Um dia vitrine do SUS, Santo André tem disputa eleitoral por legado de Celso Daniel

Prefeito tucano destaca avanço na saúde, enquanto adversários apontam retrocessos e falta de diálogo

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Santo André (SP)

Tema central diante da pandemia do novo coronavírus, a saúde é destacada pelos candidatos que disputam a Prefeitura de Santo André, cidade de 721 mil habitantes no ABC Paulista que no passado já foi referência nacional por programas de atenção primária, mental e bucal.

Enquanto o prefeito e candidato à reeleição Paulo Serra (PSDB) destaca ter promovido uma transformação total nos equipamentos da rede pública, seus adversários na campanha criticam a qualidade do serviço e também elencam propostas para o setor.

O professor de saúde pública da Faculdade de Medicina do ABC, Hugo Macedo Junior, afirma que Santo André foi responsável por modelos que ajudaram a aprimorar o Sistema Único de Saúde. “Santo André era pioneiro. Fazia o que tinha que ser feito. O sistema de saúde era pleno no sentido de lutar por isso."

Os andreenses contam com uma rede de 663 equipamentos de saúde, dos quais 104 são públicos. A cidade soma 2.371 leitos, destes 53% da rede pública —que passou de 829 em dezembro de 2016 para 1.268 atualmente.

Esse cenário ajudou a lidar com a pandemia. Até domingo (18), a cidade registrava 623 mortos, com mais de 18 mil infectados desde abril, segundo dados do consórcio de veículos de imprensa, entre eles a Folha. O modelo estatístico também indica desacelaração do número de casos desde agosto e de mortes desde setembro no município.

A atenção básica cobre cerca de 52% da população do município. São 34 equipamentos, mas 65% dessas unidades estão em apenas um dos três distritos do município, na região conhecida como 1º subdistrito. Em Paranapiacaba, 3º subdistrito, são apenas duas unidades.

Na atenção primária, o município também conta com o programa Estratégia Saúde da Família, que tem 52 equipes que atendem 185,597 mil cadastrados. Com 208 agentes, o número de profissionais fica abaixo do estabelecido pela Política Nacional de Atenção básica, de no máximo de 750 pessoas por agente. Em Santo André, são 892 atendimentos por agente.​

Uma promessa de Paulo Serra era ampliar a cobertura para 85% da população. Ela não foi cumprida, porém, e ao longo da gestão ela passou de 24% para 25%.

O programa foi implantado na segunda gestão do prefeito petista Celso Daniel, responsável pela chegada do SUS à cidade. Assassinado em 2002, seu legado é hoje disputado pelos candidatos do campo da esquerda que disputam a prefeitura, entre eles seu irmão mais novo e estreante no pleito pelo PSOL, Bruno Daniel, 67.

Além da ampliação, o candidato propõe a criação de pequenos consultórios nos bairros para servir como estrutura de atendimento.

A candidata do PT, Bete Siraque, 50, promete construir novas UPAs (Unidades de Pronto Atendimento) e defende que o legado de Celso na saúde e em outras áreas é do partido, que governou o município por cinco vezes. Ela destaca a criação do Hospital da Mulher, uma obra da gestão de João Avamileno, 76, candidato pelo Solidariedade.

Vice de Celso Daniel, Avamileno assumiu a prefeitura após o assassinato do petista. Foi reeleito, mas não fez sucessor e decidiu deixar o PT, do qual era um quadro histórico, para voltar à disputa pela prefeitura.

Na saúde, Avamileno diz ter feito reformas e também ampliado o saúde da família. Agora quer humanizar o atendimento, ampliando o número de médicos. Ele considera que a fragmentação da esquerda na cidade pode favorecer a reeleição do prefeito Serra, que tem ao seu lado outros dez partidos, como PSL e MDB.

Na saúde, o tucano diz ter feito uma “transformação total”, resultado do que ele chama de novo modelo de gestão. “Quando assumimos tinha unidade de saúde fechada porque tinha pulga no telhado e tinha sido lacrada pela vigilância do município”, diz o prefeito.

