Descrição de chapéu Eleições 2020

França se projetou em SP com pauta-bomba, uso da máquina e acenos que foram do PT a Bolsonaro

Com 3 décadas na política, candidato do PSB já se apresentou como 'novo' e enfrentou questionamentos de populismo

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São Paulo

Na tentativa de se desvincular tanto do bolsonarismo como da esquerda, o ex-governador Márcio França (PSB) passou a adotar em sua campanha à Prefeitura de São Paulo o discurso de que “não tem rabo preso com ninguém”.

Esse slogan contradiz sua história. Embora tenha evitado se posicionar ideologicamente em sua carreira, França se comprometeu com diferentes grupos em sua trajetória política e adotou práticas de uso da máquina administrativa e iniciativas populistas que elevaram os gastos públicos.

Eleito vice-governador de Geraldo Alckmin (PSDB) em 2014, assumiu o Governo de São Paulo após o tucano renunciar em abril de 2018 para concorrer à Presidência da República.

Em quase nove meses de gestão, buscou se aproximar dos tucanos que não estavam ligados a Doria, de partidos aliados aos petistas e dos bolsonaristas.

Conquistou, ao mesmo tempo, apoiadores associados a lados ideológicas extremos: de Aldo Rebelo, ex-ministro de Lula e militante histórico do PC do B que acabou parando no Solidariedade, ao senador Major Olímpio (PSL), um dos principais apoiadores em São Paulo da eleição de Jair Bolsonaro, com quem acabou rompendo depois.

Apesar de mais de três décadas na carreira política, França se apresentou na eleição ao governo como novidade, embalado pela onda da antipolítica.

Um dia antes do segundo turno em que acabou derrotado por João Doria (PSDB), disse nas redes sociais que faltavam “poucas horas para São Paulo ter um novo governador”. Esse “novo” era ele próprio, que estava no cargo havia seis meses.

Agora, segundo pesquisa Datafolha divulgada no último dia 22, o candidato do PSB tem 10% das intenções de voto à prefeitura, empatado tecnicamente em terceiro lugar com Guilherme Boulos (PSOL), com 14%. Em primeiro, Bruno Covas (PSDB), com 23%, e Celso Russomanno (Republicanos), com 20%, também empatados.

Ao assumir o cargo de governador, França elevou liberação de verbas às prefeituras para reformas e obras e infraestrutura urbana. Logo no primeiro mês de gestão, segundo deputados do PSB, não pôs entraves à aprovação na Assembleia Legislativa de São Paulo a um aumento do teto do funcionalismo estadual em cerca de R$ 10 mil.

Oficialmente, o governo se posicionou contra. A proposta era considerada uma pauta-bomba pela gestão Alckmin, que vinha atuando para que esse aumento não fosse aprovado e, no futuro, comprometesse o estado com rompimento dos limites impostos pela LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal).

A medida, no entanto, agradava a partidos que tiveram campanhas financiadas por agentes fiscais de rendas, elite do funcionalismo estadual e principais beneficiados. Entre eles, o PTB do deputado estadual Campos Machado.

O aumento foi aprovado em PEC (emenda à Constituição, que não precisa de sanção do governador) e barrado pela Justiça, mas a gestão França compensou os servidores: facilitou o pagamento de um penduricalho nos rendimentos dos agentes fiscais.

Na campanha de 2018, França prometeu outros aumentos. Disse que os policiais e os professores do estado teriam os maiores salários do país, o que lhe garantiu apoios tanto da esquerda como de setores do PSL ligados ao Major Olímpio.

Nunca explicou detalhadamente de onde sairia esse dinheiro sem ultrapassar os limites da LRF. Questionado pela Folha à época, apostou que o Brasil cresceria “muito mais” nos anos posteriores e que, com isso, a receita de São Paulo também aumentaria, o que permitiria a elevação salarial.

Na gestão, França também uniu partidos nanicos, de centro e centro-esquerda, que o apoiariam contra João Doria, e nomeou seus integrantes para secretarias do governo. Manteve, contudo, importantes aliados de Alckmin em pastas estratégicas, como Governo (com Saulo de Castro) e Transportes Metropolitanos (com Clodoaldo Pelissioni).

Ao mesmo tempo, passou a flertar com o bolsonarismo em campanha e pôs uma vice que apoiava o então candidato Jair Bolsonaro. No interior, participou de eventos com carros plotados com a foto dele e do atual presidente da República. Dizia que nos municípios o partido havia sido liberado para produzir esse tipo de material.

