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Na 'Martalândia', órfãos da ex-prefeita se dividem entre Covas e PT e ignoram Boulos

Reduto de Marta Suplicy, distrito de Parelheiros relega demais candidatos ao segundo plano

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São Paulo

A 34 km da praça da Sé, no extremo sul de São Paulo, a campanha para a prefeitura da capital ocorre em uma espécie de realidade paralela, em que a favorita dos eleitores não está na urna eletrônica.

O vasto distrito de Parelheiros poderia ser chamado de Martalândia, tal a popularidade que a ex-prefeita Marta Suplicy (sem partido) conserva junto a muitos moradores.

Em 2016, quando estava no MDB, ela ganhou a eleição na região com 37,1% dos votos, uma folga considerável sobre João Doria (PSDB), que teve 28,2%.

Foi um dos dois únicos distritos em que o tucano, que venceu a eleição no primeiro turno, foi derrotado na cidade. O outro foi o vizinho Grajaú, em que Marta também ganhou, mas com vantagem bem mais apertada (31,5% a 30,6%).

A Folha esteve na última terça-feira (20) em Parelheiros e conversou com moradores da região.

Para quase todos, a polarização entre tucanos e petistas, que dominou a política municipal nas últimas décadas, se mantém. Marta apoia Covas, embora muitas pessoas no bairro não saibam disso.

Celso Russomanno (Republicanos) é um personagem secundário, mas pior é para Guilherme Boulos: o candidato do PSOL, uma das surpresas da atual eleição, é ignorado por grande parte dos eleitores.

Cabos eleitorais fazem campanha em Parelheiros, na zona sul de São Paulo, reduto da ex-prefeita Marta Suplicy - Zanone Fraissat/Folhapress

A praça em torno da capela Santa Cruz, de 1898, é o coração de Parelheiros. Na hora do almoço, Antonia de Paula Santos distribuía santinhos do PT, enquanto conversava com a comerciante Rosemeire Helfstin, que tende a votar em Covas.

Ambas concordam que Marta foi a melhor prefeita para o bairro, mas se engajaram em um debate acalorado sobre a decisão dela de deixar o PT, em 2015. “Marta valorizou muito a região. Eu trabalharia para ela de graça. Quem for contra é muito injusto”, diz Rosemeire.

Antonia concorda, mas agrega que o grande erro da ex-prefeita foi sair do partido. “Ela só é a Marta por causa do PT”, diz. A amiga corta: “Ela saiu porque viu a sujeira toda”. Antonia emenda uma tréplica: “Saiu porque é burra”.

A Folha perguntou o que ambas acham de Boulos. “Boulos para mim é só o amigo da [Luiza] Erundina [sua vice]”, afirma Antonia.

Com área de 353 km2, maior que a de cidades como Guarulhos ou Santo André, Parelheiros é o maior distrito de São Paulo, respondendo por quase um quarto do território do município. Mas é um lugar esparsamente povoado, com 139 mil moradores, segundo o Censo de 2010.

Distante do centro, ao pé da Serra do Mar e com diversas áreas rurais separando pequenos núcleos urbanos, assemelha-se a uma pequena cidade dentro da capital.

O coração da Martalândia é um triângulo de cerca de 1 km de lado cujos vértices são a praça da capela, o CEU (Centro Educacional Unificado) e o novo Hospital Parelheiros. Nas seções eleitorais desse área, Marta atingiu picos de mais de 50% dos votos em 2016. Na 193ª seção, montada dentro do CEU, chegou a 54,8%.

A gratidão vem sobretudo de algumas obras que ela entregou quando prefeita (2001-05): a pavimentação da Estrada da Colônia, importante artéria do distrito, a construção do terminal de ônibus e a implantação de corredores que reduziram o tempo de viagem ao centro, algo fundamental num local distante de onde estão os empregos.

Ela também é creditada como a mãe do CEU local, embora a obra iniciada em sua gestão tenha sido finalizada apenas na de Gilberto Kassab (PSD).

Proprietário de um bar ao lado do terminal de ônibus, o baiano José Cornélio Santana, 66, há 20 anos morador do bairro, diz que a vida toda simpatizou com o PT.

Um dos motivos é a amizade com o vereador petista Alfredinho, que tem base na região. “Ele me ajudava muito quando eu organizava bailes de forró”, diz.

