Apoiadores de Covas apontam radicalismo de Boulos, e psolistas veem elitismo em tucano

Em conversa promovida pela Folha, eleitores elogiaram civilidade da disputa eleitoral em São Paulo

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São Paulo

O mestre de obras de São Miguel Paulista Edson Aparecido Leitão, 53, votou no primeiro turno para reeleger Bruno Covas (PSDB) prefeito de São Paulo. Mas mudou de ideia e, neste domingo (29), vai às urnas apoiar Guilherme Boulos (PSOL).

“Mudei meu voto, porque o Boulos mora na periferia, então deve conhecer os problemas mais de perto. Nós aqui somos carentes de muita coisa. Quem só visita não conhece de modo profundo”, afirmou.

Já para a dona de casa Elke Ramos, 40, que também vive no bairro da zona leste, é Covas quem olha para a região. “Saúde é prioridade e ele inaugurou três UPAs aqui. Quem não tem convênio sabe da necessidade de um bom hospital”, disse.

Ambos participaram de uma conversa com a Folha por videochamada na última quarta-feira (25) que reuniu seis eleitores da capital: dois que pretendem votar em Covas, dois que vão de Boulos e dois que devem anular.

Eles replicaram a disputa acirrada no segundo turno, com trocas de farpas quando se apontou radicalismo de Boulos e elitismo de Covas.

O empresário Thiago Miranda, 27, não tem dúvidas. Para ele, Covas é mais preparado e vai investir em privatizações, o que vê como positivo.

“O Boulos quer só entregar valores para a classe um pouco mais vulnerável, como se fosse um Bolsa Família. Mas o Covas quer qualificar as pessoas com ensino técnico. Dar o peixe e ensinar a pescar”, disse.

Ele reclamou da falta de caixas de papelão para a sua fábrica de embalagens de festa em Guarulhos. Segundo o empresário, os coletores de material reciclável não têm trabalhado por estarem recebendo o auxílio emergencial.

O comentário foi rebatido no ato pelo auxiliar administrativo Rogerio dos Santos, 48, eleitor de Boulos. “É engraçado que o empresário [Thiago] disse que quem está pegando auxílio emergencial é vagabundo”, disse o morador de Pirituba e atualmente desempregado.

“Vou dar exemplo do que aconteceu comigo. Fiquei sem renda e trabalhei dois meses num restaurante para ganhar R$ 1.500, de domingo a domingo”, seguiu ele, culpando as gestões tucanas por implementar “essa coisa da meritocracia”.

“O governo do PSDB só pensa em terceirizar e privatizar. Eu sou pobre, dependo do Estado. Se o Estado não chegar até mim eu estou ferrado”, afirmou Rogerio.

Thiago se defendeu. “Em nenhum momento eu falei que era vagabundo quem recebeu auxílio. Realmente, foi muito importante. Esse dinheiro fez a economia girar, as empresas contratarem mais”.

Uma das beneficiárias do auxílio foi a professora desempregada Cristiane Dias, 39, que mora na Brasilândia.

“Eu estava recebendo, durante quatro meses, mas tiraram, não sei o motivo. Esse negócio ajuda muita gente. Tem muitos aqui passando fome”, conta ela, que apertou 13 no primeiro turno, mas agora quer votar nulo.

Outro que vai às urnas para anular o voto é o investigador de polícia aposentado Alberto Sabino de Oliveira, 73.

“Sou da segurança pública e o governador [João Doria] assinou um projeto aumentando o desconto para aposentados. Se eu votar no Covas, estou consequentemente reforçando o governador, que é arbitrário com o funcionário público”, explicou o cearense, que veio para a capital paulista aos 6 anos.

Já Boulos está fora de cogitação porque “tem apoio do Lula. Se ganhar, o Lula se aproxima da campanha. Não quero que ele volte para a política”, disse o morador do Imirim (zona norte), que chegou a se candidatar a vereador neste ano, pelo PRTB, mas teve apenas 167 votos.

Ele não se classifica nem como de direita, nem como de esquerda. “Eu sou o dia a dia. Quero ver as coisas acontecerem. Hoje há uma inversão de valores. Falar em Deus, pátria e família, como eu fiz na campanha, tira voto. A democracia virou baderna.”

Outro ponto que divide os eleitores são as decisões para frear a pandemia.

Há quem considere a administração da crise ótima, como Edson. “Foi uma coisa emergencial, corrida. Na questão de preparo, o Covas tem mais. Mas a pandemia vai deixar muitos estragos nas empresas. O Boulos eu acho que vai ter mais condição de ajudar a periferia”, disse.

Elke, embora vote no prefeito, diz que as regras deveriam ter sido mais rígidas. “Deveria ter sido mais forte nas atitudes, com mais punho, porque as pessoas não respeitam. Todo final de semana teve barzinho aberto, pancadão, na periferia, Se fosse mais rigoroso, com 15 dias o vírus tinha sumido”, diz.

Já para Thiago, algumas imposições da quarentena foram “um pouco forçadas”, mas a condução em geral foi feita “de forma moderada”.

