Descrição de chapéu Eleições 2020

Grupo de vice de Covas fatura por ano ao menos R$ 1,4 milhão com aluguel de creches à prefeitura

Gestão tucana e Ricardo Nunes dizem não haver irregularidades; gestoras também são ligadas a vereador

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São Paulo

“Oi, pessoal, tudo bem? Estou trazendo aqui uma informação para você. Mais uma creche a gente tá abrindo. Só nesses dias é a sexta que eu comunico”, diz Ricardo Nunes, vereador pelo MDB e candidato a vice-prefeito na chapa de Bruno Covas (PSDB) , filmando a si mesmo em um prédio que abrigaria uma unidade de ensino infantil em São Paulo.

Com reduto eleitoral no extremo sul, Nunes tem como uma de suas bandeiras as creches conveniadas, modelo alvo de investigação por supostas irregularidades.

Vereadores como ele têm entre suas funções fiscalizar os gastos do Executivo. No entanto, a proximidade com as entidades —que firmam contratos com a gestão municipal, administram repasses vultuosos e recebem milhares de alunos— rende frutos eleitorais.

No caso do candidato a vice de Covas, a Folha encontrou aliados políticos dele em duas pontas: tanto gerindo entidades que mantêm creches parceiras da Prefeitura de São Paulo quanto locando imóveis para elas.

Entre aliados de Covas, há o entendimento de que a escolha por Nunes se deu por pressão do governador João Doria. O PSDB trabalhava pela chapa pura, enquanto integrantes do DEM e do MDB insistiam num vice da coligação.

O vereador Milton Leite (DEM), que controla parte importante da máquina da prefeitura, foi contrário à chapa pura e endossou o nome de Nunes.

João Doria (PSDB), Bruno Covas (PSDB) e seu candidato a vice, Ricardo Nunes (MDB), na convenção que oficializou a chapa - Bruno Santos/Folhapress

Ao menos sete prédios de equipamentos de educação e assistência foram alugados por empresas de servidores ou ex-servidores do núcleo duro de apoio político de Nunes, conforme dados de cadastro do IPTU e outros documentos.

Segundo dados do portal de trânsparência deste ano, as unidades rendem mais de R$ 1,4 milhão por ano em aluguéis, com valores que ultrapassam, na média, os parâmetros de referência da própria prefeitura.

Em 2017, a atual gestão baixou portaria que define 0,8% do valor venal de referência dos imóveis (VVR) como limite do aluguel para as creches. Os sete imóveis encontrados pela Folha têm aluguel médio de 1,15% do VVR. Pelo parâmetro de 0,8%, a economia aos cofres públicos superaria R$ 400 mil por ano.

Os convênios firmados com entidades foram o jeito que a prefeitura encontrou para ampliar as vagas em creches, uma demanda que se arrasta por décadas na capital paulista.

Muitas parceiras têm ligações com grupos políticos. Elas se candidatam para atender as crianças e, selecionadas pela prefeitura, recebem repasses dos cofres públicos, incluindo os valores de aluguel dos prédios —negócio disputado ao envolver cifras elevadas em regiões desvalorizadas.

Só em 2020 estão previstos R$ 2,8 bilhões em repasses para operação e manutenção da rede parceira das creches.

Aliados do vereador Ricardo Nunes que locam prédios para as creches dizem que fazem trabalho social para diminuir a falta de vagas. Já a campanha de Bruno Covas, respondendo pelo candidato a vice, diz não haver irregularidades.

A maior parte dos aluguéis ligados ao grupo tem como um dos locadores a Crescent Empreendimentos, segundo cadastro do IPTU.

Um dos sócios da empresa é Valderci Malagosini Machado. Aliado de Nunes, ele é subprefeito da Capela do Socorro, sob indicação dele. O vereador já havia indicado Valderci para esse mesmo cargo na regional de Santo Amaro, na gestão Fernando Haddad (PT).

Há ao menos dois contratos que constam como locador ou um dos locadores a RTCM Farias Administração de Bens, de Ronaldo do Prado Farias, indicado de Nunes para atuar como diretor da autarquia SPObras (São Paulo Obras).

Nunes, Valderci e Farias, que se conhecem há duas décadas, são ex-presidentes da Aesul (Associação Empresarial da Região Sul).

O grupo está engajado na campanha do sucessor de Nunes como vereador, Marcelo Messias —ex-chefe de gabinete na subprefeitura da Capela do Socorro e cuja a empresa aparece em contrato como locadora de mais uma creche. ​

'Meu chefe'

Dos imóveis ligados ao grupo, quatro abrigam centros educacionais infantis (CEIs) administrados pela Acria (Associação Amiga da Criança e do Adolescente). A entidade é chefiada por uma apoiadora de Nunes, Elaine Targino. Nas redes sociais, ela se refere ao vereador como chefe.

Em 2016, Elaine postou uma foto de Nunes com a seguinte mensagem: “Peço seu voto para este vereador que é meu chefe, meu amigo e um cidadão de bem”. Dois anos depois, quando Nunes tentou se eleger deputado federal, ela pediu novamente apoio "ao meu chefe”.

