Justiça do AM manda tirar do ar reportagem sobre juízes e candidato

The Intercept Brasil citou suposto favorecimento entre juízes eleitorais do estado e candidato a prefeito

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Manaus

A determinação da Justiça Eleitoral do Amazonas no último dia 15, primeiro turno das eleições municipais, de tirar do ar por três dias uma reportagem do The Intercept Brasil que revelou relações de amizade e suposto favorecimento entre juízes eleitorais do estado e um candidato a prefeito de Manaus provocou uma guerra jurídica entre os advogados do deputado estadual Ricardo Nicolau (PSD), derrotado no pleito, e o veículo de comunicação.

Desde que as decisões de magistrados do TRE-AM (Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas) passaram a ter destaque nacional com a divulgação do caso de censura, o processo teve, só nos últimos sete dias, um promotor e um juiz que se autodeclararam impedidos no caso, que segue à espera de nova distribuição.

dois homens de camiseta branca faze carreata com bandeiras rosas atrás.
O candidato a prefeito em Manaus Ricardo Nicolau (à esquerda) em campanha no primeiro turno - Ricardo Nicolau no Facebook

Em duas reportagens recentes, o The Intercept Brasil aponta relações de amizade entre Nicolau e juízes do TRE-AM que teriam tomado decisões favoráveis ao então candidato durante a campanha eleitoral —inclusive a que retirou do ar, durante três dias, a reportagem “Candidato de Manaus conta com o hospital da família, Covid e o judiciário para subir nas pesquisas”.

Após a publicação de uma segunda reportagem, na qual a jornalista Nayara Felizardo relata que a primeira havia sido censurada (a pedido da defesa de Nicolau) pelo juiz eleitoral Alexandre Novaes (que, segundo o portal, também tem relações pessoais com o então candidato), os advogados de Nicolau entraram com uma segunda ação no TRE.

Na segunda ação, que ainda está tramitando, a defesa do candidato derrotado alega que o veículo descumpriu a decisão de Novaes ao republicar a reportagem no dia 17 de novembro, e pede a aplicação da multa de R$ 20 mil e uma nova censura à segunda reportagem, com multa de R$ 100 mil por descumprimento.

O editor-executivo do The Intercept Brasil, Leandro Demori, afirma que, no entendimento dos advogados do veículo, o fato de Nicolau ter sido derrotado no primeiro turno das eleições municipais possibilitava a republicação da reportagem, o que aconteceu no último dia 17.

“Há uma cláusula muito clara na legislação eleitoral que deixa evidente que cai o processo caso não haja julgamento de mérito. Eles alegam que estamos descumprindo medida judicial, mas a lei ampara [a republicação]”, disse Demori.

O processo já teve um promotor e um juiz que se declararam impedidos de atuar no caso e segue à espera de redistribuição. O juiz que se declarou impedido neste segundo processo, inclusive, é o próprio Alexandre Novaes, conta Demori. “Ele agora lembrou que conhecia a parte?”, questionou.

A Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas), em nota, repudiou a censura à reportagem e informou que tomou conhecimento sobre o caso depois que a “liberdade de circulação da informação jornalística já estava restabelecida” e, por isso, não havia mais medidas legais a serem tomadas.

“Certamente esse é um exemplo de censura judicial feita por um juiz de primeira instância, em desrespeito à Constituição Federal e à súmula do STF, que mais de uma vez reafirmou a liberdade de imprensa como preceito constitucional”, informou a presidente da Fenaj, Maria José Braga.

Procurado, o TRE-AM se limitou a informar que “a solicitação foi encaminhada à 65ª Zona Eleitoral de Manaus, para conhecimento e providências que entender pertinentes pelo juiz Alexandre Henrique Novaes”.

Procurado, o CNJ informou que não recebeu reclamação formal sobre o caso de censura ao The Intercept e que a Corregedoria Nacional de Justiça “não pode se pronunciar a respeito dos fatos".

O TSE também foi procurado pela Folha e informou que “não foram encontrados processos” envolvendo o The Intercept ou os juízes citados nas reportagens.

Segundo Demori, o The Intercept deve aguardar o desfecho do processo na Justiça Eleitoral do Amazonas para decidir que medidas irá adotar.

A reportagem não conseguiu contato com os juízes Margareth Hoaegen e Alexandre Novaes.

Por meio da assessoria, Ricardo Nicolau disse que o pedido de retirada da reportagem do ar "se deu pelo caráter sensacionalista do material veiculado na antevéspera do primeiro turno, com nítidos interesses eleitorais", e que a equipe jurídica de sua coligação identificou uma "série de equívocos" no texto, que "atacavam a credibilidade" do então candidato.

Segundo a assessoria, uma prova desses erros está no fato de o site ter "sugerido, com base em fotos de redes sociais, que membros do Judiciário teriam tomado decisões supostamente favoráveis ao então candidato".

A nota defende que "as decisões foram tomadas de forma isenta". Nicolau ainda afirmou, por nota, que respondeu todos os questionamentos feitos pelo The Intercept Brasil, mas que "poucos trechos providencialmente selecionados" foram publicados, "privilegiando a falsa narrativa", o que "obrigou" a coligação a acionar a Justiça.

Sobre a atuação de Nicolau no hospital de campanha municipal, a assessoria disse que ele participou "ativa e voluntariamente" da montagem e coordenação da unidade​.

Entenda o caso

Na reportagem temporariamente censurada, o site questiona as decisões da juíza Margareth Rose Cruz Hoaegen, que julgou improcedentes dois pedidos feitos pelos advogados de dois adversários políticos de Nicolau, que questionavam a veracidade das informações veiculadas em propaganda eleitoral onde o candidato afirmava ter montado o hospital municipal de campanha contra a Covid-19.

Segundo o The Intercept Brasil, que publicou fotos das redes sociais dos próprios magistrados, onde eles aparecem em eventos sociais com familiares de Nicolau, a juíza Margareth Hoaegen é amiga da cunhada de Ricardo Nicolau, a esposa de Luiz Alberto Nicolau, irmão do ex-candidato.

Segundo o TRE-AM, Luiz Alberto foi quarto maior doador da campanha eleitoral do irmão ao governo do estado e é diretor-presidente do grupo Samel, rede privada de hospitais que cedeu equipamentos e participou da gestão do hospital municipal de campanha de Manaus, cenário das questionadas peças publicitárias da campanha eleitoral de Nicolau.

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