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Derrota de Trump coroa inferno astral político de Bolsonaro

Presidente vê seus candidatos em queda, problemas na economia, paralisia no Congresso e guerra da vacina

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São Paulo

A derrota do republicano Donald Trump na eleição para a Casa Branca foi a cereja de um bolo bastante indigesto que está à mesa do presidente Jair Bolsonaro.

Bolsonaro faz transmissão ao vivo enquanto Trump se pronuncia sobre absolvição em processo de impeachment, em fevereiro deste ano
Bolsonaro faz transmissão ao vivo enquanto Trump se pronuncia sobre absolvição em processo de impeachment, em fevereiro deste ano - Twitter Carlos Bolsonaro - 6.fev.2020

Naturalmente, não se trata de vincular a vitória de Joe Biden a uma derrocada inevitável do brasileiro, mas politicamente o resultado se soma a uma série de dificuldades enfrentadas pelo ocupante do Palácio do Planalto.

Trump é o grande modelo ideológico de Bolsonaro, que subordinou a política externa do Brasil aos desígnios dos Estados Unidos. O silêncio do presidente acerca do resultado da eleição é eloquente.

Se congratular Biden, o brasileiro será visto como traidor de sua base mais radical, centrada no mundo das redes sociais. Se unir-se ao esperneio de Trump sobre a lisura do processo eleitoral, como já insinuou, comprará para si mais uma pecha antidemocrática.

A má notícia vem num momento de crise múltipla. Os dois principais candidatos que Bolsonaro apoiou no primeiro turno da eleição, Celso Russomanno em São Paulo e Marcelo Crivella no Rio, estão perigando ficar fora da segunda rodada da disputa.

Ambos são do Republicanos, partido do centrão que filia 2 dos 3 filhos políticos de Bolsonaro, e disputam o segundo lugar na corrida em que ponteiam Bruno Covas (PSDB-SP) e Eduardo Paes (DEM-RJ).

O caso paulistano é o mais complicado, já que Bolsonaro foi o fiador da candidatura de Russomanno, que até o último momento buscou compor com Covas. O presidente assumiu que colocaria seu prestígio em competição com o do governador João Doria (PSDB-SP), que apoia o prefeito da capital.

Só que Covas, líder, não trouxe Doria para sua propaganda política, deixando assim Bolsonaro sozinho na chuva da opinião pública. Como mostrou o Datafolha na semana passada, em São Paulo a popularidade do presidente vem caindo.

Ainda no embate com o tucano, há a questão da guerra da vacina contra a Covid-19. Bolsonaro minimiza a importância de um imunizante viável, enquanto Doria apostou alto no desenvolvimento da vacina da empresa chinesa Sinovac, que se for eficaz será produzida no Instituto Butantan.

Ainda que tenha recuado o índice de pessoas que dizem querer ser vacinadas, segundo o Datafolha aferiu em São Paulo, Rio, Belo Horizonte e Recife, ele ainda é amplamente majoritário.

Se a vacina chinesa funcionar, como indicam os testes preliminares, Doria terá um instrumento político poderoso após fazer a campanha de imunização em seu estado.

Bolsonaro também teria, caso o imunizante que o governo federal encomendou da empresa britânica AstraZeneca também funcione, mas não se mostra interessado.

Enquanto isso, o único mecanismo que patrocinou no combate aos efeitos da pandemia, o auxílio emergencial às famílias mais pobres, irá acabar no fim de dezembro e o Ministério da Economia não encontrou uma fórmula para estendê-lo.

Isso tem tirado o sono de aliados do governo no Congresso, que preveem um esvaziamento da maré favorável a Bolsonaro nas pesquisas de opinião. As quedas registradas em São Paulo e Belo Horizonte parecem sinalizar a fadiga do movimento.

Os problemas econômicos se acumulam, com o desemprego em alta e mesmo um repique inflacionário em outubro. A deterioração de expectativas se completa com a paralisia gerencial do governo e a multiplicação de intrigas palacianas.

Não há agenda de reformas, sejam econômicas, sejam administrativas, sendo tocada. O núcleo ideológico do bolsonarismo anda às turras com a ala militar do governo, como sempre, e não foi ainda processado o embate entre Ricardo Salles (Meio Ambiente) e o general Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo).

A questão ambiental segue sendo um nervo exposto do governo, com a sucessão de más notícias sob Salles. Ele, assim como outro devoto de Trump, o chanceler Ernesto Araújo, têm sido alvo de comentários indizíveis por parte tanto de fardados como de integrantes do centrão.

Não é casual, pois, que integrantes do chamado centro político, que no Brasil está mais para a centro-direita e a direita, estejam acelerando conversas para tentar viabilizar a formação de uma frente para peitar tanto Bolsonaro quanto a esquerda em 2022.

Como a Folha mostrou nos últimos dias, as conversas envolvem Doria, o apresentador Luciano Huck e o ex-ministro Sergio Moro, embora haja grande resistência de atores centristas como o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, ao ex-juiz da Lava Jato.

Seja como for, há fumaça no ar, e os incêndios presumidos que a alimentam são todos nas florestas do governo Bolsonaro.

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