Descrição de chapéu Eleições 2020

Lava Jato some de campanha em São Paulo após presença determinante em 2016

Só Joice e Arthur do Val se aliam ao lavajatismo, enquanto PT orienta candidatos a usarem pleito municipal para defender Lula

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Em 2014, a Lava Jato quase custou à presidente Dilma Rousseff (PT) sua reeleição. Dois anos depois, alimentou o antipetismo que levou à vitória no primeiro turno de João Doria (PSDB) à Prefeitura de São Paulo. E explicou grande parte da onda conservadora nas urnas em 2018.

Na campanha de 2020, a maior operação contra a corrupção da história do Brasil praticamente desapareceu, uma demonstração de seu declínio. Em São Paulo, a marca Lava Jato quase não é citada, um cenário bem diferente do que ocorria há quatro anos.

0
O governador João Doria (PSDB), que explorava a Lava Jato na eleição de 2016, durante evento de homenagem a Sergio Moro - Eduardo Knapp - 28.jun.2019/Folhapress

“Vocês todos sabem qual a minha opinião sobre o ex-presidente Lula. Vou visitá-lo em Curitiba e farei minha homenagem a ele lá”, dizia Doria com frequência na campanha.

Candidata à prefeitura na época, Marta Suplicy usava a operação em uma espécie de malabarismo político para explicar sua mudança de partido. Justificava a saída do PT porque seus dirigentes buscavam a “perpetuação do poder” por meio de um “sistema orgânico de corrupção”.

Já para explicar a entrada no MDB, que tinha diversos integrantes atingidos pela operação, ela dizia que não havia nenhum grande partido estruturado sem líderes na mira. “Eu apoio a Lava Jato, independente de quem seja investigado”.

Se em 2016, o tema servia de arma contra o PT, na atual eleição é o partido que busca explorar a operação para tentar obter dividendos políticos.

Após deixar a prisão, em novembro do ano passado, Lula orientou o PT a lançar o maior número de candidatos, com o objetivo de usar as eleições municipais para defender o legado do partido e ele próprio.

Todos os candidatos petistas têm acesso a um documento com 14 argumentos a favor do ex-presidente e do habeas corpus movido por ele no STF (Supremo Tribunal Federal) para que o ex-juiz Sergio Moro seja declarado suspeito.

O material está disponível na Casa 13, uma plataforma do PT com material de campanha para seus candidatos. Ali, os argumentos a favor de Lula são apresentados também em vídeos e imagens para redes sociais.

“O clamor popular não justifica as ilegalidades da Lava Jato e Sergio Moro”, “A anulação do caso Lula não vai beneficiar criminosos” e “A Lava Jato não mudou o Brasil para melhor” são alguns dos cards para uso na internet.

Coordenador do PT nas eleições municipais, o deputado federal José Guimarães (CE), não vê desvio de finalidade no uso do pleito para fazer a defesa de Lula. O PT tem R$ 200 milhões de fundo eleitoral, que é verba pública, a maior fatia entre os partidos.

“Não estamos impondo nada, mas Lula é o maior patrimônio e cabo eleitoral do PT, é legítimo e natural usá-lo nas campanhas. Os partidos são livres para fazerem a propaganda que acharem conveniente.”

No último dia 27, aniversário de Lula, o PT orientou que seus candidatos dedicassem o horário eleitoral ao ex-presidente.

“A Lava Jato foi montada contra o PT”, diz José Américo, coordenador de comunicação da campanha de Jilmar Tatto. “O peso da Lava Jato contra nós em 2020 é muito menor do que em 2016”.

Em sua propaganda, Tatto tem se associado a Lula, mas não costuma tratar da Lava Jato especificamente. Em sabatina Folha/UOL, Tatto afirmou que o clima de campanha na rua hoje é melhor do que em 2016, quando o PT não era bem-aceito.

“O PT está empenhado na eleição de 2020 e trabalha também para voltar a governar o país. Gostaríamos muito que fosse o presidente Lula [o candidato], e a gente está brigando bastante para que o STF anule os processos dele, porque ele foi condenado injustamente e agora isso está provado. Moro nem existe mais na política”, disse Tatto.

