ou esteja impedido de concorrer, mas podem ser usadas como subsídio para decisões judiciais ou do Legislativo que impliquem no indeferimento da candidatura pela Justiça Eleitoral.

Mesmo que haja decisões contrárias aos candidatos, ainda cabe à Justiça Eleitoral avaliar, entre outras questões, se problemas com gastos resultaram em condenações criminais, se houve má-fé do gestor na aplicação dos gastos públicos ou ônus para o município.

Na lista dos mais autuados estão os ex-prefeitos e atuais candidatos Luis Claudio Bili (PTB), de São Vicente, Ernane Primazzi (PSC), de São Sebastião, Emidio de Souza (PT), de Osasco, Sandro Sala (PT), de Ribeirão Branco, e Hélio de Oliveira Santos, o Dr. Hélio (PDT), de Campinas.

Entre os candidatos, Bili é o recordista, com 88 autuações. Na lista do TCE, ele só está atrás da sua ex-secretária de educação, com 110 autuações. O petebista e a ex-secretária compartilham autuações pelos mesmos casos, mas ela não é candidata.

As ações são, sobretudo, por convênios com associações de pais e mestres de escolas municipais que foram usadas para contratação de serviços terceirizados na área da educação.

Bili governou São Vicente entre 2013 e 2016. Ao se eleger, era um dissidente do grupo que domina a política local há mais de 20 anos, ligada ao ex-governador e candidato à prefeitura de São Paulo Márcio França (PSB), e deixou a prefeitura sob queixas de boicote e sem tentar concorrer à reeleição. Agora, volta à política.

Procurado, Bili diz que os convênios autuados são "uma herança" de França, que foi prefeito da cidade. "Quando teve a implantação do Fundeb [fundo da educação básica] per capita, ele implantou através de convênios com as creches", afirma.

Também questionada, a assessoria França diz em nota que o candidato deveria se preocupar em explicar ao eleitor sua situação perante o TCE "em vez de fazer ataques infundados". "Vale lembrar que o mesmo [Bili] tomou posse oito anos após França deixar a prefeitura."

Já Ernane Primazzi foi prefeito de São Sebastião entre 2009 e 2016 e volta à disputa. No TCE, enfrentou problemas similares aos de Bili em convênios com associações de pais e mestres. Ele tem 77 autuações.

Procurado, ele diz que os problemas apontados pelo TCE foram devidos a mudanças de entendimento do órgão. Segundo ele, os convênios com as associações eram entendidos como regulares, e depois o Tribunal de Contas passou a considerá-los irregulares.

Primazzi afirma que a prefeitura fez os ajustes necessários, inclusive concursos públicos, e ainda assim as contas foram rejeitadas pelo TCE.

"O Tribunal de Contas às vezes dá parecer dizendo que você não fez pintura da escola, que você não fez treinamento de professor, cada negócio que não tem nada a ver com contas. É um absurdo, não é a finalidade dele. Só que quando vem parecer negativo pela rejeição das contas, aí [o público pensa] 'ah, tem sacanagem aí'. Não tem nada, rapaz", diz Primazzi.

"Sacanagem tem lá, porque lá os caras fazem um apartado [processo fora dos autos principais] e vem [multa de] 200 Ufesps [unidade fiscal, atualmente equivalente a R$ 27, 61] ou não sei quantas Ufesps para você pagar. É para arrecadar. Aquilo é uma máfia da arrecadação."

Emidio de Souza, ex-prefeito de Osasco, tem 59 autuações por motivos diversos. Há convênios questionados com associações de pais e mestres, mas também com outras entidades. Ele geriu a cidade que atualmente é o segundo maior PIB de São Paulo entre 2005 e 2012 e também foi presidente do PT no estado.

Além dos problemas em relação às associações, o TCE julgou processos referentes a repasses para entidades que atuaram também em áreas como a do meio ambiente.

Isso levou em 2015 o conselheiro Antonio Roque Citadini a reclamar que houve problemas em prestação de contas com "diversas entidades" que atuaram com a Prefeitura de Osasco. "Não sei se caberia começar a encaminhar esses processos ao Ministério Público, porque, na verdade, não havendo prestação de contas, o dinheiro foi. Estamos multando", disse, em plenário.

