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Canetada de França no apagar das luzes como governador livrou ex-diretor alvo de graves suspeitas

Servidor foi acusado de irregularidades pelo próprio governo; atual candidato a prefeito de SP diz que diminuiu pena porque infrações foram reduzidas

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São Paulo

Nos últimos dias de seu mandato como governador de São Paulo, em 2018, Márcio França (PSB) aliviou punição administrativa a um ex-diretor de um Departamento Regional de Saúde que foi acusado pelo próprio governo de irregularidade grave e de conflito de interesses na contratação, com dinheiro público, de uma clínica da qual era sócio.

Meses antes de ter a punição mitigada pelo governador, ele e França estiveram juntos no interior de São Paulo, quando o então governador viajou com ele a Penápolis (SP) em um avião de pequeno porte.

Em 2020, esse mesmo ex-diretor que se livrou de punição mais pesada pela caneta de França virou réu e foi preso sob acusação de chefiar uma organização criminosa que desviou R$ 500 milhões em verbas da saúde. Trata-se do médico anestesiologista Cleudson Garcia Montali.

Atualmente, o ex-governador é candidato à Prefeitura de São Paulo e, segundo a última pesquisa Datafolha, realizada nos dias 20 e 21 de outubro, tinha 10% das intenções de voto, empatado tecnicamente com Guilherme Boulos (PSOL), que tinha 14%, em terceiro lugar.

Cleudson Montali ingressou no governo como médico em 2003, após passar em concurso. Em 2014, foi afastado devido à abertura de uma apuração preliminar da Secretaria da Saúde.

Ele havia sido alvo de uma ação civil do Ministério Público sob acusação de improbidade, e o governo paulista decidiu investigar sua conduta. Documentos relativos a esse processo administrativo foram obtidos pela Folha.

Montali foi acusado de "procedimento irregular de natureza grave" por ter, em 2010, quando era coordenador-médico da Santa Casa de Misericórdia de Araçatuba, contratado uma clínica na qual era sócio.

À época, tinha cargo de auditor. Ao ser promovido para diretor-técnico, deixou a coordenação da Santa Casa e indicou o cunhado para o posto.

Como diretor-técnico de um Departamento Regional de Saúde, também foi acusado de incompatibilidade entre a contratação dessa clínica pela Santa Casa e o cargo comissionado que possuía.

Além disso, foram apontadas suspeitas de irregularidades em pagamentos de serviços médicos (os pagamentos eram feitos por serviços postos à disposição, e não serviços efetivamente prestados).

Essas são algumas das acusações. Também foram apontadas outras suspeitas, como a de nepotismo e de remuneração indevida de consultas médicas.

O médico Cleudson Garcia Montali, em vídeo de novembro deste ano
O médico Cleudson Garcia Montali, em vídeo deste mês - Reprodução

Em 2014, um relatório da Procuradoria de Procedimentos Disciplinares opinou pela dispensa de Cleudson Montali "a bem do serviço público", afirmando que contrato da gestão dele "foi manejado como sofisticado instrumento de apropriação de recursos públicos".

Com base nesse relatório, o então secretário da Saúde de São Paulo, David Uip, decidiu pela punição sugerida pela Procuradoria ao médico, que implica em proibição de exercer cargo ou função por dez anos.

Montali recorreu. Em dezembro de 2015, o então governador Geraldo Alckmin (PSDB) decidiu afastar as imputações relativas a nepotismo e remuneração indevida de consultas médicas, mas manteve as demais acusações, assim como a pena de dispensa do serviço público.

Em 2018, a defesa de Montali apresentou um recurso ao governo Márcio França, que assumiu em abril daquele ano após a renúncia de Alckmin, que disputaria a Presidência.

A defesa apontava "fato novo" que era favorável ao seu cliente: uma resposta do governo a uma reportagem da TV Globo sobre a CPI das Organizações Sociais na Assembleia Legislativa de São Paulo.