Esse ano, Santana diz estar indeciso entre Covas, por causa do apoio de Marta, ou Jilmar Tatto (PT), por ser do partido que implantou o bilhete único. E descarta Russomanno: “Esse aí não vai longe. Não vai chegar [no segundo turno], não”.

O mesmo dizem quatro clientes sentados numa mesa na calçada: todos antigos eleitores petistas, mas ainda indecisos. Uma mulher, que não quis dar o nome, afirma que provavelmente votará em Fernando Haddad (PT). Informada que o ex-prefeito não concorre, diz que talvez vote em quem ele estiver apoiando.

Na entrada do terminal de ônibus, o vigia Lúcio Mario, 40, diz estar entre “Josimar” Tatto, por causa do PT, ou Covas, por seu desempenho durante a pandemia. “O Bruno eu acho que foi bem nesse tempo de coronavírus. E ele sempre fez pela saúde aqui”, diz, mencionando o hospital do bairro, inaugurado em 2018.

Mario, assim como a maioria das pessoas ouvidas pela Folha, não sabia do apoio de Marta ao tucano. Apesar de ser mais um fã da ex-prefeita, diz que isso não será decisivo para sua opção eleitoral. “O que define o voto é a formação da pessoa, o que ela fala, não quem o candidato tem de apoio”, diz.

Ele afirma que descarta Russomanno por causa dos processos trabalhistas que sofre de ex-funcionários. “Eu trabalhei 16 anos numa empresa, estou há um ano tentando receber meus direitos”, afirma.

Sobre Boulos, primeiro responde: “Quem?”. Depois, complementa: “Ouvi falar nesse cara, mas nunca parei para analisar”.

Atendente de um mercado no bairro, Anderson Souza da Silva, 21, é uma das poucas vozes que admitem o voto em Russomanno. Diz estar indeciso entre o candidato do Republicanos e o ex-governador Márcio França (PSB).

A admiração por Covas evaporou-se quando ele precisou usar o hospital. “Eu tenho hérnia na virilha. Cheguei na recepção com muita dor, disseram que só iriam me operar se fosse algo realmente insuportável”, afirma.

Silva estudou quatro anos no CEU e, antes da pandemia, utilizava o espaço para lazer aos fins de semana. Sua única queixa é a lotação da piscina. “Pela Marta tenho muita simpatia. Se fosse candidata, eu votava. Até gostaria que o PT voltasse, mas não estou vendo muito jeito”, diz.

Seu colega no mercado, Luiz Felipe Ribeiro Chaves, 27, diz que a vida no bairro é sossegada, embora pudesse haver mais policiamento.

“O que precisa aqui é uma infraestrutura melhor, para a população não ter de se deslocar tanto atrás de emprego”, afirma. Ele se diz indeciso, mas rejeita o PT. “Depois dos escândalos, nunca mais voto”.

A pandemia afetou em cheio um local já repleto de carências. O distrito é o mais pobre de São Paulo, com Índice de Desenvolvimento Humano de 0,68, numa escala de 0 a 1 (a média da cidade é 0,80).

Dona de uma mercearia e de uma lan house, ​Adaídes Cunha e Silva, 61, diz que só conseguiu manter abertos os negócios "por um milagre de Deus". Os dois estabelecimentos ficam em frente ao CEU, que está fechado. Isso derrubou seu faturamento diário, de até R$ 300 antes da pandemia, para R$ 30.

Ela usou o auxílio emergencial do governo federal para pagar os aluguéis, mas diz que isso não significa que votará em Russomanno, apoiado por Bolsonaro. “Do Russomanno eu até gosto, mas nunca vi ele fazer nada”, diz.

Mesmo sem mandato desde o ano passado, quando deixou o Senado, Marta mantém uma estrutura de apoio na região.

Um de seus articuladores no extremo sul da cidade, Fábio Pinheiro de Menezes, 50, diz que é preciso reforçar a vinculação da ex-prefeita com Covas. “Só teve um vídeo que ela fez dando apoio ao prefeito, e nem todo mundo teve acesso. Se a Marta visitar Parelheiros ao lado do Bruno, a situação dele vai mudar muito lá”, diz.

Para Menezes, a ex-prefeita é a única que consegue dividir o eleitorado histórico do PT em Parelheiros.

“Muita gente vem me dizer que fica com ela independentemente do partido em que estiver. Mas também tem os petistas. E petista é igual corintiano, vai ser petista até o fim”, diz.

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