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Fala de Boulos contradiz sua crítica a França sobre uso da polícia em caso de violência doméstica

Em debate, Boulos provocou França sobre o tema, mas em entrevista, em 2014, disse que a polícia não deveria ser chamada no acampamento sem-teto

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São Paulo

O candidato do PSOL à Prefeitura de São Paulo, Guilherme Boulos, afirmou em entrevista que a polícia não deve ser chamada para resolver problemas, inclusive de violência doméstica, em acampamentos sem-teto. Em vídeo de 2014, o líder do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) afirma que a solução para conflitos na ocupação deve ser coletiva e não envolver a polícia.

“Ocupação tem problema. O marido bateu na esposa. Como que nós vamos resolver isso? [Se] Foi lá fora, chama a polícia. Chama o conselho tutelar se bateu na criança. Nós vamos reproduzir essa...? O que nós vamos fazer nesse caso?”, questiona Boulos.

“Temos que ter uma política de discussão coletiva, de solução coletiva para esses problemas, definir coletivamente um regimento interno. […] É a construção de uma forma de poder que não é você chegar: deu um problema, chama a polícia. Nós não chamamos uma vez a polícia, por exemplo, na ocupação Nova Palestina, que está há seis meses com 8.000 famílias. A polícia não foi lá uma vez para resolver um problema. Problemas tiveram milhares, podemos ficar falando duas horas de cada um deles aqui”, completa.

Em debate na TV Bandeirantes, em 1º de outubro, Boulos questionou seu adversário Márcio França (PSB) por ter dito que a polícia não tem que se envolver em casos de violência doméstica. Boulos recuperou uma fala de abril de 2018 do então governador França em que ele defendeu a tese que a Polícia Militar poderia ser mais eficiente se não tivesse que atender a tantas brigas domésticas.

Em resposta à Folha, a campanha do PSOL afirmou que a interpretação de que Boulos diz que a polícia não deve ser chamada em caso de violência contra a mulher é fake news e distorce a verdade. "No movimento [MTST] a violência contra a mulher não é tolerada. Sempre que necessário, a polícia é acionada", diz em nota.

Após a divulgação da reportagem, França comentou pelo Twitter: "Eu sempre disse que Boulos é inexperiente! Se autolacrou. No meu caso era fake, no episódio dele tem uma imagem falando pessoalmente o que ele diz que não falou. 'Solução coletiva' para marido agressor??? Tem que ser cadeia!".

Segundo pesquisa Ibope divulgada na sexta-feira (30), Boulos e França estão empatados tecnicamente em terceiro lugar. Boulos tem 13% das intenções de votos, e França, 11%. A margem de erro é de três pontos percentuais para mais ou para menos.

Eles estão atrás do candidato à reeleição Bruno Covas (PSDB), que alcançou 26%, e de Celso Russomanno (Republicanos), com 20%.

A entrevista de Boulos, concedida aos veículos Revista Vaidapé, Coletivo Sacode, ONG Elenko, Rádio Várzea e Jornal A Nova Democracia, foi feita em junho de 2014 e está disponível na íntegra no YouTube. O vídeo foi recuperado neste domingo (1º) por uma candidata a vereadora do PDT, que integra a coligação de França.

Na ocasião, Boulos respondia a uma questão sobre a construção de poder popular, que ele definiu como a construção de soluções coletivas fora do estado.

Mais adiante, na entrevista, Boulos diz que o MTST busca "combater a violência doméstica que também existe na ocupação". Ele critica ainda o feminismo de esquerda por ser abstrato e não dialogar com as mulheres da periferia.

Questionada pela reportagem, a campanha de Boulos afirmou que "em nenhum momento é dito que a polícia não deve atuar em caso de violência contra mulher".

"Quem faz essa leitura, a partir da entrevista de 2014, está distorcendo a verdade e contribui para criações de fake news. Quando dizemos que a polícia não precisou ser acionada, é justamente porque o diálogo coletivo, conduzido pelas próprias mulheres, inibiu atos de violência", diz a nota.

