Após cena de shopping, Blumenau vive campanha pautada por retomada econômica sem Oktoberfest

Candidatos da cidade em SC que deu 83% dos votos a Bolsonaro em 2018 evitam criticar presidente

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Parque Vila Germânica, em Blumenau

Parque Vila Germânica, em Blumenau Heuler Andrey/DiaEsportivo/Folhapress

Blumenau (SC)

Um episódio ocorrido em abril em um shopping de Blumenau (SC) cristalizou a dicotomia entre proteção de empregos e proteção de vidas que marcou o ambiente político brasileiro na pandemia, chegando até a campanha eleitoral na terceira maior cidade de Santa Catarina.

Na ocasião, ao reabrir após 34 dias fechado no início da quarentena, o Shopping Neumarkt organizou recepção de clientes com aplausos de lojistas, tapete vermelho e ao som de saxofone, rendendo imagens que viralizaram nas redes sociais.

Dias após a reabertura, Blumenau teve aumento de 173% em casos do novo coronavírus. Prefeito e candidato à reeleição, Mário Hildebrandt (Podemos) nega reflexo direto da cena, ponderando que o impacto ocorreu depois de mais de 20 dias e não 15, período de incubação do vírus. “Não tinha nada a ver com o shopping. Tinha a ver, talvez, com o comportamento.”

Apesar de admitir que houve um “impacto negativo” do episódio sobre o município, o prefeito lembra que era o governo estadual, então comandado por Carlos Moisés (PSL) —hoje afastado—, que controlava a abertura e fechamento de comércios em Santa Catarina.

Não faltam críticas de candidatos à Prefeitura de Blumenau para Moisés, mas elas são escassas —e arriscadas— em relação ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido). No segundo turno da eleição presidencial de 2018, o então candidato do PSL recebeu 83% dos votos da cidade.

Agora, os três favoritos entre os 12 que disputam a prefeitura , incluindo o prefeito, são aliados do presidente. Procurados pela Folha, João Paulo Kleinübing (DEM) e Ricardo Alba (PSL) não retornaram os contatos.

Para Ana Paula Lima (PT), uma das poucas vozes opositoras a Bolsonaro na corrida municipal, apesar das decisões do estado, a prefeitura pecou em testagem e fiscalização.

“As pessoas vão relaxando [na prevenção] e, se a prefeitura não lidera esse processo, anunciando as regras e fiscalizando os locais, ocorre o aumento de casos, como temos observado agora”, diz.

A candidata se refere ao novo crescimento da pandemia na cidade, que tem população estimada de 361 mil habitantes. No começo de outubro, eram cerca de 400 pessoas com o vírus ativo. No último dia 30, já eram 955. O quadro atual fez o prefeito voltar atrás na retomada das aulas presenciais para a rede pública. Já o comércio, segunda principal atividade econômica da cidade, permanece aberto.

“Entendo que a abertura do comércio é essencial, mas temos que manter o equilíbrio. A briga do Bolsonaro se restringiu mais a uma briga política com os governadores, que acabou respingando para prefeitos do Brasil inteiro”, afirma Ana Paula.

Hildebrandt diz que sempre se pautou “na saúde” para tomar as decisões, citando que, em julho, baixou um decreto para fechar a cidade por uma semana diante da ocupação de 98% das UTIs, mas ele evita criticar opiniões do presidente.

Blumenau soma 15.457 casos e 159 mortos pela Covid-19. Considerando apenas cidades com mais de 10 mil habitantes, está em 48º lugar em óbitos por 100 mil no estado.

O Shopping Neumarkt chegou a ser acionado pela Defensoria Pública, que afirma acompanhar o caso e diz que, hoje, as regras são cumpridas. O centro comercial doou quatro respiradores para a cidade e enfrenta ainda um pedido de indenização por danos sociais, pendente de julgamento.

“Um vídeo de 15 segundos não retratou nossas oito horas de operação nem tudo que estava sendo feito para garantir a segurança e tranquilidade de todos. Foi clamor público, tomou um espaço grande, mas estamos tranquilos de que aquilo não foi o que foi retratado”, afirma Rafael Fielder, diretor de marketing do Grupo Almeida Junior, que comanda o shopping.

A repercussão, segundo o diretor, não refletiu em perda de clientes, já que o estabelecimento tem localização privilegiada no centro da cidade, próximo de diversas faculdades —um dos ramos em crescimento em Blumenau. O movimento ainda não atingiu os patamares pré-pandemia, mas, para Fielder, reflete mais o momento do que uma crise de imagem.

Mais do que o episódio em si, a retomada da economia é um dos principais temas de campanha em Blumenau.

A prefeitura liberou R$ 2 milhões em créditos de até R$ 10 mil para empresas, e Hildebrandt comemora o saldo positivo de empregos entre junho e agosto. O acréscimo, no entanto, representou apenas 21% das vagas perdidas nos três meses anteriores.

O empréstimo não foi alternativa para Giorgio Sinestri, sócio da Cafeteria Especial, que já havia contraído outras dívidas e teve medo de comprometer ainda mais o caixa. Resultado: dos quatro funcionários, todos com síndrome de Down, apenas um continua na empresa.

