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Boulos se reúne com empresários e busca quebrar resistências na Faria Lima

Candidato do PSOL a prefeito de SP, que promete não 'demonizar' mercado, fez cinco lives com executivos desde agosto

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São Paulo

Longe dos holofotes, o candidato do PSOL à Prefeitura de São Paulo, Guilherme Boulos, cultivou nos últimos três meses um público bastante distinto dos movimentos sociais e intelectuais de esquerda que normalmente o cercam.

Em uma série de lives que chegaram em alguns casos a reunir até 30 participantes, Boulos fez acenos a executivos do mercado financeiro e empresas de áreas como shopping centers, aviação, tecnologia, data centers, autopeças, celulose e agronegócio em geral.

Foram cinco encontros, com duração de cerca de uma hora e meia cada, iniciados em agosto e que se estenderam até as vésperas do primeiro turno. Alguns dos primeiros contatos foram intermediados pela empresária Paula Lavigne e seu grupo 342 Artes.

Com o aumento do ritmo da campanha, a participação do postulante nessas conversas foi interrompida por falta de agenda, mas entusiastas da candidatura seguiram promovendo esses eventos mesmo sem sua presença.

"Somos um grupo de colegas e amigos do mercado financeiro que decidiram ir de Boulos no segundo turno. Se você ainda está em dúvida, gostaríamos de compartilhar o porquê da nossa decisão, num bate-papo com perguntas e respostas, e participantes de diversas áreas e formações culturais", dizia convite que circulou em redes sociais para um dos encontros, na noite desta terça (24) .

O candidato a prefeito de São Paulo Guilherme Boulos, do PSOL, se encontra com representantes de entidades sindicais do funcionalismo da área de segurança pública, em hotel da capital, nesta terça-feira (24) - Marlene Bergamo/Folhapress

A imersão de Boulos junto ao mercado foi feita com cuidado pelos envolvidos.

Em uma ocasião, participantes brincaram que, da mesma forma que parte da Faria Lima (avenida-símbolo do PIB na capital) não gostaria de ver seus interlocutores com Boulos, moradores do Campo Limpo (bairro periférico da zona sul) não apreciariam saber que o candidato encontrava membros da elite financeira.

Alguns executivos procurados pela Folha que ajudaram a organizar as conversas preferiram não ter seus nomes revelados.

Havia também um receio de que o gesto de Boulos fosse mal compreendido por movimentos sociais, sobretudo o MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), do qual ele é coordenador nacional. No segundo turno, no entanto, em que é preciso alargar a base do eleitorado, o cenário mudou.

Boulos participou dos encontros acompanhado de assessores, como os economistas Marco Antônio Rocha e Camila de Caso, ambos ligados à Unicamp.

Além da apresentação do plano econômico do candidato, que tirava dúvidas dos convidados numa espécie de sabatina, vieram à tona nesses diálogos temas como urbanismo, situação fiscal do município e a chamada “pauta ESG”.

A sigla, de “Environmental, Social and Governance”, se refere a um conceito corporativo que considera, além do desempenho financeiro, as práticas ambientais, sociais e de governança de uma empresa.

Outro tema tratado foram os “green bonds” (títulos verdes), que constam da proposta econômica de Boulos. São títulos públicos, negociáveis no mercado, que financiam iniciativas com benefício ambiental ou climático.

Tópicos como PPPs (parcerias público-privadas) e aumento de impostos também foram recorrentes entre os questionamentos de empresários.

CEO do grupo Gaia, que atua na área de securitização imobiliária, João Paulo Pacífico, 42, participou de três lives com Boulos. Com 20 anos de experiência no mercado financeiro, define-se como um ex-tucano criado na cultura de meritocracia.

Ele diz que passou a ver com simpatia a candidatura do psolista em razão de sua agenda de combate à desigualdade, que hoje seria fundamental para atrair investimentos. “O Brasil vai muito além da Faria Lima”, diz.

Segundo Pacífico, as conversas com Boulos abordaram temas como seu suposto radicalismo e a aversão ao setor privado.

“O radicalismo de que o acusam é querer que uma pessoa tenha teto, que se cumpra a Constituição. Vi uma abertura gigantesca dele para ouvir. Também não o vi sendo contra a iniciativa privada. Boulos fala que o Estado precisa da iniciativa privada, para que a cidade venha a prosperar”, afirma.