Ele perdeu um irmão para a doença, que morreu no hospital de campanha do M'Boi Mirim, administrado em parceria com o Albert Einstein. “Mas todo tratamento foi muito transparente, tentaram de todas as formas. Por isso eu defendo a administração privada para tentar fazer uma melhor gestão”, disse.

Rogerio, ao contrário, sentiu falta de mais investimento no SUS. “O Boulos já disse que vai contratar médicos por concurso público. O setor público é muito massacrado pelo PSDB”.

Ele rejeita a pecha de radicalismo que a campanha de Covas tenta colar em Boulos. “Querer a melhoria do próximo não é radicalismo. Querer que as pessoas tenham emprego, tenham casa, não é radicalismo”, diz Rogerio.

Também não critica atos do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), ligado a Boulos. “O pessoal de direita também fazia protesto, isso faz parte do jogo político.”

Ao contrário de Thiago, para quem “o governante tem de dar o exemplo”. “Quando você vê o seu gestor, o seu governante quebrando prédio, como [Boulos] fez na Fiesp, ou invadindo alguns imóveis, isso não é legal.”

Alberto vai na mesma toada. “O povo tem que ir para a rua pedir casa. Mas não como faz o Boulos. Reivindicar é correto, fazer ocupação não.”

Mas é que tem coisa “que fica uma indignação na garganta”, defende Edson. “Você não ter emprego, baterem no camelô porque ele está trabalhando. Eu vivia nessa vida [quando era camelô]. Brigava para poder trabalhar. Ser radical é lutar pelos direitos mínimos”, diz.

Os eleitores de Boulos e Covas disseram estar satisfeitos com os vices escolhidos por seus candidatos. Para Edson, Luiza Erundina fez uma boa gestão na prefeitura (1989-93). “Ajudou a classe pobre e miserável. Deu muita casa para muita gente”.

Nessa época, concorda Rogerio, “você ia no hospital e tinha remédio, a condução não era como é hoje. Voto no Boulos principalmente porque a Erundina é vice", diz.

Edson teme que Covas deixe a cidade nas mãos de Ricardo Nunes, seu vice. “Se dá um problema, se [Covas] sai para ser presidente, como vai ser? E se amanhã ele [Nunes] estiver preso? A Lava Jato está aí, investigando”, diz sobre suspeitas de participação do vice em desvio de verbas de creches.

Thiago defende Nunes. “Vejo que ele trabalhou muito na parte de gestão fiscal [como vereador], de fraudes tributárias. [As acusações] não me incomodam a princípio. Na época de eleição jogam coisas. Tem que provar o que foi, o que não foi.”

Os eleitores também apontaram o que consideram o pior problema hoje na cidade.

Na visão de Rogerio, é o desemprego. “Aqui em Pirituba, a maioria das pessoas da minha rua está desempregada, ou com medo de perder o emprego.”

Cristiane concorda. “Tô desempregada. Eu era babá, trabalhei em casa de família, mercado, fiz pedagogia, porque gosto de criança e achei que não ia ter desemprego. Mas teve. Eu começaria a trabalhar em fevereiro, mas me dispensaram [por causa da pandemia].”

Já Thiago acha que falta mais atenção para a saúde e investimento em qualificação técnica. “[As pessoas têm uma] visão que todo empresário é milionário, rico, mas não é. Vejo que o caminho para gerar mais empregos é criando novos empreendedores.”

Educação e saúde também são apontados por Elke, que reclamou ainda das constantes enchentes.

Para Edson, são “as drogas que ganham de 10 a zero. Não sei como um prefeito pode ajudar, mas as drogas estão acabando com os nossos jovens”.

O grupo concorda que este ano os eleitores estão mais desinteressados e dizem que o embate está mais civilizado.

“O pessoal está bem desligado, cansado da política, né? Não gosto de candidato que ataca outros com fake news, mentiras”, diz Elke, que faz questão de assistir aos debates.

Diferente de Cristiane, que quando fala em religião e política, desliga a TV. “Não acredito em nada. Por isso, não vejo”, diz ela.

Rogerio não engole a propaganda de Covas. “É muito cínica, né? Tem uma cena em que ele diz que mora numa casa alugada. Aí não dá. É querer passar uma simplicidade que não existe. Ele é neto do [ex-governador] Mario Covas e não tem casa para morar?”

Ainda assim, acha que o debate está melhor. “Depois do Bolsonaro, não tem comparação. Tudo é mais civilizado.”

OS PARTICIPANTES

Thiago Miranda, 27, empresário, mora em São Miguel Paulista, vota em Covas

Cristiane Dias, 39, educadora desempregada, mora na Brasilândia, vota nulo

Edson Aparecido Leitão, 53, mestre de obras, mora em São Miguel Paulista, vota em Boulos

Rogério dos Santos, 48, auxiliar administrativo, mora em Pirituba, vota em Boulos

Elke Ramos, 40, dona de casa, mora em São Miguel Paulista, vota em Covas

Alberto Sabino de Oliveira, 73, investigador de polícia aposentado, mora no Imirim, vota nulo ​

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