"No movimento a violência contra a mulher não é tolerada. As mulheres têm a quem recorrer, são protegidas e encontram abrigo. Sempre que necessário, a polícia é acionada. O que o MTST faz é o que governo do estado e a prefeitura deveriam fazer para garantir segurança e integridade física e emocional aos cidadãos e, em especial, às mulheres", segue o texto.

"Márcio França, ao compartilhar uma visão preconceituosa sobre o movimento social, somente reforça o que todos já sabem: é um candidato com valores mais alinhados a direita", conclui a resposta do PSOL.

No debate da TV Bandeirantes, o candidato do PSOL questionou se o rival aprovava "lavar as mãos" diante da violência contra a mulher e sugeriu que espectadores buscassem na internet o nome do político do PSB mais a expressão feminicídio, o que fez reportagem da Folha sobre a afirmação da época virar a mais lida do site do jornal.

Nas horas seguintes ao debate, as mensagens com o nome de França mais replicadas no Twitter continham o termo "briga de casal".

França afirmou no debate que a insinuação de Boulos era fake news. O candidato do PSB tem dito que sua fala de 2018 buscava defender maneiras alternativas de resolver os chamados casos de desinteligência.

"Homem que agride mulher tem que ser preso. Ponto final", afirmou França sobre o embate com Boulos. "O Estado deve, sim, ter profissionais diferentes para atender cada tipo de ocorrência. Foi o que eu afirmei em 2018 e que foi distorcido em prol de cliques e de lacrações no ambiente virtual e mesmo no debate."

Na entrevista de 2014, Boulos afirmou que os acampamentos do MTST buscam criar formas de atuação, decisão e solução coletivas fora do estado, com assembleias frequentes e grupos de sem-teto que elegem representantes e coordenadores.

“O estado é um estado capitalista, controlado pelos capitalistas, e o nosso papel é construir uma contra-hegemonia que nós chamamos de poder popular para fora do estado. […] Todos sabemos aqui o quanto a sociedade capitalista contemporânea promove o individualismo e as soluções individuais, a falta de alternativa coletiva para os problemas. Queremos fazer o inverso: essa reapropriação coletiva do espaço e das soluções”, disse Boulos.

Mais adiante, Boulos dá um exemplo sobre as deliberações e regras coletivas no acampamento em relação a um problema comum, o de abuso de consumo de álcool. “Nas ocupações, particularmente a bebida é associada à briga, a problema. Tem gente que bebe demais e, de fato, arruma briga na ocupação, isso é comum de se ver. Então a tendência dos regimentos é proibir isso”, diz.

Boulos também discorre sobre machismo e feminismo e admite que a violência doméstica existe na ocupação. Ele afirma que há machismo no MTST e que há um esforço para combatê-lo. Critica, por sua vez, o feminismo da esquerda por não dialogar com a periferia.

“O movimento não é mais machista que a sociedade em geral. O machismo que tem dentro de uma ocupação é o machismo que tem fora da ocupação. O movimento busca, dentro das suas possibilidades e dos mecanismos que tem, dialogar com isso e estabelecer contra-tendência a isso”, diz.

“Não é algo fácil [combater o machismo]. O movimento busca produzir debates nas ocupações, fazer discussões, combater a violência doméstica que também existe na ocupação”, completa.

Em seguida, Boulos diz que o movimento está “um pouco distante do discurso feminista mais da esquerda”.

“Muitas vezes, o discurso feminista da esquerda é abstrato, que não dialoga com a maioria do povo, não dialoga com as mulheres da periferia, por exemplo. Dialoga na USP, na PUC e ali faz sucesso. Mas com a mulherada da periferia não chega, não. E, quando chega, muitas vezes é rechaçado, porque chega de forma arrogante, prepotente, achando-se dono da verdade. A gente não busca fazer dessa forma”, diz.

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