Descrição de chapéu Eleições 2020

Após liderar invasões, Boulos atrai jovens e tenta afastar fama de radical e inexperiente em SP

Líder sem-teto amansou discurso e trocou vermelho por roxo, mas patina para dialogar com as camadas mais pobres

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São Paulo

Quem dissesse há seis anos que o líder sem-teto que comandava milhares pelas ruas da cidade bloqueando avenidas e fazendo barricadas contra a Copa do Mundo seria um candidato com chances reais de ir para o segundo turno em uma eleição em São Paulo provavelmente seria desacreditado.

Guilherme Boulos (PSOL), líder do maior movimento de moradia do país que já foi detido por vandalismo, coordenou invasões de terrenos e conseguiu forçar negociações com presidente e prefeito, moderou o discurso para abandonar a fama de radical, mirou a campanha na internet, conquistou o apoio de petistas históricos e virou o preferido entre os mais jovens e os mais escolarizados.

Agora, empatado com Celso Russomanno (Republicanos) e Márcio França (PSB) na disputa por uma vaga no segundo turno, o candidato precisa conseguir dialogar com as camadas mais pobres se quiser ser eleito prefeito de São Paulo.

Se vencer, terá como pedras no sapato sua inexperiência em cargos públicos e precisará negociar com o movimento social que hoje coordena.

Filho de médicos conhecidos na cidade, Boulos trocou na adolescência o Colégio Equipe, tradicional escola particular paulistana, por uma pública. Chegou a morar em ocupações da cidade depois que entrou em movimento de moradia e hoje vive hoje no Campo Limpo, na zona sul de São Paulo, com apenas um carro popular como bem declarado.
Ilustração mostra Guilherme Boulos em sua casa
Ilustração de Guilherme Boulos - Catarina Pignato

Formado em filosofia e mestre em psiquiatria pela USP, Boulos milita desde o começo dos anos 2000 no MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), grupo que luta por moradias em áreas urbanas. Ele ganhou espaço no movimento mesmo sem vir de sua base e comandou invasões com milhares de assentados pelo estado.

O primeiro episódio de barulho foi na desocupação do Pinheirinho, terreno ocupado em São José dos Campos (SP), quando Boulos foi agredido por guardas civis e foi detido. Houve denúncias de abusos cometidos na reintegração de posse e o nome do militante foi estampado em grandes jornais.

Por esse episódio, Boulos é reu sob acusação de dano ao patrimônio público. A Promotoria propõe um acordo para extinguir a ação em que ele deve pagar a reparação ao patrimônio danificado e não pode sair da cidade por mais de 15 dias sem avisar a Justiça.

O segundo grande momento que projetou seu nome foi em 2014, quando o MTST convocou protestos contra a Copa do Mundo que paravam a cidade.

O grupo ocupou um terreno em Itaquera a 3 quilômetros do estádio que sediou a abertura do Mundial. Para tentar tirar a multidão das ruas e garantir que o evento aconteceria sem protestos, a então presidente Dilma Rousseff (PT) se reuniu com Boulos, junto do então prefeito Fernando Haddad (PT), para resolver o impasse.

Da reunião saiu a promessa de que a prefeitura estudaria a desapropriação do terreno ocupado e que o governo estudaria o acesso do MTST ao Minha Casa, Minha Vida. O encontro terminou com foto entre a presidente, o prefeito e os sem-teto e já naquele dia os manifestantes começaram a suspender os atos, que ocupavam a avenida Paulista, estações de metrô e trem e até o saguão da construtora Odebrecht.

É dessa época um vídeo que foi resgatado na atual campanha eleitoral em que Boulos diz que a polícia não deve ser chamada para resolver problemas, inclusive de violência doméstica, em acampamentos sem-teto.

Outro movimento considerado decisivo na trajetória política de Boulos foi a não adesão à Frente Brasil Popular, união de grupos de esquerda, partidos e sindicatos contra o impeachment de Dilma.

Boulos e o MTST preferiram lançar um grupo próprio, a Frente Povo Sem Medo, sem o PT. Como podia levar uma multidão às ruas com os militantes do MTST —que cobra de seus membros participação em protestos, com direito a lista de presença—, conseguiu manter o protagonismo em protestos.