Mesmo com o impacto sobre o negócio, Sinestri avalia que houve “acovardamento” das autoridades nas medidas para conter a pandemia. “Se ouviu muito o lado que não tem conhecimento, como do comerciante e do empresário. Não podemos esconder que Blumenau é uma cidade bolsonarista e o discurso dele [Bolsonaro] sobre a doença teve eco na cidade."

A dificuldade de retomada se reflete também no turismo. Cidade com forte ascendência alemã, Blumenau é palco da segunda maior Oktoberfest do mundo, atrás apenas de Munique, na Alemanha.

Pela primeira vez desde sua criação, em 1984, o evento não será presencial por conta da pandemia. Com algumas atividades online, a prefeitura retomou a ideia da primeira festa: decorou bares, restaurantes e ruas com faixas em que se lê a frase "Tradição em superar desafios".

A Oktober foi a saída encontrada pela cidade para se reerguer depois de enchentes em 1983 e 1984 que deixaram oito mortos, 30% da população desabrigada e prejuízos estimados em R$ 1 bilhão na região.

Em 2019, a festa gerou lucro de R$ 5 milhões, dinheiro reinvestido pela prefeitura em outros eventos, como a Magia de Natal e a Páscoa em estilo alemão. Em toda a cadeia turística, que engloba 60 segmentos, a Oktoberfest injeta cerca de R$ 240 milhões e gera 6.000 empregos diretos e indiretos. Também houve queda de receita de aproximadamente R$ 1,5 milhão com retorno de ICMS e ISS.

O restaurante Senac Blumengarten, um dos parceiros do evento, deixou de contratar cerca de 100 temporários e doou aos funcionários alimentos que iriam se perder com o fechamento por 45 dias. “Mas, a gente não parou. Mantivemos a equipe funcionando porque não podemos espalhar uma energia negativa ou viver com medo”, diz o chef alemão Heiko Grabolle.

Para ele, o conflito entre saúde e economia, visto no Brasil, não foi muito diferente do enfrentado pelo governo alemão. “Lá, eles só gritam e brigam menos, mas as incertezas foram as mesmas. Aqui, não precisa citar o Bolsonaro porque a nível municipal já estão brigando. O Brasil não gastou dois meses discutindo se deveria fechar ou não, fechou e pronto."

Para Ulysses Kreutzfeld, sócio de um bar dentro da Vila Germânica, onde ocorre a Oktoberfest, o cancelamento representou queda de 20% no seu faturamento anual. Normalmente, ele monta uma “operação de guerra” para o evento, com o triplo dos atuais 18 funcionários.

Kreutzfeld acredita que a política do município durante a crise foi assertiva, mas concorda que empresa que “não teve gordura para queimar” nos piores momentos não deve sobreviver. “Não é a Covid que mudou a humanidade. A gente corre mais risco, mas não podemos entrar numa paranoia de que o risco é maior do que nossa vontade, fé e determinação."

A candidata do PT à prefeitura critica a ação da festa voltada apenas a estabelecimentos. Ela cita, por exemplo, os quase 900 músicos de Blumenau que ficaram sem trabalhar. “Não estou falando de aglomeração, mas a cidade perdeu a oportunidade de ter se preparado, colocado uma banda na rua, brinquedos pela cidade, um clima que levantasse a autoestima”, afirma Ana Paula.

Já o secretário de Turismo e presidente da Vila Germânica, Marcelo Greuel, defende a decisão e a retomada do evento apenas após uma cura para a Covid-19. “O sentimento de perda é enorme. A festa é tão importante que a celebramos com a decoração, mas não a comemoramos. Em 2021, vamos fazer a maior Oktoberfest de toda a nossa história, se tivermos a cura do vírus.”

Agora novamente vazios, os pavilhões da Oktober, que normalmente receberiam em média quase 600 mil pessoas em 19 dias, abrigaram por meses estruturas para triagem de casos suspeitos da Covid-19. Foi para lá que a dona de casa Carolina da Silva, 31, levou a mãe, Leocádia, 59, para fazer o teste em duas ocasiões, em abril e em agosto. Em ambos, o resultado foi positivo.

A conta do conflito entre comércio e vidas saiu cara para a família. A esperança de imunidade da primeira infecção levou Leocádia a descuidar da prevenção quando filho e nora foram contaminados quatro meses depois. Diabética, ela ficou 24 dias na UTI e morreu pela doença.

Carolina não reclama do tratamento que recebeu no sistema público de saúde de Blumenau, mas, chorando, se lembra das poucas ocasiões em que pôde estar com a mãe no final da vida. Ela pouco tem saído de casa e critica a quarentena mais branda seguida pelos moradores.

“Posso contar nos dedos quantas vezes fui ao mercado desde março. É uma opção nossa e, infelizmente, nem todo mundo pensa assim. Nas vezes que fui, encontrei famílias com cinco pessoas, o que não é legal, pra não dizer que é um absurdo."

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