À Folha ela disse que a expressão chefe foi um lapso, já que trabalhou com Nunes, a quem considera amigo e conhece há 20 anos. "Apoio por ser uma pessoa que conheço e desenvolve um trabalho com muita dedicação.”

A escolha dos imóveis das creches se dá pela oferta de proprietários que desejam alugá-los e, depois, pela verificação da demanda na região, diz ela. O proprietário, diz Elaine, precisa concordar em fazer adaptações, sem garantias de que o imóvel será alugado.

Segundo ela, o aluguel é definido pela cidade, com base no tamanho do imóvel e avaliação do perito. Ela diz que Nunes não influencia na escolha de prédios, mas que “existe um compromisso de todo o grupo político em atuar para reduzir a disparidade” da falta de creches.

Além dela na presidência, a entidade tem e teve outros aliados do vereador na diretoria, segundo documento de 2019.

Aparece também José Cleanto Martins como vice-presidente —em 2018, Nunes o homenageou na Câmara. É fundador da Sobei (Sociedade Beneficente Equilíbrio de Interlagos), outra mantenedora ligada a Nunes.

Em 2018, a Folha revelou que parte dos prédios da entidade havia sido locada de um mesmo empresário da região, também próximo de Nunes. A Promotoria abriu inquérito para esclarecer, entre outros pontos, a ligação de políticos com as entidades e os valores de aluguéis.

A prefeitura sofre resistências para diminuir esse gasto. Neste ano, por exemplo, tentou reduzir o aluguel da Cei Santa Margarida, na região do Jardim Shangrilá (zona sul), que tem aluguel de R$ 21 mil. Se fosse seguido o percentual da portaria municipal, ele seria de no máximo R$ 14,9 mil.

O imóvel foi alugado pela empresa de Ronaldo Prado Farias, que discordou da diminuição. Ele diz que o aluguel do imóvel está no valor de mercado e é menor do que definiu o perito.

"A proposta de redução de quase 20% foi feita por conta de uma nova portaria que se baseia no VVR, mas essa portaria não considera uma diferença existente em imóveis nas regiões nobres e periféricas", diz.

Apesar do teto de 0,8% do valor venal de referência, há uma brecha pela qual o aluguel pode chegar a até 1,5% do VVR por no máximo 48 meses, desde que seja provada a reforma e cuja diferença não ultrapasse o valor gasto.

Prado, que se diz amigo e colaborador na atuação de Nunes, afirma atuar com locação de imóveis e ter sido procurado pela Acria. Com dificuldade para atender devido ao alto investimento necessário, diz ele, resolveu pegar um empréstimo para reformar um imóvel.

“No grupo político que estava inserido tínhamos interesse em reduzir a demanda por creche, me senti confortável em realizar este investimento comercial e de cunho social. Reformamos e adequamos o imóvel [...] para o funcionamento de uma creche com capacidade de atender mais de 200 crianças”, afirmou à Folha, por email.

O empresário afirma que no grupo há investidores com foco tanto "comercial" como "social”.

“O investimento em prédio para locação para creche não é um mal investimento, mas ele é de extremo risco, pois, como dito, é condição que o investidor deixe o imóvel pronto para creche, mas sem a certeza de que o imóvel será locado”, diz.

Há regra que veta que servidores firmem contratos com a administração direta ou indireta, mas os funcionários afirmam que os contratos são firmados com entidades privadas, no caso as mantenedoras, e que são anteriores às suas atuais funções, iniciadas neste ano.

“Não há contrato com administração direta ou indireta, pois o aluguel foi feito diretamente com particular”, diz Valderci Malagosini, acrescentando que os contratos são antigos e que ele assumiu como subprefeito em março.

Ele disse que conhece Ricardo Nunes há mais de 20 anos e que, assim como ele, tem a vida pautada por ações sociais em várias entidades, como a Acria e Sobei.

Marcelo Messias cita a alta demanda de creches e diz que resolveu fazer adequações num imóvel pensando no problema. "Sou proprietário de parte do imóvel [...], um sócio que me ajudou nesse projeto”, disse. O aluguel foi definido pela prefeitura, diz.

Nunes diz ser voluntário em entidades como a Acria e Sobei. “Assim como Nunes, Valderci Malagosini e Ronaldo Farias são empresários e fazem parte da mesma associação de empresários. Entre 2005 e 2008, Elaine Targino trabalhou em uma empresa do vereador, ela tem um histórico de trabalhos sociais na região”, diz a campanha.

Sobre o aluguel, o vereador diz que não há descumprimento legal, “uma vez que eles foram alugados antes de os proprietários fazerem parte da administração”.

A gestão Covas afirma desconhecer a relação dos servidores com Nunes e que os contratos foram firmados entre empresas e organizações sociais e cumpriram critérios legais. Também diz que os contratos foram assinados na gestão anterior.

Afirma ainda estar em andamento a revisão de aluguéis, que atingirá ao menos 200 contratos.

O vereador Milton Leite enviou nota afirmando que "em nenhum momento foi procurado pela reportagem e nega que tenha sido contrário à chapa pura". "A informação correta é que ele trabalhou pela construção da aliança política que resultou na escolha do nome de Ricardo Nunes para vice de Bruno Covas."

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