Prefeito suspeito de elo com facção dribla acusações e é favorito na Grande São Paulo

Ney Santos, de Embu das Artes, não compareceu à própria posse por estar foragido e afirma ter R$ 1,5 milhão em espécie

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Embu das Artes

Nas últimas eleições municipais, um candidato da Grande São Paulo que andava de Ferrari, declarava patrimônio milionário em dinheiro vivo e tinha financiamento de campanha suspeito fez acender o alerta em autoridades sobre um problema que pode se disseminar nas disputas pelo país neste ano.

Atual prefeito de Embu das Artes, Claudinei Santos (Republicanos) chegou a ser cassado em 2018 por ter recebido em sua campanha dinheiro do crime organizado, mais especificamente do PCC, a quem o Ministério Público Eleitoral diz ele ser ligado.

Mesmo tendo sua gestão marcada por confusões judiciais, incluindo a cerimônia de posse enquanto esteva foragido, Ney Santos, como é conhecido, é candidato à reeleição e formou a maior coligação da cidade da Grande São Paulo, com apoio de sete partidos.

O prefeito Ney Santos, do Republicanos, em evento no último dia 6 no qual a reportagem da Folha foi intimidada
O prefeito Ney Santos, do Republicanos, em evento no último dia 6 no qual a reportagem da Folha foi intimidada - Adriano Vizoni/Folhapress

Para a polícia e o Ministério Público, Ney Santos mantém relação com o PCC desde que passou dois anos preso, de 2003 a 2005, suspeito de roubo a uma transportadora de valores, crime do qual acabou absolvido por falta de provas.

Ney Santos teve o patrimônio multiplicado após deixar a cadeia naquele ano, e tanto na eleição de 2016 quanto na deste ano, declarou possuir mais de R$ 1,5 milhão em dinheiro vivo.

A posse de recursos em espécie não é ilegal, mas costuma gerar suspeitas por ser uma maneira de encobrir a arrecadação com fontes ilícitas. Oficialmente, sua atividade profissional era posse e administração de postos de combustíveis.

Seus percalços na vida pública começaram em 2010 e passaram até por um habeas corpus do STF (Supremo Tribunal Federal).

Dez anos atrás, Ney Santos lançou sua primeira candidatura ao concorrer a deputado federal pelo PSC, impulsionado pela atividade comunitária por meio de uma ONG chamada Vida Feliz.

Mas também naquele ano foi alvo, em meio à campanha, de uma operação da Polícia Civil que apreendeu uma Ferrari que estava em nome de uma empresa sua. O automóvel foi avaliado em R$ 1,4 milhão na época. Também foi alvo uma casa em Alphaville, na Grande São Paulo.

Um dos argumentos contrários a Ney Santos, sempre repetidos na Justiça, é a evolução patrimonial dele e de pessoas próximas. Em 2005, aos 25 anos, época em que saiu da cadeia, declarou ter R$ 105 mil em espécie. Quatro anos mais tarde, informou ter R$ 790 mil em dinheiro vivo, segundo a Promotoria.​

Em 2012, ano em que se elegeu vereador em Embu das Artes, declarou participação em seis postos de combustíveis. Ascendeu à presidência da Câmara Municipal durante gestão do PT, mas se lançou à prefeitura em 2016 com o apoio de partidos como PSDB e MDB.

​Foi a sua vitória com 79% dos votos válidos, há quatro anos, que levou os investigadores a acelerar a apuração a respeito do político.

Aquela foi a primeira eleição em que doação eleitoral de empresas foi proibida, gerando receios sobre a disseminação de mais formas ilegais de financiamento de campanha, como por meio do crime organizado.

Pouco antes da diplomação de Ney Santos, em dezembro daquele ano, o Ministério Público do estado o denunciou por acusação de lavagem e de organização criminosa e obteve um mandado de prisão. A Promotoria argumentou que um membro da "maior facção criminosa do país" não poderia exercer qualquer cargo de Estado.

"Não é de hoje que se tem notícia de que o PCC investe em pessoas para que alcem voos políticos", escreveram os promotores.

À época, a Promotoria informou que constantemente recebe "informações e denúncias" que o colocam como expoente do PCC.

À cerimônia de posse, em 1º de janeiro de 2017, Ney Santos enviou apenas uma carta listando os motivos de não ter comparecido. Mesmo foragido, conseguiu ser diplomado na Justiça Eleitoral e pediu habeas corpus ao Tribunal de Justiça, por meio do advogado Alberto Toron, um dos principais criminalistas do país.

Conseguiu suspender o mandado de prisão com um habeas corpus expedido pelo ministro Marco Aurélio Mello, do STF. Assumiu o cargo 38 dias depois da data marcada.

Antes do habeas corpus ter sua validade julgada no Supremo, em 2018, Ney Santos pediu licença do cargo. Com a vitória na corte, retomou suas funções.

