Descrição de chapéu Eleições 2020

Fora do topo, esquerda enfrenta racha eleitoral de movimentos sociais na periferia de SP

Grupos tradicionais seguem com Tatto (PT), e coletivos mais jovens preferem Boulos (PSOL) na disputa pela prefeitura

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São Paulo

​No dia 27 de setembro, Guilherme Boulos (PSOL) caminhou pelo bairro de São Mateus, na zona leste de São Paulo, para iniciar sua campanha à prefeitura. Em frente ao comitê eleitoral, disse que sua prioridade era a periferia. Apesar do aceno, pessoas na parada de ônibus e nas calçadas das lojas rejeitaram o santinho oferecido por ele.

No mesmo domingo, Jilmar Tatto (PT), a aposta do partido para voltar ao comando do município, fez carreata pelo mesmo bairro e também não encontrou recepção calorosa.

Não passaram de 30 os apoiadores que assistiram ao seu discurso em frente a um CEU (Centro Educacional Unificado), marca das gestões petistas. Tatto ainda ouviu hostilidades de moradores que passaram de carro em frente ao local.

Lideranças sociais da Rede Emancipa organizaram uma roda de conversa com a Dona Maria Silva, no Jardim Castro Alves no Grajaú, na zona sul de São Paulo
Lideranças da Rede Emancipa fazem uma roda de conversa com a Dona Maria Silva (de camiseta verde), moradora do Jardim Castro Alves, no Grajaú, na zona sul de São Paulo - Mathilde Missioneiro /Folhapress

O candidato também tem dificuldades quanto ao seu principal cabo eleitoral. Segundo o Datafolha, 54% dos paulistanos não votariam de jeito nenhum em um nome indicado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Tatto tem 1% das intenções de voto na pesquisa, realizada nos dias 5 e 6 de outubro.

Para Boulos, que tem 12%, o entrave é que sua candidata a vice, a deputada federal Luiza Erundina (PSOL), que já foi prefeita de São Paulo (1989-1992) pelo PT e tem votos na periferia, não poderá ir para o corpo a corpo da campanha por ter 85 anos e fazer parte do grupo de risco da Covid-19.

Neste cenário, para vencer as barreiras do desconhecimento e da rejeição e conseguir o voto dos eleitores mais pobres da cidade, Boulos e Tatto dependem do trabalho de líderes de movimentos, associações e entidades que promovem ações sociais na periferia.

A militância da esquerda nunca esteve tão dividida nas regiões mais carentes da cidade. A situação é um obstáculo extra para essa ala ideológica que está fora do topo nas pesquisas de intenção de voto —segundo o Datafolha, Celso Russomanno (Republicanos) lidera, com 27%, seguido do prefeito Bruno Covas (PSDB), que tem 21%.

Até 15 anos atrás, os movimentos populares incrustados nos bairros pobres eram um terreno quase exclusivo do PT, mas entidades dirigidas por militantes do PSOL ganharam espaço. Um exemplo é o Emancipa, rede de cursinhos pré-universitários voltados à população carente.

O Emancipa está presente em 12 bairros paulistanos e atende cerca de 10 mil alunos. Durante a pandemia, conquistou ainda mais influência devido a ações de distribuição de alimentos e materiais de higiene. Agora, os integrantes dessa rede fazem campanha para Boulos.

Fundador e coordenador do Emancipa, Maurício Costa, que é filiado ao PSOL e assessor da deputada federal Sâmia Bonfim (PSOL-SP), afirma que a instituição não é oficialmente ligada ao partido, mas diz que as bandeiras do candidato psolista coincidem com as reivindicações da entidade.

“Existe uma identidade [com o PSOL], mas não há nenhum compromisso dos fóruns ou das organizações do Emancipa diretamente com a campanha do Boulos”, diz Costa. “O que existe é muito acordo e muita simpatia dos principais organizadores com as pautas que o Boulos está defendendo. Na verdade, ele é o único que incorpora politicamente todas as reivindicações que a gente tem como movimento social.”

No último dia 8, Costa e membros do Emancipa fizeram uma panfletagem no bairro do Grajaú, na zona sul paulistana. O bairro faz parte da “Tattolândia”, apelido dado à região por ser um reduto eleitoral da família Tatto. Depois, seguiram até o Jardim Castro Alves para convencer uma líder comunitária a aderir às campanhas dos candidatos do PSOL.

Dona Maria da Paz Silva, 57, mora há mais de 30 anos no bairro. Juntou na sua casa vizinhos para ouvir os dirigentes do Emancipa. Ela e as três filhas estão desempregadas. Dona Maria foi demitida do hostel em que trabalhava como auxiliar geral (faxinava e cozinhava) em março, poucos dias após o começo da quarentena.

