Descrição de chapéu senado

Ministério Público investiga relação de petista presidente da Assembleia do Rio com suposto agiota

Órgão apura se nomeações de parentes de empresário feitas por André Ceciliano ocorreram como moeda de troca por atividades ilícitas

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Rio de Janeiro

O presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, André Ceciliano (PT), é investigado por ter empregado pessoas ligadas a um suposto agiota do interior do estado. O Ministério Público suspeita que as nomeações tenham sido uma “moeda de troca” em atividades ilícitas.

Ao menos quatro pessoas ligadas ao empresário Carlos Alberto Dolavale, conhecido como Betinho, foram nomeadas no gabinete do petista num período em que ele dizia ser credor em cerca de R$ 170 mil do deputado.

O petista nega que tenha contraído qualquer dívida com o empresário e afirma que não há ilicitude nas nomeações em seu gabinete.

O presidente da Assembleia do Rio, André Ceciliano, em sessão que aprovou continuidade de processo de impeachment de Wilson Witzel - Lorando Labbe-23.set.20/Fotoarena/Agência O Globo

A investigação sobre a relação entre Ceciliano e Betinho é desdobramento das apurações sobre as supostas “rachadinhas” na Alerj, que também atingiram o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ). Elas tiveram origem no relatório do Coaf que apontou movimentações consideradas atípicas feitas por assessores de deputados estaduais.

O gabinete de Ceciliano liderava em volume de movimentações financeiras suspeitas indicadas no relatório, somando R$ 49 milhões entre 2011 e 2017. Boa parte (R$ 26 milhões) estava vinculada a Elisângela Barbieri, assessora do presidente da Alerj entre 2011 e 2019 e mulher de Betinho.

As movimentações financeiras dos ex-assessores do presidente da Assembleia, contudo, têm características distintas das identificadas nas contas de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio e suspeito de ser o operador financeiro do esquema do filho de Jair Bolsonaro.

A investigação contra o filho do presidente identificou depósitos em série nas contas de Queiroz nos dias seguintes ao de pagamento dos salários na Alerj, seguidos de saques. O MP-RJ suspeita que o senador tenha se beneficiado dos salários repassados por seus ex-assessores a Queiroz com o pagamento de despesas pessoais com dinheiro vivo.

Embora sem as características “clássicas” da “rachadinha”, o MP-RJ afirma ser necessário aprofundar as investigações sobre Ceciliano para identificar um eventual vínculo entre o deputado e as movimentações financeiras do suposto agiota.

A Procuradoria-Geral de Justiça recuperou um depoimento dado pelo empresário em 2012 num inquérito da Polícia Federal no qual relatou que Ceciliano lhe devia cerca de R$ 170 mil. A vinculação do valor ao nome do deputado foi identificada numa planilha gravada num computador de Betinho apreendido em 2011, numa investigação eleitoral.

As provas dessa investigação foram compartilhadas com o MP-RJ após autorização judicial.

À PF o empresário disse que o valor se referia ao pagamento de débitos junto a lojas de material de construção onde Ceciliano, entre 2002 e 2004, fez compras para moradores de Paracambi, cidade governada pelo petista entre 2001 e 2008. No depoimento, Betinho relatou que a dívida ainda não havia sido paga até aquela data.

O MP-RJ apura se as nomeações ligadas ao empresário foram usadas como uma espécie de “moeda de troca” de Ceciliano para o empresário e se há um vínculo mais profundo entre os dois.

Betinho e Elisângela Barbieri foram nomeados em fevereiro de 2011 no gabinete do petista, assim que ele assumiu sua cadeira na Alerj.

O suposto agiota deixou o posto em março de 2012 e foi substituído pela enteada Vanessa Barbieri. Ela ficou lotada no gabinete até 2015. O petista também nomeou o filho do empresário, Rogério Dolavale, entre 2014 e 2019.

Dados da quebra de sigilo de Elisângela e Betinho, autorizadas pela Justiça, mostram que o casal movimentou, segundo o MP-RJ, R$ 84 milhões entre 2011 e 2019. Apesar disso, ambos apresentam um patrimônio de cerca de R$ 1,2 milhão.

A ex-assessora afirmou em depoimento por escrito à Procuradoria-Geral de Justiça que o marido troca cheques pré-datados de comerciantes por dinheiro vivo, mediante a cobrança de juros. Ela disse que as contas em que foram registradas as movimentações eram usadas para as atividades financeiras de seu marido.

Registros de ocorrência na Polícia Civil e depoimentos indicam, para o MP-RJ, que Betinho atua como agiota em cidades do interior do Rio. Duas pessoas relataram na delegacia de Paracambi que foram ameaçadas pelo empresário quando deixaram de pagar o valor devido.

Além dos parentes do empresário, Ceciliano também nomeou em seu gabinete Luciano Massambane, cuja conta também foi usada para pagamentos de empréstimos feitos por Betinho, segundo narrado por uma testemunha ao MP-RJ.

O MP-RJ também detectou cheques do petista descontados nas contas de Betinho e Elisângela Barbieri que somam R$ 31 mil em oito anos.

Segundo na linha sucessória do governo estadual, Ceciliano também é alvo de inquérito no STJ (Superior Tribunal de Justiça) sobre supostas fraudes na saúde que levou ao afastamento de Wilson Witzel (PSC) do governo.

Causa estranheza mudança no escopo da investigação, diz deputado

Ceciliano afirmou em nota que não contraiu dívida com Carlos Alberto Dolavale, o Betinho. Ele declarou ainda considerar estranho a mudança no escopo da investigação, que não aborda mais, para ele, a prática da “rachadinha”.

“Me causa estranheza essa mudança na investigação onde passo de recebedor de recursos milionários a devedor de assessores. A suposta dívida de R$ 170 mil entre 2002 e 2004 nunca existiu, tampouco foi paga com nomeações quase dez anos depois. Na política, só perdi patrimônio, não ganhei”, disse ele.

O presidente da Alerj afirmou que os dados da investigação mostram que não há qualquer relação dele com as movimentações financeiras de seu ex-assessores.

“Ficou comprovado, no avanço das investigações do MP-RJ, que as relações financeiras de Carlos Alberto e Elisângela nada tinham a ver com o exercício da atividade deles na Assembleia. Os dois atuam no setor de venda de materiais de construção e realizam há décadas atividade de troca de cheques para comerciantes”, disse o petista.

Ele disse também que as investigações não detectaram nenhuma característica de “rachadinha”, origem da apuração.

“Não há nas contas do deputado qualquer fluxo incompatível com sua atividade na Alerj. Não há saques ou depósitos em suas contas de forma fracionada. Não há recebimento de recursos de servidores, transferências entre os assessores que representem mais de 70% de suas remunerações, nem pagamento, por parte de servidores, de suas contas pessoais e de familiares”, disse a assessoria de Ceciliano, em nota.

“Muito menos há saques em espécie e depósitos imediatos em conta de servidores ou movimentações suspeitas no Itaú da Alerj. Portanto, não há rachadinha no gabinete do deputado”, declarou a nota do gabinete do presidente da Alerj.

O advogado Ricardo Tonassi, que representa a família de Betinho, afirmou que não comentaria o caso porque as investigações correm sob segredo de Justiça.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.