Descrição de chapéu Folhajus

Processos de pastores da Universal contra escritor têm petições idênticas e indicam ação orquestrada da igreja

Defesa de João Paulo Cuenca levanta suspeita de que a instituição tenha coordenado o início das causas; Universal nega e diz que iniciativas são individuais

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Nas dezenas de processos de indenização de pastores da Igreja Universal do Reino de Deus contra o escritor João Paulo Cuenca, iniciados após uma publicação dele no Twitter, há petições com textos idênticos e trechos que mostram o uso de modelos de redação, o que indica uma ação orquestrada.

As demandas judiciais começaram com pedidos dos religiosos em nome próprio e sem a indicação de advogados.

Em um dos processos, porém, passou a atuar uma advogada que defende a igreja em vários casos na Justiça. Em ações judiciais e registros na internet, ela aponta a sede da Universal em Alagoas como seu endereço profissional.

Para a defesa de Cuenca, os indícios levam à suspeita de que tenha partido da instituição religiosa a eventual coordenação para a apresentação dos processos.

A Universal nega ter atuado ou dado apoio para o início das demandas na Justiça e afirma que “não tem como comentar o conteúdo desses processos, porque não é parte nas ações e, assim, não conhece seu teor”.

Quanto à advogada que entrou na causa contra o escritor, ela diz que a “suposta atuação não guarda qualquer relação com atividades profissionais dela junto à Universal”.

Sentado, o escritor João Paulo Cuenca durante debate na Festa Literária Internacional de Paraty.
O escritor João Paulo Cuenca durante debate na Festa Literária Internacional de Paraty. - Keiny Andrade - 30.jun.16/Folhapress

As petições foram apresentadas à Justiça após Cuenca ter publicado em junho no Twitter que o “brasileiro só será livre quando o último Bolsonaro for enforcado nas tripas do último pastor da Igreja Universal”, parafraseando texto do autor do século 18 Jean Meslier.

Os escritos originais de Meslier trazem a afirmação de que “o homem só será livre quando o último rei for enforcado nas tripas do último padre”.

Os advogados do escritor já contabilizam mais de 120 ações de indenização por danos morais protocoladas em cidades de 21 estados. Porém, até a última quarta-feira (28), a defesa não havia verificado nenhuma causa ajuizada no estado de São Paulo, onde mora o escritor.

A soma dos valores pedidos nos processos já passa de R$ 2 milhões. No conjunto das ações judiciais, é possível verificar grupos de petições com textos idênticos, o que indica que vários modelos foram usados pelos pastores.

Em algumas delas, o compartilhamento dos modelos fica mais evidente, pois possuem um trecho em que se observa a inscrição “xxxxxx”, que em geral é usada para mostrar um espaço a ser preenchido.

Tal situação ocorre em um parágrafo específico sobre o tempo de trabalho na Universal, no qual se lê: “O autor é ministro de confissão religiosa e atua como pastor na Igreja Universal do Reino de Deus desde, xxxx.”

Em outro grupo de petições, que têm a maioria dos parágrafos idênticos, quatro pastores que moram em cidades diferentes (Caxias-MA, Pacajus-CE, Poços de Caldas-MG e Montes Claros-MG) relataram à Justiça ter ouvido o mesmo tipo de “chacota”.

No trecho que se repete nos documentos, os pastores dizem ter ouvido a provocação: “Ehhh pastor, tá famoso, hein? Vai ser com suas tripas que irão enforcar os Bolsonaro?”.

Outro padrão nos casos é que as petições iniciais são assinadas pelos próprios pastores, o que é permitido nos processos dos juizados especiais cíveis.

Porém, ante uma decisão desfavorável do juizado de União dos Palmares (AL), uma advogada ligada à Universal passou a trabalhar na causa.

O recurso nesse processo foi apresentado pela advogada Daniela Fontan Maia Peixoto, que defende a Universal em dezenas de demandas e indica como seu endereço profissional —em petições e no Cadastro Nacional dos Advogados—​ o mesmo endereço da sede estadual da Universal em Alagoas, situada na Avenida Comendador Gustavo Paiva nº 3076, em Maceió.

Em seu currículo na Plataforma Lattes, base digital de dados mantida pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), Daniela se apresenta como advogada da Universal.

Diferentemente dos processos em que defende a instituição religiosa, na causa contra Cuenca a advogada apontou como endereço profissional um local diverso do prédio da Universal.

A Folha ligou para o departamento jurídico da sede alagoana da Universal e pediu para falar com a advogada, mas recebeu a informação de que ela não estava no local naquele momento. Também contatou o marido de Daniela, mas ele disse que ela não se encontrava em casa.

Nas tentativas de contato que se estenderam por três dias, a reportagem explicou sobre a apuração do jornal e pediu que Daniela retornasse a ligação, o que não ocorreu até o fechamento deste texto.

A defesa de Cuenca, assumida pelo advogado Fernando Hideo Lacerda, sócio do escritório Serrano, Hideo e Medeiros Advogados, levanta a suspeita de que houve um movimento orquestrado contra o escritor.

“Analisando as petições, verificando os modelos, que foram feitos por advogados que não assinam, e a única advogada que aparece nos casos é um advogada da Universal, tudo isso torna mais robusta, fortalece a suspeita inicial óbvia de que é uma ação coordenada da Igreja Universal”, diz Lacerda.

Segundo o defensor do escritor, “houve claramente uma tentativa de dificultar a identificação da origem dessa organização maior que estaria guiando todos os movimentos. Isso nos faz concluir que não é só um atentado contra liberdade de expressão do João Paulo, isso assume contornos de um atentado contra o próprio sistema de Justiça”.

Já a Universal, além de negar ter atuado na eventual coordenação dos processos, afirma que “todos estão submetidos às normas constitucionais e às leis — até mesmo os escritores e os jornalistas, que não são detentores de uma liberdade de expressão absoluta que os coloque acima da honra e da dignidade dos demais brasileiros. Não existe direito adquirido para ofender, promover o ódio e espalhar o preconceito contra os cristãos”.

Segundo a instituição religiosa, os processos resultam de iniciativas individuais de pastores e “como vítima maior do preconceito religioso no Brasil, a Universal preza e defende todas as liberdades asseguradas pela Constituição Federal”.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.