O governo dizia que as organizações sociais —como as santas casas, que administram unidades de saúde— podem contratar empresas que possuam em seu quadro societário servidores públicos e que isso não configuraria, por si só, ilegalidade.

No recurso, a defesa de Montali alega que as OSs não fazem parte da administração pública e “às contratações de empresa privada não se aplicam os princípios norteadores da administração, sendo certo, nesse ínterim, que o fato de integrar o quadro societário da empresa privada o servidor, não inibe a OS de contratar a mesma”.

Também disse que, enquanto coordenador médico da Santa Casa, ter contratado sua clínica não foi irregular, porque a contratação tinha natureza emergencial que, no dia em que ela atendeu, ele foi dispensado de suas funções “precisamente para que não ocorresse eventual conflito de interesses”.

​Afirma ainda que os pagamentos de procedimentos não foram irregulares e foram validados pela própria Coordenadoria de Gestão de Contratos de Serviços de Saúde.

Com esses argumentos em mãos, o coordenador de Saúde do estado, Danilo Druzian Otto, recomendou em novembro de 2018 que o governador mitigasse a pena imposta contra Montali para 30 dias de suspensão.

Ele alegou que podia ter havido “vícios na instrução do processo [administrativo] em vista de questões sensíveis e ainda não definidas, como é a contratação de empresa privada por organizações sociais”.

Levando em conta esse despacho, França aceitou o recurso de Montali e mitigou a sua pena em 20 de dezembro de 2018. Em vez de dispensa, o funcionário pegou apenas a suspensão por 30 dias do serviço público. Dias depois, sem a punição mais grave, o próprio Montali solicitou a dispensa do serviço público.

Mas a história não acaba por aí. Neste ano, Montali foi alvo da Operação Raio X do Ministério Público de São Paulo. Segundo a polícia, uma organização criminosa comandada por ele desviou, de 2018 a 2020, aproximadamente R$ 500 milhões de verbas da saúde pública.

Ele é réu sob acusação da prática de crimes como organização criminosa, corrupção, peculato, lavagem de dinheiro e fraude em licitação.

Segundo a denúncia, Montali fazia contratos de gestão com o poder público e, mediante empresas de prestação de serviço, emitia notas frias por serviços que às vezes não eram prestados e, em outras, superfaturados.

Por meio de laranjas, segundo a acusação, lavava o dinheiro com a compra de móveis e imóveis. Foi mantido preso, de acordo com o juiz Adriano Pinto de Oliveira, de Birigui, porque intimidou testemunhas, delegado e, temendo ser alvo de investigação, tentou fugir por duas vezes.

Diante de redução das infrações, foi reduzida a pena, diz França

Procurada, a defesa de Montali no processo criminal não se manifestou. Ao ser preso, os advogados disseram ao site G1 que "a verdade real e a inocência de seu cliente será demonstrada em fase de instrução processual, onde prevalecerá o princípio do contraditório e da ampla defesa".

Procurada, a assessoria do ex-governador Márcio França afirma que seu antecessor, Alckmin, havia reduzido as infrações imputadas inicialmente ao médico.

"A defesa do médico, representado no processo pela advogada e ex-procuradora Maria Sylvia Zanella di Pietro, solicitou a redução da pena com base no princípio do direito que determina que, diante da diminuição das imputações, deve haver a diminuição também da pena", diz a nota.

"Com base nisso, foi feita uma consulta à Procuradoria Jurídica do Estado. Um procurador de carreira do órgão considerou o argumento da defesa e emitiu parecer pela condenação proporcional do médico. Com lastro nesse parecer, foi mantida a condenação do profissional com pena proporcional."

A respeito do voo com o médico, a assessoria de França diz que o então governador "foi convidado para ir à inauguração de uma faculdade de medicina em Penápolis no voo de um empresário da região".

"A solenidade de criação da nova instituição recebeu uma comitiva de empresários, na qual estava também Cleudson Montali."

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