Foram entregues 22 equipamentos na saúde, dos quais seis foram feitos pela atual gestão, sete foram revitalizados e ampliados e seis foram reformados, segundo a prefeitura.

Nesses locais, além da pintura, o prontuário eletrônico foi adotado, assim como brinquedotecas nas pediatrias. A administração também destaca a retomada e finalização de outras três obras de gestões passadas: a casa da gestante, um centro de reabilitação para pessoas com deficiência e a Clínica da Família do Jardim Cipestre.

A gestão tucana é criticada, porém, pela falta de diálogo com a população sobre obras e projetos. Um exemplo disso foi o fechamento de uma só vez de sete unidades de saúde para reforma em 2017, primeiro ano do prefeito.

“A grande dificuldade foi fechar sem nenhum debate, inclusive rompendo contratos de funcionários. Tivemos quase 450 trabalhadores demitidos”, diz o presidente do Conselho de Saúde da Cidade, Rodrigo Rodrigues Costa, 30, agente comunitário de saúde e conselheiro à época.

Ele reconhece que houve melhorias, mas reclama que a falta de comunicação pela prefeitura faz com que “coisas boas se tornem ruins”.

Vista aérea de uma construção inacabada, com as paredes de de concreto erguidas numa área cercada
Na imagem de drone a obra inacabada da US (Unidade de Saúde) Alzira Franco - Bruno Santos - 14.Out.2020/ Folhapress

O prefeito diz que houve um “grande susto” diante da mudança, mas que o atendimento continuou em outras unidades e que a distribuição geográfica dos equipamentos permitiu o fechamento simultâneo.

“Houve no início uma certa falta de compreensão sobre aquilo que estávamos fazendo, mas isso foi corrigido e hoje a cidade respira novos ares também na saúde pública”, diz

Na Policlínica da Vila Humaitá, uma das unidades reformadas, localizada num bairro de classe média, os usuários elogiam as mudanças.

“A reforma foi uma benção. Agora tem médico, respeito. Aqui era um descaso”, diz o padeiro e confeiteiro Sergio da Silva, 51, que conta não ter votado em Serra em 2016, mas que dessa vez o fará.

Nas periferias, a avaliação do tucano muda. No Jardim Alzira, uma unidade de saúde iniciada em 2011, na gestão de Aidan Ravin (PTB) e ainda não finalizada, é motivo de queixa. Com as paredes erguidas e pichadas, o local está cercado e tem uma placa que prevê o término da obra para fevereiro.

Segundo a prefeitura, as obras foram retomadas em setembro de 2019, mas moradores disseram à Folha que apenas em setembro voltaram a ver funcionários trabalhando ali.

Na imagem feita de drone, na altura aproximada de 65 metros, a US (Unidade de Saúde) Vila Guiomar
Na imagem feita de drone, na altura aproximada de 65 metros, a US (Unidade de Saúde) Vila Guiomar - Bruno Santos - 14.out.2020/ Folhapress

Na favela Tamarutaca, urbanizada na segunda gestão de Celso Daniel, enquanto o antigo prefeito é lembrado com carinho pelas moradoras, que falam do político trabalhando na comunidade e tomando café nas casas, o atual é criticado pelo projeto enviado à Câmara para mudar a US Vila Guiomar.

A unidade construída pelo Programa Metropolitano de Saúde tem dois andares e um amplo estacionamento, num terreno de 3.250 metros quadrados. São 54 funcionários e cerca de 6.300 atendimentos e procedimentos mensalmente de moradores de sete bairros.

A proposta enviada pelo executivo prevê a construção de uma nova unidade pela iniciativa privada um terreno de 968 metros quadrados, localizado a poucos minutos dali, numa esquina movimentada.