Questionado pela reportagem, Emidio afirma que fez convênios para reparos em escolas e algumas entidades não conseguiram fornecer a prestação de contas da maneira adequada, e por isso casos pararam no TCE.

"Esse tipo de situação é absolutamente normal para quem geriu uma cidade grande, como eu", afirma. "Se o Ministério Público ou o Tribunal de Contas têm alguma dúvida, têm mesmo que abrir procedimento. E quem está na vida pública tem que prestar contas mesmo."

O ex-prefeito ressalta que não foi alvo de suspeitas por desvios de recursos públicos, apenas questionado por eventual ausência de licitação em serviço feito ao município ou em relação a prestação de contas.

Também afirma que não tem condenações na Justiça e que suas contas foram aprovadas na Câmara Municipal. Seu advogado, Marco Aurélio de Carvalho, reafirma que não houve dolo, má-fé ou enriquecimento ilícito em relação à gestão de Emidio e que o petista não tem condenação.

Depois de Emidio, vem o ex-prefeito de Ribeirão Branco, o também petista Sandro Rogério Sala. O TCE autuou ele 28 vezes. Há problemas com repasses para entidades terceirizadas de mais de uma área. A reportagem procurou o ex-prefeito pelas redes sociais, mas ele não se manifestou.

Em Campinas, Dr. Hélio irá concorrer após ter tido candidatura indeferida pela Justiça Eleitoral em 2016. Ele foi eleito prefeito da cidade em 2004 e 2008 e foi cassado pela Câmara de Vereadores em 2011, sob acusação de ter cometido infrações político-administrativas ao não impedir um suposto esquema de corrupção.

O TCE apontou inconsistências e irregularidades relacionadas a despesas em convênios com entidades da área da saúde e do esporte no município. Há 22 autuações.

Em nota, os advogados de Dr. Hélio, José Roberto Batochio e Hélio Silveira, afirmam que "as contas rejeitadas não resultaram em ônus para a administração ou condenação penal para o candidato, não havendo, portanto, impedimento ao registro e continuidade da campanha eleitoral".

Na lista dos mais autuados do TCE, além de ex-prefeitos e secretários, há também gestores de entidades que receberam repasses. Há ex-prefeitos de outras cidades que não estão concorrendo à prefeitura este ano e também um que já morreu, Tercio Garcia, de São Vicente.

*

Veja a lista do TCE-SP dos agentes políticos com 20 ou mais autuações:

  1. CREUZA DA SILVA CALCADA - 110
  2. LUIS CLAUDIO BILI LINS DA SILVA - 88
  3. ERNANE BILOTTE PRIMAZZI - 77
  4. DINOCARME APARECIDO LIMA - 68
  5. TERCIO AUGUSTO GARCIA JUNIOR - 62
  6. EMIDIO PEREIRA DE SOUZA - 59
  7. MARCO AURELIO GOMES DOS SANTOS - 54
  8. EDUARDO DE SOUZA CESAR - 54
  9. SEBASTIAO ALVES DE ALMEIDA - 43
  10. JOAO CARLOS FORSSELL NETO - 41
  11. NERIO GARCIA DA COSTA - 37
  12. CLAURY SANTOS ALVES DA SILVA - 37
  13. MOACIR NILLIO DE SOUZA - 35
  14. JARDEL DE ARAUJO - 35
  15. OLAVO SILVA DE FREITAS - 34
  16. EMILSON COURAS DA SILVA - 33
  17. MARIA ANTONIETA DE BRITO - 31
  18. SANDRO ROGERIO SALA - 28
  19. LUCI CRISTINA ZANELLA BAENA FERNANDES CHARIF* - 27
  20. HELIO DE OLIVEIRA SANTOS - 22
  21. LUCI CRISTINA Z B F CHARIF* - 21
  22. JOSE ANTONIO DE BARROS NETO - 20

*Mesma pessoa, com redação diferente dos nomes

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.