A Promotoria Eleitoral, com base nas informações levantadas na investigação que resultou na ordem de prisão, apresentou ação pedindo sua cassação por suposto financiamento do crime organizado e citou a fortuna acumulada.

Ney Santos foi cassado em primeira instância em abril de 2018. A decisão, da juíza Tatyana Jorge, apontou que dois de seus principais doadores de campanha tinham declarações injustificáveis de renda, configurando abuso de poder econômico.

O prefeito recorreu se mantendo no cargo e, no Tribunal Regional Eleitoral, em 2019, conseguiu reverter a decisão. Os integrantes da corte entenderam que tinha havido problemas na colheita de depoimentos e na quebra de sigilo fiscal no processo.

Ao longo de quase quatro anos à frente da prefeitura, houve outros reveses nos tribunais.

No fim de 2019, Ney Santos ficou novamente afastado, por cinco dias, após ser indiciado pela Polícia Federal em investigação sigilosa também sobre lavagem de dinheiro, no período de 2014 a 2017.

Também no ano passado, foi denunciado sob acusação de fraude em licitação, organização criminosa e corrupção na Operação Prato Feito, que atingiu outros municípios da região metropolitana.

A investigação apurou pagamento de propina por uma fornecedora de uniformes escolares.

Na Justiça Estadual, o processo aberto em 2016 ainda não foi sentenciado. Ele também responde a processo sob acusação de disparo de arma de fogo, também em 2016, e posse ilegal de uma pistola com numeração suprimida e mira laser, apreendida com um motorista com quem viajava no interior do estado em 2019.

Com 275 mil habitantes, Embu das Artes está no grupo dos maiores PIBs da Grande São Paulo e é classificada como estância turística, conhecida por abrigar exposições de artesãos e artistas plásticos.​

Na campanha deste ano, um dos fatores para o favoritismo de Ney Santos é o racha entre os opositores.

A oposição fragmentou-se entre as candidaturas do ex-prefeito pelo PT Geraldo Cruz, hoje no PDT, e das atuais vereadoras Dra. Bete (PSDB) e Rosangela Santos (PT). Também concorrem Sargento Ruas (PSL), Rey Martins (PTC) e Cristiane Amorin (PCO).

Não há segundo turno no município.​

Vista do centro histórico de Embu das Artes, na Grande São Paulo
Vista do centro histórico de Embu das Artes, na Grande São Paulo - Rubens Chaves - 4.dez.18/Folhapress

Ney Santos tem a seu favor também programas como obras de asfaltamento. Seu mote de candidatura mescla a origem de "menino da periferia" com um certo apelo religioso —teve declarações de apoio de Marcos Pereira, presidente nacional do Republicanos, sigla ligada à Igreja Universal.

O Republicanos já injetou na campanha em Embu das Artes mais de R$ 900 mil em recursos do fundo eleitoral público. Pelas ruas de Embu das Artes, a campanha de Ney Santos é nitidamente mais intensa do que a dos adversários.

A reportagem da Folha esteve em um ato de campanha no bairro Jardim Castilho no último dia 6 e foi hostilizada pela equipe do prefeito e seus apoiadores.

Um segurança de Ney Santos disse que a presença da reportagem no local era uma "safadeza" porque o evento era apenas para convidados. Na verdade, o ato, promovido por um vereador, era aberto ao público e tinha sido divulgado nas redes sociais.

Na ocasião, o segurança e apoiadores cercaram o repórter-fotográfico do jornal que acompanhava o evento e exigiram que ele apagasse as fotos produzidas, o que não ocorreu. A equipe também não permitiu que a reportagem conversasse com o prefeito.

A série de acusações contra o candidato à reeleição parece ter efeito limitado sobre o eleitorado local. Um líder oposicionista disse que abordar as ligações suspeitas do prefeito é falar "o que todo mundo já sabe".

Prefeito não se manifesta, e advogados negam acusações

A Folha procurou a assessoria do prefeito Ney Santos nas últimas semanas e encaminhou perguntas com o teor da reportagem, mas não obteve resposta. Também enviou questionamentos ao escritório Fabretti Tolentino, que hoje defende Ney Santos, mas também não houve réplica.

Em resposta à denúncia de lavagem de dinheiro e organização criminosa, em 2017, os advogados negaram as acusações e disseram que a suspeita de participação do político no PCC é "absolutamente infundada".

Também disseram que a denúncia de 2016 não especifica os crimes imputados ao prefeito nem as circunstâncias em que foram cometidos e que, dessa forma, o direito de defesa fica prejudicado porque não há como refutar ponto a ponto.

Sobre o crescimento do patrimônio de Ney Santos, os advogados escreveram que apenas a desconfiança e a surpresa dos investigadores não são suficientes para fundamentar um processo.

Na Justiça Eleitoral, os advogados do prefeito disseram que não houve abuso de poder econômico na eleição de 2016 e que os valores gastos naquela campanha foram devidamente declarados, com a prestação de contas aprovada pelas autoridades.

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