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Indicado por Bolsonaro ao Supremo, Kassio foge do padrão dos demais ministros da corte

Juiz piauiense é mais novo que a média de idade dos empossados desde 1988 e vem de uma região pouco contemplada na composição do tribunal

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São Paulo

Se confirmado para o STF (Supremo Tribunal Federal) como quer o presidente Jair Bolsonaro, o juiz federal Kassio Nunes Marques será um ministro com algumas características diferentes do padrão da corte.

Kassio foi indicado pelo presidente para assumir um posto na mais alta instância do Judiciário na vaga de Celso de Mello, que se aposentou nesta semana. O escolhido precisa ser aprovado pelo Senado, em sabatina marcada para o próximo dia 21.

Kassio, 48, é seis anos mais novo que a idade média dos ministros quando foram empossados, desde a promulgação da Constituição de 1988.

O juiz federal Kassio Nunes Marques, indicado ao STF pelo presidente Jair Bolsonaro
O juiz federal Kassio Nunes Marques, indicado ao STF pelo presidente Jair Bolsonaro - Divulgação/TRF 1ª Região

O atual juiz federal do TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região) nasceu no Piauí. Neste momento, nenhum dos 11 ministros é do Nordeste. Desde 1988, foram apenas dois escolhidos dessa região, nenhum piauiense. O estado contou até aqui com apenas 5 dos 167 ministros.

O estado não possui um ministro no STF desde 1982, quando assumiu Aldir Passarinho, indicado pelo então presidente João Baptista Figueiredo, ainda durante a ditadura militar.

Kassio se formou em direito na Universidade Federal do Piauí, instituição que ainda não emplacou nenhum graduado na corte.

Um padrão que o magistrado segue é o gênero. Foram apenas três ministras na corte até hoje.

Antes de anunciar Kassio como seu escolhido, Bolsonaro disse que um dos requisitos para a escolha era que o seu indicado deveria "tomar tubaína" com ele, ou seja, seria um nome pelo qual ele tivesse simpatia, não bastava apenas um ótimo currículo.

O presidente afirmou também que seria alguém terrivelmente evangélico, o que não se confirmou, pois Kassio é católico.

Nos bastidores políticos, a escolha pelo piauiense é vista como afago de Bolsonaro ao Nordeste, região onde ele perdeu para Fernando Haddad (PT) na eleição presidencial de 2018.

A indicação também tem sido apontada como forma de cultivar o apoio do centrão no Congresso, que apoia o nome de Kassio.

O magistrado tem sido criticado pela oposição por ter colocado em seu currículo cursos no exterior que não existem e ter copiado trechos de trabalho de outro juiz em sua tese de doutorado.

A escolha

Controversa, a forma de escolha dos ministros do STF é praticamente a mesma desde a criação da instituição, em 1891, com indicação do presidente da República e sabatina/aprovação do Senado (houve breves exceções no processo, especialmente nos períodos ditatoriais).

O sistema é alvo de críticas de especialistas do direito e de políticos. Um dos principais pontos destacados é o tamanho do poder que o presidente acumula —a chefia do Executivo e a indicação dos membros da mais alta instância da Justiça.

Outro problema citado é a falta de objetividade para determinar quem pode ser indicado. A Constituição só impõe atualmente que o cidadão deva ter entre 35 e 65 anos, notável saber jurídico e conduta ilibada, sem detalhar o que significam essas expressões.

A sabatina do Senado, que poderia minimizar as deficiências, não é suficiente, dizem os críticos. Apenas cinco nomes foram vetados pelo Legislativo até hoje, todos eles em 1894, durante o governo de Floriano Peixoto.

Em pesquisa feita em 2015 na PUC-Rio sobre o processo de escolha dos ministros do STF, o desembargador do Trabalho Paulo Marcelo de Miranda Serrano encontrou 46 projetos no Congresso que previam alterações no sistema.

O pedido que mais apareceu foi de limitação do poder do presidente para a escolha dos ministros da corte.

A pesquisa mostrou também que o sistema brasileiro, fortemente inspirado no dos Estados Unidos, é semelhante a de países latino-americanos como Argentina e México.

Serrano observa que o modelo de escolha americano foi importado para o Brasil, desconsiderando que o Legislativo nos EUA sofre menos influência do Executivo do que no Brasil.

Já na Áustria, sistema que inspirou muitos países europeus, a escolha dos nomes é dividida entre Executivo, Legislativo e entidades do direito.

Após entrevistas com legisladores e ministros da corte, além de análise de dados, Serrano fez sugestões de como o sistema brasileiro poderia ser aperfeiçoado.

Uma ideia é implementar a consulta prévia do nome a entidades ligadas ao direito, como ocorre nos Estados Unidos (consulta sem poder de veto, mas cuja avaliação é considerada na análise do Senado).

O desembargador, porém, conclui o trabalho, que lhe rendeu o título de doutor em ciências sociais, dizendo que “ao final, parece que sei menos sobre o tema do que antes”, tamanha a complexidade.

Se há críticas ao sistema, há também defensores proeminentes. Na mesma pesquisa, o ministro Luís Roberto Barroso foi entrevistado e afirmou que “o modelo de escolha dos ministros do STF é o melhor que tem disponível no mercado. Qualquer outra variação que eu tenha lido ou ouvido até agora, nenhuma delas tem me parecido melhor”.

Segundo ele, o poder nas mãos do presidente traz junto grande responsabilidade pessoal pelas escolhas, o que se perde quando a seleção de nomes é diluída entre Executivo, Legislativo e outras instituições (modelo de muitos europeus).

Um trabalho de pesquisadores da Universidade de Brasília analisou o comportamento dos oito ministros indicados por Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o maior número de indicações de um presidente desde a redemocratização.

O período foi escolhido por ser um bom teste de quanto o Supremo pode mudar devido ao grande poder concentrado em um único chefe do Executivo.

Em síntese, os pesquisadores Maria Fernanda Jaloretto e Bernardo Mueller não encontraram diferença importante no comportamento da corte após essa leva de ministros indicados por Lula. Foram considerados no estudo as votações de ADIs (ações diretas de inconstitucionalidade).

“Como os juízes não podem ser removidos pelo presidente após serem colocados no STF, eles têm independência para decidir contra o presidente quando julgarem que isso seja o correto”, disse Mueller.

Ele aponta como exemplo de independência entre os Poderes o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT). Mesmo com ministros indicados por ela e por Lula, o processo de afastamento recebeu amparo na corte.

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