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Sabatina de Kassio Nunes no Senado será de verdade ou um jogo jogado?

Indicado pelo presidente Jair Bolsonaro será ouvido pelos senadores na próxima quarta-feira (21)

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Marcos Lisboa

Economista, presidente do Insper e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005, governo Lula), é colunista da Folha

Diego Werneck Arguelhes

Doutor em direito pela Universidade Yale e professor associado do Insper

São Paulo

Nas próximas semanas, o Senado decidirá sobre a indicação de Kassio Nunes Marques para o Supremo Tribunal Federal. Segundo a imprensa, a aprovação vem sendo construída em reuniões fechadas entre o indicado, seus apoiadores, o Planalto e os senadores.

São notícias preocupantes. A decisão dos senadores, qualquer que seja, deve seguir certos procedimentos republicanos. Há maneiras certas e erradas de avaliar um nome para o STF.

O desembargador federal Kassio Nunes Marques
O desembargador federal Kassio Nunes Marques - TRF 1ª Região

O norte do procedimento é a transparência. A aprovação de embaixadores para missão no exterior se dá em sessão secreta, mas, para indicados ao STF, a Constituição exige “arguição pública”. Regra que serve à sociedade, não ao Senado.

Será a chance de ouvir o candidato, em espaço institucional, sobre aspectos do seu currículo que têm sido questionados. Há acusações de discrepâncias, e até de possível plágio, em um trabalho de mestrado, e ressalvas a alguns dos títulos elencados, que se chocam com a boa prática acadêmica.

Mas há muito mais em jogo. A sabatina não serve para emitir certificados de “notável saber” ou “reputação ilibada”, mas sim para produção de informação sobre o indicado –como chegou ali, que interesses o apoiam, que visões do direito promoverá.

Dois tipos de temas exigem discussão e respostas. Primeiro, cabe perguntar sobre o processo da indicação.

Quando Bolsonaro o indicou para o STF, Kassio Nunes estava em campanha para o STJ. Com quem se encontrou para obter apoio? Campanhas desse tipo se tornaram parte da disputa para cargos em tribunais superiores, mas juiz não é vereador que promete obras em troca de votos.

Em que medida os apoios à indicação de Kassio Nunes comprometem a sua imparcialidade sobre temas que, previsivelmente, o STF julgará?

A imprensa relata que Frederick Wassef teria cumprido papel importante em apresentar Kassio Nunes a Flávio Bolsonaro. Perguntar sobre a relação entre essa estranha figura, em cuja casa Fabrício Queiroz foi encontrado, e um futuro ministro do STF não é acusação ou ofensa. É questão apenas de entender o fio desse novelo.

Segundo, deve-se arguir Kassio Nunes sobre a pauta jurídica do dia —da qual a “Lava Jato” é parte importante, mas há outros temas também relevantes.É natural haver alguma convergência entre as visões do indicado ao STF e as do presidente que o indicou.

Bolsonaro disse que colocaria no STF pessoas para defender interesses dos conservadores. Destacou o catolicismo de Kassio Nunes e negou que ele seja “desarmamentista”. Desde 2019, o STF tem tomado decisões que contrariaram posições do presidente, incluindo conflitos envolvendo a federação e a Covid-19.

Kassio Nunes não pode antecipar voto sobre casos futuros, mas pode e deve avaliar decisões passadas do STF. Qual sua posição sobre casos como o da criminalização da homofobia ou dos poderes de estados e municípios no combate à pandemia?

E como avalia decisões já tomadas no STF quanto aos procedimentos da “Lava Jato”? Há, por fim, a dúvida sobre uma possível barganha em troca de sua nomeação.

Kassio Nunes tem sido indagado quanto à possibilidade de reeleição, na mesma legislatura, dos presidentes da Câmara e do Senado. É um caso em que a agenda de alguns políticos esbarra em proibição jurídica clara.

A Constituição afirma ser “vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição subsequente”. Há rumores de um acordo de ocasião. O novo ministro iria apoiar, no Supremo, a tese de que esse tema seria um problema interna corporis —uma questão a ser resolvida internamente pelo Senado.

Divergências sobre a interpretação das leis são parte da vida do Supremo. Mas, nesse caso, trata-se de proibição clara, deliberada e específica da Constituição.

A sabatina pública seria um excelente momento para Kassio Nunes explicar e reafirmar sua visão de um judiciário “contido”. Em um tribunal encarregado da “guarda da Constituição”, distorcer regras claras para favorecer um acordo pouco republicano pode ser tudo, menos “contido”.

Resta saber se os senadores cumprirão sua missão constitucional e fazer as perguntas difíceis, ou se já é tudo jogo jogado.

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