O grupo manteve protestos nas ruas depois do impeachment, contra as reformas de Michel Temer. Não deixou de ocupar terrenos, no entanto, e o militante chegou a ser preso em 2017 durante uma reintegração de posse na zona leste.

Enquanto isso, Boulos ganhava apoio entre intelectuais e artistas, com direito a show de Caetano Veloso e Péricles no aniversário do MTST em 2017.

Apesar das críticas ao PT no governo Dilma, Boulos foi atuante nas mobilizações contra a prisão do ex-presidente Lula e foi colocado pelo petista em lugares de destaque no alto de palanques.

Já nome de peso na esquerda brasileira, ele se filiou ao PSOL em 2018 para concorrer à Presidência, o que gerou insatisfação em alas do partido, que acusaram os líderes da sigla de desrespeitarem as prévias.

Com a eleição muito polarizada desde o começo, no entanto, eleitores de esquerda fizeram já no primeiro turno um voto útil em Fernando Haddad (PT), e o PSOL teve naquele ano apenas 0,58% dos votos, seu pior desempenho em campanhas presidenciais.

Apesar do número pífio, Boulos ganhou projeção aparecendo em debates na TV aberta e começou a articular a candidatura à prefeitura. Para tornar o nome mais palatável ao eleitor paulistano, abandonou a cor vermelha, muito ligada a partidos de esquerda e ao PT, e usa em sua campanha o roxo e o amarelo. Sem um nome forte do PT como concorrente, ganhou o apoio de apoiadores históricos do partido, como Chico Buarque.

Deixou de lado a sisudez dos tempos de militância e lançou uma espécie de “Boulos paz e amor”, mirando os mais jovens.

Um reflexo da nova atitude foi vista em sua participação no Flow, um dos podcasts mais ouvidos do país, com ouvintes mais identificados com pautas liberais e da direita.

Só no YouTube, a participação de Boulos no programa teve mais de 1 milhão de reproduções e uma série de comentários como: “Nunca tinha parado para ouvir o Boulos. Gostei, comunicativo e muito menos radical do que eu pensava”.

Na internet, encontrou um nicho receptivo. É ativo no TikTok e apostou em memes à exaustão, a exemplo do que fizeram as campanhas do MBL e de Jair Bolsonaro.

Também transformou em meme seu único bem declarado, um carro Celta avaliado em R$ 15,4 mil, fazendo dele jingle de campanha ao ritmo de pisadinha, variante do forró.

Reportagem da Folha mostrou, no entanto, que a declaração de bens Justiça Eleitoral omitiu uma conta bancária, que, depois de declarada, constava com saldo de R$ 579,53.

O foco na internet, em partes, deu resultado. Boulos é o candidato preferido entre eleitores com até 34 anos, com mais de 23% da preferência nessas fatias, de acordo com o Datafolha, e entre eleitores com curso superior (29%).

Mas a mesma aferição mostra que o candidato não tem conseguido falar com os eleitores mais pobres (tem 8% de intenção de voto entre quem ganha até dois salários) e que têm apenas o ensino fundamental (4%). Nessas fatias, a população prefere Bruno Covas (PSDB) e Celso Russomanno (Republicanos).

Boulos diz hoje viver de seus textos e das aulas que dá —embora a FESPSP, faculdade a qual ele diz ser ligado, negue vínculo desde novembro de 2019. As pesquisas mostram que, se quiser incluir o salário de prefeito em sua renda mensal, terá que furar a bolha de jovens e escolarizados e conquistar os votos da periferia que diz defender.


Raio-X

Guilherme Boulos, 38, é formado em filosofia e mestre em psiquiatria pela USP. Coordenador do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), foi candidato a presidente em 2018 pelo PSOL, quando recebeu 617 mil votos e ficou em 10º lugar.

Erramos: o texto foi alterado

Diferentemente do informado, a FESPSP diz não ter vínculo com Boulos desde novembro de 2019, não de 2018. O texto foi corrigido.

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