Entre os candidatos em São Paulo, uma das poucas a tratar da operação é Joice Hasselmann (PSL). Lavajatista assumida e aliada de Moro, foi eleita deputada federal em 2018 na onda anticorrupção.

Para Joice, o tema sumiu porque “todos têm rabo preso direto ou indiretamente”. Ela tem como proposta criar a Lava Jato paulistana.

“A ideia nasceu numa conversa que tive com Sergio [Moro]. Somos muito alinhados nessa pauta”, conta.

Embora criar uma força-tarefa seja atribuição do Ministério Público, a candidata tomou emprestado o nome da operação para sua proposta de fortalecer a Controladoria-Geral do Município.

“O controlador-geral do município hoje é um fantoche, pau-mandado do prefeito. Dando mandato para meu controlador, nem eu tenho ingerência sobre ele. E cabe a mim escolher um tigrão, quero um padrão Sergio Moro ou Deltan Dallagnol”, diz Joice.

Joice Hasselmann (PSL), candidata à Prefeitura de SP, durante debate na TV Bandeirantes - Bruno Santos/ Folhapress

Outra liderança dos atos contra a corrupção é Adelaide Oliveira, candidata a vice na chapa de Arthur do Val (Patriota). Ex-porta-voz do movimento Vem Pra Rua, diz que a Lava Jato é um modelo a ser seguido na cidade.

“O trabalho pode ser espalhado no modus operandi da Lava Jato, que é ter uma força contra o crime, um conjunto de normas”, afirma.

A campanha propõe fortalecer os órgãos municipais de combate à corrupção, incluindo uma agência de inteligência. Ela também se diz próxima de Moro, mas afirma que defende a Lava Jato “sem pirotecnia”, num recado para Joice, que se apresenta como biógrafa do ex-juiz.

“Tenho bastante proximidade com o Moro, mas não vou ficar usando o nome dele, como outras campanhas fazem”, afirma.

Outros lavajatistas optaram por apoiar Andrea Matarazzo (PSD), como a deputada estadual Janaina Paschoal (PSL) e o jurista Modesto Carvalhosa.

“Infelizmente ninguém fala mais da Lava Jato, parece que sumiu. Não estou vendo nada sobre corrupção como um tema principal na campanha”, diz Carvalhosa.

Segundo ele, sua opção por Matarazzo se deve a ele ser o único que fala sobre a “corrupção capilar”, praticada nas periferias por fiscais da prefeitura para liberar alvarás ao comércio, por exemplo.

No PSDB, partido do candidato que mais mencionou o tema na eleição de 2016, a ordem agora é mudar de assunto, até para tentar diferenciar o prefeito Bruno Covas, em busca de reeleição, de Doria.

O contexto é ruim para o PSDB paulistano. Duas de suas principais lideranças, o senador José Serra e o ex-governador Geraldo Alckmin, foram atingidos por ações da Lava Jato nos últimos meses.

Para o presidente municipal do PSDB, Fernando Alfredo, isso não contamina a campanha de Covas. “Bruno é ficha limpa. Tem algum contrato da prefeitura investigado pela Lava Jato? Esta é uma campanha municipal, a Lava Jato é uma questão nacional”, afirma.

Lara Mesquita, cientista política da FGV, afirma que a Lava Jato aparece de forma acanhada nesta eleição em comparação a 2016, quando a operação estava em seu ápice, tinha atingido praticamente só o PT e estava associada ao impeachment de Dilma.

De lá pra cá, outros partidos foram alvo e houve o escândalo das mensagens de Moro vazadas pelo site The Intercept. Depois, o próprio presidente declarou ter acabado com a Lava Jato.

“A Lava Jato se mostrou uma operação complicada e não desprovida de interesses políticos. Isso fez com que perdesse força e parte do apelo moralizante que tinha. Não dá mais para usar o argumento de que a Lava Jato é apolítica em 2020”, diz a pesquisadora.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.