Descrição de chapéu Eleições 2020

Longe da Prefeitura do Rio há 32 anos, esquerda carioca não supera divisão

Partidos 'olham para seu quintal' enquanto há 'tufão arrancando nossos telhados', diz Freixo

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Rio de Janeiro

A eleição municipal parecia uma ótima oportunidade para esquerdistas quebrarem o ciclo vitorioso de chapas do centro à direita, com os dois principais concorrentes a prefeito do Rio, o atual no cargo, Marcelo Crivella (Republicanos), e seu antecessor Eduardo Paes (DEM) enroscados em investigações policiais.

A esquerda esteve à frente do Executivo carioca mais de três décadas atrás, com Saturnino Braga eleito pelo PDT no primeiro pleito da redemocratização. E nunca mais.

A incapacidade de superar obstáculos partidários 32 anos depois e se unir em torno de um candidato comum, contudo, mostra um campo pulverizado que pode deixar todos fora da reta final.

Os cinco candidatos da arena progressista que pontuaram na pesquisa Datafolha divulgada na quinta (8) somaram 26% das intenções de voto, quatro pontos atrás do líder, Paes, e 12 acima de Crivella.

Quase todos os debates internos para chapas conjuntas, contudo, foram a pique —só o PT dias atrás convenceu o PC do B a abrir mão da candidatura de Enfermeira Rejane, agora vice de Benedita da Silva.

Em maio, o deputado Marcelo Freixo (PSOL), que em 2016 foi para o segundo turno contra Crivella, evocou a fragmentação da esquerda para justificar por que decidiu nem tentar a disputa neste ano.

Ele reitera a decepção com a falta de um acordo interno. "Na minha opinião, sem querer ser arrogante, cada um olha pro seu quintal, na quantidade de vereadores para eleger, o que é legítimo. É muito importante fazer as legendas terem visibilidade. Só que tem um tufão arrancando nossos telhados, e tem gente tirando folha do quintal."

Para Freixo, "o momento é de derrubar candidatos bolsonaristas". Este seria sobretudo o prefeito Crivella, que conta com o apoio da família Bolsonaro e também com recursos judiciais para poder concorrer. Em setembro, o TRE-RJ (Tribunal Regional Eleitoral do Rio) o tornou inelegível até 2026 por levar funcionários da prefeitura em 2018 a um ato de campanha do filho, então candidato à Câmara.

Dentro do próprio PSOL de Freixo, porém, a cisão transborda. No mês passado, artistas como Caetano Veloso e Malu Mader assinaram um abaixo-assinado pedindo que reconsiderasse disputar a prefeitura.

Acontece que a deputada estadual Renata Souza, ex-assessora de Marielle Franco, já havia sido anunciada como candidata do partido. E ficou parecendo, para parte do eleitorado à esquerda, que um homem branco estava tirando o lugar de uma mulher negra. Mais uma vez.

A petição foi associada à produtora Paula Lavigne e ao antropólogo Luiz Eduardo Soares. O ex-secretário de Segurança Pública no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou nas redes sociais ver "três mulheres honradas e respeitáveis" vindas do campo progressista e que "disputarão entre si os votos do campo democrático".

Além de Renata, Benedita e Enfermeira Rejane, que ainda não era vice da petista, eram mulheres negras no páreo —Suêd Haidar (PMB) também, mas sem o perfil progressista.

"Quem não se conforma com a divisão e não se entrega a uma derrota anunciada tenta trazer de volta Marcelo Freixo e sua disposição de unir", afirma Soares. "Nenhum nome tem a mesma força junto à sociedade e tem conclamado tanto à necessidade de unir."

Freixo diz ter sido pego de surpresa. Estava em casa, com suspeita de Covid-19 (era gripe), quando recebeu mensagem de Paula Lavigne: "Olha seu email". Era uma reportagem falando sobre a demanda dos artistas.

Conta que na mesma hora ligou para Souza. A psolista aponta "desprezo a uma candidatura de mulher negra" de quem não cogitou que Freixo falava em nome dela quando se disse disposto a retomar conversas por unidade na esquerda.

"Sempre disse que o pragmatismo político é classista, racista e machista. Quase que eu viro um empecilho ao Freixo, olha que loucura, foi ele que me convenceu [a concorrer]."

Souza pontuou 3% no Datafolha, atrás das outras duas concorrentes de partidos progressistas, a deputada federal Benedita (8%) e a deputada estadual Martha Rocha, do PDT (10%).

Rocha preocupa Paes, por ter espaço para prosperar com eleitores mais ao centro. Seu nome cresce nas sondagens quando é apresentada como delegada —ela é ex-chefe da Polícia Civil do Rio.

O PDT até ensaiou uma aliança com a Rede. O acordo era o seguinte: o deputado Alessandro Molon (PSB-RJ) abriria mão de pleitear a cadeira de prefeito se Rocha e Bandeira de Mello, o candidato da Rede, se unissem numa mesma chapa. A ideia era ver, em pesquisas internas, qual deles tinha maior viabilidade eleitoral. O primeiro colocado chamaria o segundo para ser vice.

Acontece que Bandeira de Mello defendia que o levantamento fosse feito apenas com o eleitor que já conhecesse os candidatos. Só que ele é ex-presidente do Flamengo, o time mais popular do Brasil, e logo bem familiar para o eleitorado.

O PDT ficou com a impressão de que Mello sairia candidato ainda que Rocha tivesse desempenho melhor, o que de fato aconteceu em pesquisas internas.

O PSB de Molon ficou ao lado da legenda, até porque a prioridade é a eleicão no Recife de João Campos, filho do ex-presidenciável de 2014 Eduardo Campos, morto durante a campanha num acidente de avião naquele ano. O apoio no Rio seria uma espécie de quitação eleitoral pela parceria com pedetistas no Nordeste.

"Acho que essa dicotomia esquerda-direita está ultrapassada. Eu me considero um candidato progressista, que se preocupa com a redução das desigualdades e com o respeito ao meio ambiente, mas que também se preocupa com responsabilidade fiscal", afirma Mello.

Para Freixo, "faltou maturidade a todos nós", e ele não se exclui dessa conta. "A culpa é de todos nós."

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