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Eleições 2020 Datafolha

Covid e fé marcam reta final da eleição da pandemia

Fenômeno das abstenções torna imprevisível resultado da eleição em SP; Datafolha aponta que 1 em cada 5 entrevistados sente-se inseguro para ir votar

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Nada mais simbólico para uma eleição histórica na qual o principal vetor de composição do voto é a pandemia do novo coronavírus do que, na maior cidade do país, um dos epicentros da doença, o candidato que vinha oscilando positivamente na reta final, Guilherme Boulos (PSOL), tenha o diagnóstico às vésperas do pleito. E que o líder na disputa, o prefeito Bruno Covas (PSDB), também já a tivesse contraído durante a gestão da crise.

O fato ilustra não só o imponderável sobre o processo eleitoral como o quanto diferentes fatores agem sobre as intenções de voto até o comparecimento às urnas.

O cancelamento do debate que estava previsto para a noite da última sexta-feira (27), por exemplo, eliminou uma variável importante.

Em cenário tão atípico, impossível prever se ainda haverá movimento. Além da alta taxa de eleitores que se mostram indecisos ou que ainda cogitam mudá-lo (somados, correspondem a 17%), a decisão sobre qualquer opção passa antes pela disposição ou condição do paulistano em comparecer às urnas.

Cerca de um em cada cinco entrevistados pelo instituto sente-se inseguro para votar neste domingo em razão da pandemia, e aproximadamente 12% admitem que podem se ausentar.

E não é o grupo de risco, mais idoso e majoritariamente pró-Covas, que mais verbaliza o temor —entre os jovens, segmento onde Boulos tem quase 70% dos votos válidos, o medo supera em 11 pontos percentuais o índice verificado entre os que têm 60 anos ou mais.

A esse número deve ainda ser somado o problema crônico da desatualização do cadastro de eleitores que em São Paulo, chega a 40% (sem o registro biométrico).

O crescimento nas abstenções no primeiro turno ficou acima da média em bairros periféricos como nas zonas eleitorais de Guaianazes, Cidade Tiradentes, Perus e Brasilândia, e foi protagonizado por eleitores de baixa renda, como mostrou a primeira pesquisa feita pelo Datafolha na segunda etapa da disputa.

O dado torna imprevisível o efeito do fenômeno sobre o resultado da eleição —apesar de Covas atrair a maioria dos que ganham até cinco salários mínimos, essas regiões das zonas leste e norte foram as áreas onde Boulos mais evoluiu no segundo turno.

O tucano, no entanto, além de apoio expressivo em setores de tradição eleitoral conservadora do centro expandido, vai bem nos extremos oeste e sul da cidade.

É o que lhe garante boa vantagem sobre o candidato do PSOL na véspera da votação e aumenta a probabilidade de reeleição. A curva de conversão dos “sem-candidato” que Boulos começou a apresentar no início da semana não se manteve, minada por erros de sua própria campanha e reação do adversário —de um direito de resposta na TV concedido pela Justiça ao tucano por propaganda irregular do PSOL até estratégia de comunicação dirigida a estratos onde Boulos predomina.

No Recife, por outro lado, a tendência se manteve e a queda no índice dos que pretendem votar em branco ou anular o voto chega a nove pontos percentuais nos últimos dez dias. João Campos (PSB), no mesmo espaço de tempo, cresceu oito pontos, tornando a disputa contra a prima Marília Arraes (PT) totalmente indefinida.

Ataques com marcadores religiosos contra a petista coincidem com a evolução do candidato do PSB em segmentos com peso importante na composição do eleitorado —nos votos válidos, cresceu 11 pontos entre os evangélicos, oito entre os que têm renda de até dois salários mínimos e cinco entre as mulheres.

Entre evangélicos do Recife (quase um terço do eleitorado), a participação do estrato feminino supera a média em sete pontos percentuais e a baixa renda é maior em 10 pontos.

Marília tem vantagem no segmento masculino, entre os que têm até 34 anos, os mais escolarizados e de quase todo o contingente de simpatizantes do PT, que na capital pernambucana também chega a quase um terço do eleitorado. Além disso, investiu na piora de imagem da gestão do PSB na capital pernambucana, bastante criticada pela oposição de direita durante a campanha no primeiro turno.

O tema foi abordado pelos candidatos no último debate na TV e, para completar o quadro de indefinição, há ainda 12% de recifenses com o voto não cristalizado e que podem, além de voltar a optar pelo branco ou nulo, tenderem a um dos dois candidatos.

Valores e religião também fizeram parte do último debate entre os candidatos do Rio, Eduardo Paes (DEM) e Marcelo Crivella (Republicanos). “Pai da Mentira” e “Zé Pelintra” foram alguns dos marcadores utilizados pelos candidatos para se atacarem na reta final, além das denúncias recíprocas de corrupção.

Mesmo com oscilações positivas na última semana, especialmente entre as mulheres, segmento onde variou quatro pontos nos últimos dez dias, o atual prefeito do Rio não consegue reverter a alta rejeição à sua administração.

Tem a fidelidade do estrato evangélico, único segmento que em votos válidos o elege, com 66%, e que lhe garantiu vaga no segundo turno diante da divisão dos partidos de esquerda na capital fluminense.

Caso a abstenção no Rio se repita em grau e perfil como as do primeiro turno, Paes pode perder pontos nos resultados finais, fenômeno insuficiente no entanto para diminuir de maneira expressiva sua vantagem.

No geral, a contaminação de candidatos e a abstenção nas urnas foram apenas os reflexos mais nítidos da pandemia sobre as eleições deste ano.

O aprofundamento das desigualdades que ela gera na população e nas dinâmicas sociais e econômicas das cidades demandam ações concretas e pragmáticas dos eleitos, algo pouco visto nas propostas apresentadas especialmente na reta final das campanhas. A fé ajuda, mas sozinha, pode não ser suficiente.​

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