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Justiça Eleitoral decide que live de Caetano se enquadra em showmício e veta realização

Maioria dos desembargadores foi contrária ao voto do relator e parecer do Ministério Público; questão deve ir ao TSE

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Porto Alegre e São Paulo

A Justiça Eleitoral decidiu que o show online de Caetano Veloso para arrecadar fundos para a campanha de Manuela D’Ávila (PC do B), candidata à Prefeitura de Porto Alegre, equivale a um showmício. Os desembargadores do TRE-RS (Tribunal Regional Eleitoral) do Rio Grande do Sul decidiram, por 4 a 3, que a apresentação está vedada, contrariando o voto do relator.

A decisão ocorreu na tarde desta quinta-feira (22). O relator do caso foi o desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz. A defesa de Manuela irá recorrer e a questão deve ser julgada no TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

Thompson Flores Lenz entendeu que o show fechado é um “meio lícito de angariar recurso para campanhas eleitorais”. De acordo com o desembargador, o “reconhecimento de licitude” não significa que não será fiscalizado.

Para ele, o show “não fere a isonomia, pelo contrário, permite a todos candidatos que tenham meios lícitas de arrecadação”. Ainda assim, a maioria dos votos foi no sentido contrário.

O show foi programado em formato fechado, apenas para pagantes, para o dia 7 de novembro. A campanha do vice-prefeito, o candidato Gustavo Paim (PP), considerou que se tratava de um showmício e pediu sua suspensão.

​Após a decisão desta quinta, Paim, que também é professor de direito eleitoral, reforçou que o evento não tem respaldo na lei.

“Por mais criativo que seja o evento, tem vedação legal. O que o TRE decidiu hoje foi confirmar algo que tem previsão legal desde 2006”, comentou Paim.

Lucas Lazari, advogado da campanha de Manuela D'Ávila, afirmou que irá recorrer ao TSE. "Esta é uma luta que pertence a todos que defendem o direito dos artistas se manifestarem politicamente", disse Lazari.

Durante seu voto, o desembargador Gustavo Diefenthäler chegou a dizer que o “carisma” de Caetano não pode ser comparado com “comida e bebida”, por melhor que sejam.

O desembargador se referiu ao argumento que o show de Caetano seria semelhante a arrecadação por meio de venda de ingressos para jantares, por exemplo. Os desembargadores Miguel Ramos, Roberto Fraga e André Villarinho (desempate) também entenderam que a apresentação deve ser vetada.

Segundo o desembargador, o "carisma" de Caetano desequilibraria a atenção para os candidatos.

Para Marilda Silveira, professora de direito eleitoral no IDP (Instituto Brasiliense de Direito Público), a lei não pode usar um atributo individual como item de limite de direito de político.

“O Estado não pode desativar por meio de uma interpretação de uma lei as características boas ou ruins de indivíduo, seja ele candidato seja ele apoiador. Isso é a essência da liberdade e, na minha perspectiva, sem dúvida poderia ser caracterizado como censura”, afirma.

Ela destaca que o eleitor tem o direito de escolher seus candidatos por características individuais que contemplam também o apoio que eles têm.

Segundo ela, Caetano “fez um grande favor com seu carisma” em pautar uma questão que eleitoralistas vêm tentando discutir há muito tempo.

A questão tem dividido especialistas em direito eleitoral. Enquanto parte entende que um show pode ser considerado ato de arrecadação, como os jantares fechados que ocorriam em eleições pré-pandemia, outra considera que o evento pode ser tipificado como semelhante a um showmício.

A lei proíbe a realização de showmício e de "evento assemelhado" para promoção de candidatos, "bem como a apresentação, remunerada ou não, de artistas" para promover candidatos.

Para Paula Lavigne, produtora e mulher de Caetano, a decisão desta quinta confunde.

"Se eu propor um bate-papo do Caetano com alguém, pode? O problema é o artista cantar, é isso? Uma plaestra de arrecadação poderia? Posso fazer, então, um leilão? Um dos votos dizia que isso poderia chegar a R$ 1 milhão e que seria abuso econômico. E se for um leilão de arte, tem coisas que podem valer até mais", questiona.

Em seu perfil em uma rede social, o artista fez um vídeo sobre a decisão. Disse que a lei eleitoral cita, expressamente, que as campanhas podem organizar eventos de arrecadação de recursos. "Não diz se o evento deve ser um jantar, uma venda de produtos ou uma apresentação artística, afirma.

"Não é apenas a minha liberdade de expressão que está sendo tolhida. É a de todos os meus colegas artistas que possuem o direito constitucional de apoiarem os seus candidatos, inclusive através de doações."

A apresentação de Caetano havia sido cancelada em 10 de outubro pelo juiz Leandro Figueira Martins, mas a campanha de Manuela recorreu. O cancelamento ressuscitou a discussão sobre showmícios, banidos pela minirreforma eleitoral em 2006.

A iniciativa do cantor previa que metade do valor dos ingressos será destinado para Guilherme Boulos (PSOL), candidato a prefeito em São Paulo. O acesso ao link custaria R$ 60.

“A promoção do show tem que ser associada à campanha. Vejam, é justamente o que a lei proíbe”, sustentou o advogado Caetano Cuervo Lo Pumo. Segundo ele, quem compra o ingresso precisa estar ciente que estará colaborando com a campanha porque seu nome aparecerá na prestação de contas depois. “Se censura há, ela está gravada na lei das eleições", acrescentou.

Em manifestação, o Ministério Público gaúcho entendeu que o show de Caetano Veloso não se enquadra em showmício. Na sessão, o procurador eleitoral José Osmar Pumes argumentou que o evento tem objetivo de arrecadar fundos, ao contrário de um showmício onde o eleitor assiste ao comício político para acessar entretenimento gratuito.

Para a advogada eleitoralista Maria Claudia Buchianeri, que já se manifestou publicamente em apoio à live do artista, a conclusão diante da decisão desta quinta é que eventos de arrecadação não podem ter atrativos.

“Se fosse o [historiador] Leandro Karnal que apoiasse um candidato e fizesse um evento? Ele poderia falar 1h30 sobre felicidade, cobrar R$ 50, subtrair os custos e usar a receita para apoiar um candidato que tem como pauta a saúde mental? Por que ele não pode fazer?”, diz.

A liberação de showmício retornou ao debate nas eleições passadas e a questão foi levada ao Supremo em 2018. PSB, PSOL e PT ajuizaram uma ação contra a regra que proíbe esse tipo de ato, argumentando que é inconstitucional.

A ação está sob a relatoria do ministro Dias Toffoli e ainda não há decisão sobre o assunto.​

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