Ela deixou de receber o salário mínimo mensal e, como indenização, levou para casa R$ 2.000. O dinheiro acabou. O que ajudou a encher a panela nos últimos meses foram as doações feitas pelo Emancipa. Foram doadas, até agora, segundo a entidade, mais de 12 toneladas de alimentos naquela região.

Jilmar Tatto em ato de campanha com movimentos de luta por moradia
Jilmar Tatto em ato de campanha com movimentos de luta por moradia - Divulgação /PT

Em contrapartida, Dona Maria identificou moradores do bairro que também necessitavam de ajuda e evitou que furassem fila ou recebessem dobrado.

“Aqui tem muita gente precisando, muita casa ali para baixo que é difícil de achar, na beira da represa”, diz Dona Maria. “Sou muito conhecida porque sou espírita, tenho um terreiro [de umbanda] e faço xarope de ervas para as crianças.”

Para convencer Dona Maria a pedir voto para Boulos, o Emancipa escalou Luana Alves, candidata a vereadora, que estudou e deu aulas na instituição. Ela é negra, como as moradoras da casa da líder comunitária, e também morou no Grajaú. Luana saiu de lá com a promessa de apoio de Dona Maria.

A campanha de Boulos identifica pelo menos 37 grupos com trabalho social cujas lideranças apoiam o candidato do PSOL à prefeitura. A grande maioria é de coletivos e movimentos culturais. Há também boa presença de grupos dedicados a questões raciais e de defesa das mulheres.

Já o lado petista conta com expressivo apoio de dirigentes de associações de moradores dos bairros periféricos e movimentos sociais mais antigos. E apesar de Boulos ter ganhado notoriedade pela liderança no MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), a maioria dos grupos de luta por moradia está com Jilmar Tatto.

“Boa parte dos movimentos mais novos, do campo da esquerda mais progressista, chamados de autonomistas, está com o PSOL e apoiando o Guilherme Boulos. Mas se você pega os movimentos mais tradicionais, a maioria está com o PT e o Jilmar Tatto”, diz Raimundo Bonfim, líder da favela de Heliópolis e coordenador nacional da Central de Movimentos Populares, que reúne 21 entidades, todas elas ligadas ao Partido dos Trabalhadores.

“No dia mundial dos sem-teto [5 de outubro] fizemos um ato de campanha do Jilmar onde havia quase mil pessoas, lideranças dos sem-teto”, diz Bonfim.

Andressa Neves é uma dessas líderes de bairro que militam pela candidatura petista. Ela comanda a Associação de Moradores da Vila Dalva, na região do Butantã, na zona oeste da capital paulista. “Aqui na associação é Jilmar. Eu saio de casa às 8h e só chego no fim da noite, o dia todo fazendo campanha. A luta é grande.”

Na semana passada, ela reuniria líderes das comunidades de São Remo, Sapé, Vila Sônia e outros locais para uma panfletagem na porta da estação de metrô Butantã, mas seu carro quebrou em frente a uma loja no Brás. Andressa cancelou a panfletagem, pegou o microfone de um dos lojistas que anunciava promoções e passou a pedir voto para Tatto.

Se ela consegue manter a fidelidade ao PT dentro da associação que comanda, não pode dizer o mesmo dentro de casa. Lá há quem faça campanha para Boulos. “Eu estou entrando na mente do meu filho para ele votar no Jilmar, mas ele quer o Boulos.”

Mateus Neves, 19, milita para o PSOL nas redes sociais. “Minha mãe também é Jilmar, mas minha tia é Boulos”, diz Andressa.

Ela também convive com militantes do PSOL na Rede de Apoio Popular - Butantã Contra o Covid (RAP), criada por professores, estudantes e funcionários da USP e pelo coletivo Butantã na Luta, para dar assistência a famílias carentes da região atingidas pela pandemia.

No RAP, Andressa milita junto do engenheiro Lester Amaral Júnior, um dos líderes do movimento Butantã na Luta.

“Pelo quinto mês consecutivo estamos suportando cerca de 300 famílias com várias ações”, diz Lester. "Tem lideranças de toda natureza. A gente tem conseguido trabalhar com um bom grau de unidade sabendo trabalhar com essas opções”, diz Lester, que é filiado ao PSOL e faz campanha para Boulos.

Se as pesquisas não são animadoras para Tatto, Boulos avançou numericamente, de 9% para 12%, da primeira para a segunda pesquisa Datafolha —empatado na margem de erro com Márcio França (PSB), que tem 8%.

Erramos: o texto foi alterado

Diferentemente do publicado em versão anterior desta reportagem, a campanha eleitoral começou em 27 de setembro, não em 5 de setembro. E a deputada federal Luiza Erundina (PSOL-SP) comandou a Prefeitura de São Paulo de 1989 a 1992, não de 1989 a 1993.​ O texto foi corrigido.
 

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