O empresário diz que, entre seus pares no mercado financeiro e no setor imobiliário, há um sentimento predominante de apoio ao candidato à reeleição, Bruno Covas (PSDB). Mas afirma que o fato de existirem executivos aderindo ao nome do PSOL é uma espécie de selo de confiabilidade para Boulos.

“Um cara de mercado financeiro não é alguém que vá apoiar o comunismo. Eu jamais apoiaria a estatização da minha empresa”, afirma.

Outro entusiasta da campanha de Boulos é o empresário Marcel Fukayama, 36, que participou de uma das reuniões com o candidato. Em 2018, ele apoiou Marina Silva (Rede) para presidente.

“A aproximação do Boulos com o mercado está ampliando a confiança, quebrando mitos e mostrando que São Paulo pode ter um projeto alternativo mais inclusivo e sustentável”, afirma ele, fundador do Sistema B Brasil, movimento empresarial que busca criar uma economia inclusiva.

De acordo com Fukayama, Boulos mostrou amadurecimento ao enxergar o Estado como parceiro do setor privado.

“O Estado tem um papel como indutor de uma nova economia e para habilitar um ambiente mais favorável para que o setor privado possa contribuir com soluções inovadoras. Boulos tem evidenciado crescimento e amadurecimento nessa direção”, diz.

Segundo Paula Lavigne, as conversas que ajudou a organizar cumpriram o objetivo de "quebrar preconceitos e estereótipos de ambas as partes" e levaram o candidato do PSOL a também rever ideias.

"O discurso que ele tinha sobre PPPs era um e hoje é outro. Ele entende que, vendo de perto, as coisas são mais complexas. Na questão das OSs [organizações sociais], viu que muita coisa depende de melhorar a fiscalização", narra a empresária e mulher do músico Caetano Veloso.

"Já lidei com muitos políticos, e talvez ele seja o menos radical de todos", continua ela, rebatendo a pecha que a campanha de Covas tenta colar no psolista. "Ele quer ouvir e entender o que você está dizendo, se mostra disposto a avaliar as coisas. Eu também não concordo em tudo com ele."

Paula diz ainda que muitos dos convidados se surpreenderam com o conhecimento do candidato sobre gestão e contas públicas, mesmo relato feito por outro articulador das lives, o economista Eduardo Moreira, apoiador de Boulos que já trabalhou em instituições como o banco Pactual.

"Sempre me incomodou a chantagem do mercado a qualquer candidato de esquerda que crescia nas pesquisas, propagando que o mundo acabaria se ele vencesse. Por que isso de 'acalmar o mercado'? Por que não acalmar quem passa fome na periferia, os pretos que levam tiro na cabeça?", diz ele.

Tanto Paula quanto Moreira, que é idealizador do Somos 70%, movimento de oposição a Jair Bolsonaro (sem partido), afirmam que Boulos deixou claro que, se eleito, não abrirá mão de princípios como justiça social, mas sinalizou que tratará a iniciativa privada como parceira.

Os dois minimizaram críticas sofridas pelo postulante na semana passada ao sugerir que a realização de concursos públicos seria parte da solução para o déficit da Previdência. Ambos disseram que foi um lapso no ambiente de uma sabatina e afirmaram que ele já explicou ter se expressado mal.

Em uma das poucas agendas públicas com o empresariado ao longo da campanha, Boulos falou em outubro na Associação Comercial de São Paulo que, caso vença, não vai "demonizar" o setor privado.

Na semana passada, ao ser questionado pela Folha sobre as lives, ele respondeu que um prefeito "tem o dever de dialogar com todos", mas que "dialogar não significa concordar com as posições do seu interlocutor".

"É evidente que uma cidade como São Paulo, com a dimensão que tem e com o PIB que tem, necessita do investimento privado", afirmou, emendando a defesa que tem feito do aquecimento da demanda, "o povo com poder de compra", como chave para atrair investimento.

Procurada, a candidatura declarou em nota que "dialoga de maneira transparente com todos os segmentos da sociedade" e que "esse diálogo vem ajudando a quebrar preconceitos —que existiam pelo desconhecimento das propostas e da trajetória de Boulos".

"Ao conhecer o candidato, muitos desses setores não só mudaram sua visão sobre ele, como também passaram a apoiá-lo ativamente", afirmou, acrescentando que bandeiras como inversão de prioridades e combate à desigualdade são urgentes e boas para toda a cidade.

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