Planalto defende repasse a programa de Michelle e diz que Saúde 'não precisava' mais de testes de Covid

Presidência diverge de empresa e diz ainda que Ministerio da Saúde declinou da doação para testes

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Brasília

A Secretaria de Comunicação da Presidência da República afirmou em nota à imprensa que foi legal o repasse ao programa Pátria Voluntária, liderado por Michelle Bolsonaro, da doação de R$ 7,5 milhões da Marfrig para a compra de testes rápidos da Covid-19.

A Secom se manifestou um dia após a Folha revelar que o dinheiro doado pela empresa especificamente para o Ministério da Saúde comprar 100 mil kits de testes foi repassado pela Casa Civil da Presidência ao projeto Arrecadação Solidária, do Pátria Voluntária.​

O Ministério Público junto ao TCU (Tribunal de Contas da União) e a oposição ao governo do presidnete Jair Bolsonaro querem investigar o caso.

A Secom confirma a mudança de destino do recurso, mas sua versão diverge do relato feito pela empresa à Folha.

A assessoria da Presidência diz que, em maio, a pasta da Saúde declinou da doação "porque não precisava mais dos equipamentos" para os testes e que então a Marfrig procurou o Pátria para que o dinheiro fosse usado em alimentos e produtos de proteção e higiene.

Segundo a nota do governo, a empresa "optou por repassar a doação ao programa para atender às necessidades de entidades sociais a elas vinculadas". "Especialmente para a compra de alimentos, produtos de proteção e de higiene para pessoas em situação de vulnerabilidade, realizadas por chamadas públicas."

De acordo com nota da Marfrig, no entanto, em 20 de maio, dois meses após o anúncio de sua doação para os testes de Covid-19, a Casa Civil enviou "comunicação oficial" com detalhes sobre o programa de voluntariado no qual informava que os valores doados deveriam ser depositados numa conta da Fundação do Banco do Brasil, gestora dos recursos do Pátria, "com fim específico de aquisição e aplicação de testes de Covid-19".

“Dias depois, a Marfrig realizou a transferência bancária do valor proposto, de acordo com as orientações da Casa Civil”, relatou a empresa à Folha.

Somente dia 1° de julho, segundo a empresa, o destino do dinheiro transferido ao governo Bolsonaro mudou.

A empresa diz ter sido então consultada "sobre a possibilidade de destinar a verba doada não para a compra de testes por parte do Ministério da Saúde, mas para outras ações de combate aos efeitos socioeconômicos da pandemia de Covid-19, especificamente o auxílio a pequenos negócios de pessoas em situação de vulnerabilidade".​

“Como a ação estava diretamente ligada à mitigação dos danos causados pela pandemia, a Marfrig concordou com a nova destinação dos recursos doados”, disse a empresa.

Ou seja, segundo a empresa, partiu do governo, em julho, e não em maio, a sugestão de usar os recursos que não fossem para a compra de testes de Covid-19.

O Planalto diz que em maio o Ministério da Saúde declinou da doação, enquanto a Marfrig diz que naquele mesmo mês o ofício da Casa Civil dizia que o dinheiro seria usado "com fim específico de aquisição e aplicação de testes de Covid-19".

"Como também permite a legislação específica, os recursos arrecadados são direcionados para organizações da sociedade civil para efetivação de atendimento a pessoas em situação de vulnerabilidade, o que de fato ocorreu no caso citado", disse a Secom da Presidência.

No mês de março, quando a doação foi anunciada, o Brasil enfrentava as primeiras semanas da pandemia e a falta desse material, enquanto a OMS (Organização Mundial da Saúde) orientava testar a população.

A empresa também lembrava que, um dia antes, em 22 de março, o então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, informou que o governo tentaria firmar parcerias com a iniciativa privada para financiamento de parte das compras dos kits.

Reportagem da Folha publicada em 1º de abril mostrou que, para conseguir fazer os testes na época, era necessário ser profissional de saúde ou de segurança, estar em estado grave ou ter morrido.

Nesta quarta-feira (30), outra reportagem da Folha mostrou que o programa liderado por Michelle repassou dinheiro do Arrecadação Solidária, sem edital de concorrência, a instituições missionárias evangélicas aliadas da ministra Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) para a compra e distribuição de cestas básicas.

Os R$ 7,5 milhões da Marfrig representam quase 70% da arrecadação do programa até agora —R$ 10,9 milhões.

Criado por decreto do presidente, em julho do ano passado, o Pátria Voluntária tem como objetivo fomentar a prática do voluntariado e estimular o crescimento do terceiro setor, arrecadando dinheiro de instituições privadas e repassando para organizações sociais. ​

O programa da primeira-dama já consumiu cerca de R$ 9 milhões dos cofres públicos em publicidade pagos pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência.

A definição de quem recebe os recursos doados ocorre “no âmbito do Conselho de Solidariedade”, composto por representantes dos ministérios da Mulher, do Desenvolvimento Regional, da Ciência e Tecnologia, Casa Civil e Secretaria de Governo.

Segundo a Casa Civil, o dinheiro foi usado para a compra e distribuição de cestas básicas a mais famílias vulneráveis à pandemia.


Leia abaixo a íntegra da nota da Presidência:

"Em respeito à opinião pública, aos órgãos de fiscalização e para repor a verdade dos fatos, o Pátria Voluntária esclarece o seguinte:

1. A empresa Marfrig teve a intenção de doar para o Ministério da Saúde R$ 7,5 (sete e meio milhões de reais) para compra de testes rápidos para a Covid-19, em março do corrente ano. A legislação em vigor impede que o referido ministério receba recursos privados e, em maio, o órgão declinou da doação porque não precisava mais dos equipamentos.

2. A Marfrig procurou o Pátria Voluntária e optou por repassar a doação ao programa para atender às necessidades de entidades sociais a elas vinculadas. Especialmente para a compra de alimentos, produtos de proteção e de higiene para pessoas em situação de vulnerabilidade, realizadas por chamadas públicas.

3. Registre-se que o Pátria Voluntária tem um canal que permite doações financeiras tanto por pessoas jurídicas quanto por pessoas físicas. As doações são realizadas diretamente à Fundação Banco do Brasil – FBB, pessoa jurídica de direito privado, de fins não lucrativos, com autonomia administrativa e financeira.

4. Como também permite a legislação específica, os recursos arrecadados são direcionados para organizações da sociedade civil para efetivação de atendimento a pessoas em situação de vulnerabilidade, o que de fato ocorreu no caso citado.

5. É norma do Pátria Voluntária dar ampla e total transparência na plataforma patriavoluntaria.org um painel de dados na aba “RESULTADOS”, que publiciza para toda a sociedade o destino dos recursos captados pelo projeto Arrecadação Solidária, com o intuito de dar transparência e credibilidade".

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.