Uso de R$ 369 mil do fundo partidário no interior de SP é mistério para investigadores

Dinheiro repassado a Santa Cruz do Rio Pardo, cidade de 48 mil habitantes, foi integralmente sacado, segundo a Justiça Eleitoral

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São Paulo

O envio de R$ 369 mil do fundo público partidário pela direção do Podemos para a instalação de uma comissão provisória em uma cidade de 48 mil habitantes virou alvo de controvérsias e levantou suspeitas do Ministério Público Eleitoral sobre o destino final desses recursos.

O valor é maior que o distribuído pelo partido no ano passado a diretórios estaduais —como os de Paraná, Rio Grande do Sul e Ceará— e a municípios como São Luís, capital do Maranhão, com mais de 1 milhão de habitantes.

O repasse foi feito em quatro parcelas durante o ano de 2019 para o órgão partidário que seria criado em Santa Cruz do Rio Pardo (SP), sob responsabilidade do empresário de terraplanagem Juraci Barbosa, 65, que atualmente não consta na lista do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) como filiado ao partido no estado.

Como local da comissão partidária, foi apresentado um endereço onde funciona uma clínica de podologia.

A situação levantou desconfianças de técnicos da Justiça Eleitoral em 2020, porque o partido em Santa Cruz declarou que não tinham sido feitas movimentações na conta da comissão provisória em 2019. A partir disso, se iniciou uma apuração que pode virar inquérito policial.

O Podemos é o antigo PTN (Partido Trabalhista Nacional) que se remodelou com forte discurso pró-Lava Jato sob a presidência da deputada Renata Abreu (SP). O partido diz que abriu apuração interna sobre o episódio de Santa Cruz do Rio Pardo.

Santa Cruz do Rio Pardo (SP), município de 48 mil habitantes que investiga repasse do fundo partidário do Podemos
Santa Cruz do Rio Pardo (SP), município de 48 mil habitantes que investiga repasse do fundo partidário do Podemos - Divulgação/Prefeitura de Santa Cruz do Rio Pardo

As suspeitas vieram à tona quando a cúpula do Podemos em Santa Cruz foi trocada, no começo do ano. O empresário Juraci deixou a presidência e, em seu lugar, assumiu um grupo ligado ao vereador Murilo Sala, que antes era filiado ao Solidariedade. Sala é candidato a prefeito e concorre contra Severo (Republicanos) e Diego da Saúde (PSD).

Já sob o comando de Sala, ao prestar informações à Justiça Eleitoral sobre as contas do partido em 2019, o Podemos de Santa Cruz do Rio Pardo disse que não houve movimentação financeira.

Isso fez "o sistema da Justiça Eleitoral apitar", diz o promotor de Justiça Eleitoral Reginaldo Garcia, que atua na cidade.

Uma análise técnica do cartório eleitoral constatou que, além de ter havido o repasse dos R$ 369 mil, os valores "foram integralmente sacados" por, principalmente, três pessoas —uma delas é Fátima de Jesus Chaves, que trabalhou para a direção nacional do Podemos.

A movimentação bancária da conta do partido mostra transferências para conta em nome de Fátima.

Ao ser questionada sobre o resultado dessa análise, a direção atual do Podemos no município disse ao juiz que não sabia do recebimento e uso desses valores do fundo partidário por parte da direção anterior.

Também afirmou que não houve "má-fé ou intento de descumprimento de obrigação fixada por lei" quando informou que não houve movimentações e cobrou a direção nacional do partido por explicações.

O Ministério Público Eleitoral, por sua vez, pediu ao juiz a desaprovação das contas da legenda, sob a possibilidade de instalação de um inquérito policial para apurar eventuais suspeitas das práticas dos crimes de apresentação de documentação falsa e de apropriação indébita do fundo partidário.

Essa investigação ainda não foi aberta, porque não há decisão judicial a respeito das contas.

Juraci voltou a aparecer à Justiça Eleitoral no dia 20 de setembro, quando apresentou uma série de notas fiscais que apontam a prestação de serviços como contabilidade, produção de material gráfico e palestras.

O Ministério Público diz que o material, que agora irá para nova análise técnica, não está regular. Além disso, quer apuração para identificar se há lisura nos pagamentos, por parte de quem realizou e de quem recebeu.

"A assessoria da Justiça Eleitoral vai verificar a prestação de contas, na qual há inúmeras irregularidades: em datas de fornecimento de nota fiscal, na ausência de recibos e até no tipo de serviço prestado —inicialmente alegaram um tipo de serviço, depois juntaram provas de um outro tipo de serviço", diz o promotor Garcia.

Segundo ele, essas provas "não encontram substrato material". "[Por exemplo, reproduzem] um banner que teria sido feito ou um painel que teria sido posto na cidade. Mas não há elementos da existência de uma prova material, só uma arte gráfica."

Além disso, diz, as notas fiscais são dúbias e não especificam o que foi produzido. "Um exemplo: 100 horas de palestras. Palestra de quê? Eu fico horrorizado com isso. Palestra você justifica qualquer coisa. Tem que haver uma investigação criminal para ver se há substrato material para isso."

Ele afirma que dependerá do inquérito policial para apontar se esse dinheiro foi ou não usado nos serviços que são mencionados na prestação de contas da legenda. Por enquanto, a Justiça Eleitoral analisará se as contas estão ou não regulares.

Mais do que rejeitar, a Justiça pode até declarar as contas como não prestadas, o que poderia levar à inviabilidade do diretório municipal do Podemos em Santa Cruz do Rio Pardo.

Procurado, o candidato a prefeito Maurício Sala afirma que não tem responsabilidade sobre os recursos e é a presidência anterior da comissão provisória quem tem que dar explicação sobre o dinheiro. “Eu assumi o partido esse ano e não sei o que aconteceu. O próprio partido, pelo que eu estou sabendo, está apurando esse caso”, afirmou.

“A partir do momento que a gente assumiu não teve nenhuma movimentação, nem um saque e eu não tenho nem acesso à conta do partido.”

Além do candidato a prefeito, o Podemos lançará 17 candidatos a vereadores na cidade.

Juraci Barbosa foi contatado por telefone, mas desligou após a reportagem se identificar. Depois, por mensagem, pediu que as dúvidas fossem enviadas por meio de texto.

Segundo ele, nunca houve valores sacados da conta do partido no período em que foi presidente e que "alguém cometeu um erro de registro" em relação ao endereço.

"Sobre os recursos recebidos ao longo do período, havia um projeto político na cidade, e que depois seria expandido pra toda a região", disse. Ele diz que nunca teve relação com o atual candidato a prefeito e nem sequer tiveram contatos.

Também afirma que suas contas "ainda estão sendo prestadas e em breve estarão regularizadas".

Questionado, o Podemos nacional afirmou por meio de nota que a diferença de valores entre estados no Brasil na distribuição do fundo se relaciona à proporcionalidade dos votos.

Segundo a legenda, Fátima Chaves prestou serviço de contabilidade ao partido e a outros clientes e não possui mais relação com o Podemos desde dezembro de 2019, quando seu contrato não foi renovado.

Sobre a análise que aponta saque do dinheiro e sobre o endereço de registro da comissão de 2019, o partido afirma que "são questões partidárias da municipal, sem relação com a nacional".

A reportagem não conseguiu localizar Fátima Chaves. Ao jornal O Debate, de Santa Cruz, ela disse que não havia irregularidades e que tudo seria explicado à Justiça.​

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