Vista aérea de um terreno vazio numa esquina
Na imagem feita de drone, na altura aproximada de 65 metros, o terreno onde a prefeitura quer construir a nova US (Unidade de Saúde) Vila Guiomar - Bruno Santos - 14.Out.2020/ Folhapress

A diferença do valor da troca seria usada para revitalizar uma praça e reformar a antiga base da Defesa Civil, onde seria instalado um Núcleo de Inovação Social.

Moradores contam que souberam da mudança pelo jornal e se mobilizaram para impedir a troca. No início de outubro, uma decisão liminar da 1º Vara da Fazenda Pública barrou o projeto, aprovado em primeiro turno na Câmara local.

Na decisão, o juiz apontou que a lei exige licitação na modalidade de concorrência para realização de permutas e que o parecer jurídico do legislativo apontou a ilegalidade e inconstitucionalidade do projeto.

Nas vielas da Tamarutaca há cartazes alertando sobre a proposta.

“Sempre gostei do posto, mas a atual gestão não tenho gostado porque tem falta de muita coisa, de médico e medicamento. É um lugar que precisaria de mais assistência, não mudar de lugar. Uma reforma talvez”, diz a dona de casa Tainá Santos, 25, que hoje leva os filhos pequenos na unidade que frequenta desde criança.

Uma mulher segurando uma criança pequena e com outras duas ao lado em frente a um sobrado humilde numa viela onde a água escorre
Em frente à casa onde mora na comunidade Tamarutaca, Taina Santos (25), seus filhos Ícaro (1) e Laura (5), e seu irmão Davi Lucca (4), todos usuários da US Vila Guiomar - Bruno Santos - 14.Out.2020/Folhapress

A agente comunitária de saúde Sheila Fiorotti, 35, conselheira da unidade, diz que o equipamento é referência no país.

“Nós temos pertencimento ao que é nosso. Foi pensando o lugar onde foi construído e para quem. Aqui dentro da Tamarutaca são mais de 8 mil pessoas”, diz, acrescentando que a comunidade é a principal demanda da unidade.

A prefeitura diz não ter sido notificada sobre a decisão judicial e que será “a população da Vila Guiomar é quem vai escolher, de maneira transparente e democrática, se quer que a Prefeitura reforme a Unidade de Saúde existente ou construa uma unidade completamente nova na mesma região”.

Hugo Macedo defende a retomada da assistência primária à saúde e a ampliação do programa Saúde da Família, que na gestão tucana teve a cobertura praticamente inalterada.

“Acho que retrocedeu, no que chamamos de desqualificação. Outros governos já vinham num enxugamento, que é um retrocesso para a cidade”, afirma sobre o programa, uma iniciativa que candidatos de esquerda prometem priorizar.

Sheila reclama da falta de um médico na equipe de Estratégia Agente Comunitário de Saúde (EACS), na qual atua, apesar da promessa de ampliação no início da gestão.

A prefeitura informa que a unidade é a única que ainda tem uma equipe do programa e que a intenção é transformá-a em Estratégia Saúde da família, com a contratação de um médico generalista, quatro agentes e uma técnica de enfermagem.

A gestão tucana também ficou marcada pela transferência do serviço de saneamento da cidade para a Sabesp, no final de 2019. O contrato de concessão de 40 anos tirou da prefeitura uma dívida de R$ 3,4 bilhões. Segundo a empresa, o tratamento de esgoto era de 42% e atualmente já chega a 62%.

Serra destaca a mudança como uma salvação tanto para o Semasa (Serviço Municipal de Saneamento Ambiental de Santo André), autarquia que cuidava do serviço e hoje faz a gestão compartilhada das políticas ambientais. Siraque diz que se eleita pretende analisar juridicamente a possibilidade de retomada do serviço de saneamento pela cidade.

Avamileno e Bruno prometem pressionar e fiscalizar a Sabesp para o cumprimento dos serviços que estão no contrato, além de investir em reflorestamento e políticas de destinação de resíduos sólidos.

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