Adesivo com foto de Márcio França (PSB) e Jair Bolsonaro (PSL) colado em veículo em Sorocaba, no interior de São Paulo. Lê-se "São Paulo quer mudança" e há os números de legenda de França, 40, e de Bolsonaro, 17
Adesivo com foto de Márcio França e Jair Bolsonaro colado em veículo em Sorocaba (SP) na campanha de 2018 - José Marques - 26.out.2018/Folhapress

Na gestão, França usou aeronaves do estado para se deslocar a compromissos partidários e particulares, segundo revelou o jornal O Estado de S. Paulo. Ele foi a encontros de partidos que o apoiaram à reeleição, eventos com líderes religiosos aliados e até a uma partida de futebol.

No segundo turno, angariou apoio do PT —mas sem publicidade, para evitar desgaste com o eleitorado antipetista— e de Paulo Skaf (MDB).

Advogado de formação, Márcio Luiz França Gomes, 57, saiu da militância estudantil para a Câmara de Vereadores de São Vicente (Baixada Santista), onde liderou um grupo de insatisfeitos com a gestão municipal, do PT, que ele ajudou a eleger anos antes.

Eleito, trabalhou para ampliar poder dos vereadores, indicando eles ou seus suplentes para assumir secretarias ou nas regionais da prefeitura.

França obteve 93% dos votos em mais uma eleição contra o PT e viajou para a Europa, sob a justificativa de participar de um evento gastronômico, em que São Vicente estava representada, e de descansar. Só voltou após o segundo turno.

Com isso, evitou a pressão de seu partido, que queria que ele apoiasse a petista Telma de Souza à Prefeitura de Santos, cidade vizinha, contra Beto Mansur (à época no PP, hoje no MDB). Beto era o favorito e venceu a eleição.

“Fui vizinho do Beto Mansur e ele sempre foi prestativo durante os últimos quatro anos”, justificou à época, ao jornal A Tribuna, dizendo que estava em uma posição delicada.

Em 2006, já em campanha para deputado federal, colocou-se à disposição para trabalhar na candidatura nacional de Alckmin. A aproximação com o ex-governador rendeu, em 2011, a Secretaria de Turismo do estado em uma nova gestão do tucano, onde tinha à disposição a liberação de verbas para obras em cidades turísticas.

Quatro anos depois, disputava o cargo de vice de Alckmin. Em seu reduto eleitoral, depois de transferir o poder a aliados em São Vicente, tentou emplacar seu filho Caio França, à época com 24 anos.

Foi derrotado, mas sua família voltou ao comando municipal em 2017, após seu cunhado Pedro Gouvêa (MDB) se eleger prefeito sob a promessa de que França trabalharia para a região quando Alckmin renunciasse para concorrer novamente à Presidência —e o pessebista se tornasse o novo governador.

A gestão de França no estado criou uma linha de financiamento que beneficiou exclusivamente São Vicente, com verba de R$ 8 milhões.

Apesar dos gastos, quando passou a gestão a João Doria, que assumiu em 2019, o novo governador disse que o pessebista não havia feito um contrato básico: a de compra de kits de material escolar para 2,6 milhões de alunos das escolas estaduais.

França diz que é o único que não tem compromisso com possíveis candidatos a presidente

A assessoria de Márcio França afirma que, entre os principais candidatos à Prefeitura de São Paulo, ele é o único "não tem compromisso com presidente que quer se reeleger; com ex-presidente que quer voltar ou governador que quer ser presidente​".​

Segundo a assessoria, como governador, "atendendo reivindicações dos prefeitos do Estado, foi ágil e liberou recursos para inúmeras e importantes obras". "O governador João Doria, logo que assumiu, cancelou os recursos objeto de convênios, frustrando, assim, milhões de paulistas e seus respectivos prefeitos", diz a nota.

Também diz que não houve articulação para o aumento da elite do funcionalismo aprovado pela Assembleia. "Márcio França, pelo contrário, sempre afirmou, durante sua gestão, que estava proibido, pela lei, por se tratar de ano eleitoral, de conceder qualquer tipo de aumento salarial nos quadros do Estado. Ou seja, sempre informou que obedecia os limites legais da Legislação Eleitoral", afirma.

Diz ainda que a denúncia sobre uso dos voos foi arquivada pelo Ministério Público após apuração e que o uso das aeronaves foi correto e dentro das normas da legislação.

Quando ao kit escolar, informa que seu secretário de educação à época, "o mesmo que hoje é o secretário da pasta no Governo Bruno Covas", adquiriu "corretamente a quantidade de kit escolar para suprir as necessidades do setor, mas que a gestão Doria não deve ter feito a devida entrega".

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