Mais votada para a Câmara de BH, professora trans quer conciliar política e sala de aula

Hoje no PDT, Duda Salabert foi eleita com 37.613 votos na capital mineira e cobra autocrítica do PSOL, antigo partido

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Belo Horizonte

A demora inédita na atualização dos dados de apuração das urnas divulgados pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral), na noite de domingo (15), deixou boa parte do país em suspense.

Em Belo Horizonte, a professora Duda Salabert (PDT), 39, diz que estava ainda mais angustiada com as aulas de literatura que precisavam ser preparadas para o dia seguinte, uma delas começando às 7h, e a pilha de provas para corrigir.

Em uma das primeiras apurações divulgadas, com 12,34% das seções totalizadas, Duda tinha 5.418 votos. Quando o percentual de apuração passou para 84,8% das seções, ela chegou a 31.831 votos, já indicando a votação histórica. Com a apuração finalizada, atingiu 37.613 votos na capital mineira.

Duda se tornou a primeira trans eleita para a Câmara de Vereadores de BH e a pessoa mais bem votada do Legislativo da capital mineira, com mais que o dobro da votação de Áurea Carolina (PSOL), que tinha o recorde anterior, quando conquistou 17.420 votos e foi eleita em 2016.

A preocupação com a pilha de provas e aulas por preparar, explica ela, é porque, mesmo eleita vereadora, não pretende deixar o trabalho como professora em uma escola privada de Belo Horizonte. Duda pretende reduzir a carga horária atual e aliar os dois.

“Posso estar na política, mas sou professora. Não vou deixar nunca de dar aula”, diz ela.

“Quando a cidade escolhe uma professora para ficar no centro da política municipal, isso mostra um desejo da sociedade em ter políticas públicas de melhoria para a educação”, avalia ela, citando a queda de BH no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), nos últimos anos, o principal termômetro da educação no país.

A eleição deste domingo foi a segunda disputada por ela, que, quando questionada se prefere ser identificada como mulher trans ou travesti, responde: “Tanto faz”. Em 2018, Duda concorreu ao Senado em Minas Gerais pelo PSOL e conseguiu 351.874 votos.

No ano seguinte, anunciou sua desfiliação acusando a legenda de transfobia estrutural. Segundo ela, várias questões levaram à decisão, mas a principal foi a expulsão de Indianara Siqueira, candidata a vereadora no Rio de Janeiro em 2016.

“Nós já somos expulsas da escola, da sociedade, do mercado formal de trabalho, eu não posso ficar num partido que expulsa uma travesti”, diz ela. “Assim como o PSOL cobra autocrítica do PT, eu cobro autocrítica do PSOL.”

Depois da saída do antigo partido, ela conta que veio o convite de Ciro Gomes, candidato à Presidência pelo PDT em 2018, para que se filiasse ao seu partido, com a promessa de ser recebida com tapete vermelho.

Na campanha de 2020, segundo Duda, Ciro foi a figura política que mais a ajudou com conselhos. “Sou muito grata a ele.”

Na noite do domingo de eleição, o prefeito Alexandre Kalil (PSD), que apoiou Ciro em 2018 e foi reeleito em 1º turno em BH, ligou para parabenizá-la pela votação e disse que apoiou sua candidatura desde o início.

Durante a campanha, alguns grupos usaram um vídeo de Kalil na parada LGBT de 2019, onde ele fala sobre o evento e diz para as pessoas falarem “eu te amo” para quem está ao lado e “foda-se” aos que pensavam o contrário.

Conservadores leram a mensagem final como direcionada a eles e um desrespeito a essa parcela da população de BH.

Segundo vereador mais votado em Belo Horizonte para assumir em 2021, Nikolas Ferreira (PRTB), que conquistou 29.388 votos e teve apoio do presidente Jair Bolsonaro, segundo reportagem do jornal Estado de Minas, declarou sobre Duda: "Eu ainda irei chamá-la de 'ele'. Ele é homem”.

Em seu perfil no Twitter, com 94 mil seguidores, incluindo o presidente e o segundo colocado na disputa para a prefeitura, Bruno Engler (PRTB), que teve 9,9% dos votos, ele retuitou a reportagem e comentou: “Absurdo!!! Chamei um homem de homem! O choro começou”.

Duda diz que não quer fazer um mandato pautado em temas de ordem moral, mas sim em medidas estruturais.

“Eu parabenizo o segundo colocado, acho importante a gente ter na Câmara uma multiplicidade de pensamentos e perspectivas, porque a democracia se constrói com várias formas de pensar o mundo. Ele não vai poder me tratar no masculino, porque transfobia é crime inafiançável”, afirma ela, que diz que, como professora, irá corrigi-lo como corrige a um aluno.

Entre as pautas que ela planeja levar à Câmara estão moradia, geração de renda e renda básica, educação e questões ambientais. Casada com a ambientalista e bióloga Raísa Novaes, com quem é mãe de Sol, ela conta que as propostas voltadas à políticas ambientais partem da mulher, que a ensina sobre o tema.

Uma das suas promessas de campanha foi plantar uma árvore para cada voto que recebesse, o que ela diz que pretende cumprir, a começar pelo plantio de um ipê no primeiro dia de mandato —o plano é que seja na própria Câmara.

“A população travesti em situação de rua é um número alto, então, combater o déficit habitacional é uma política para as pessoas LGBT. Melhorar os postos de saúde é uma política para as pessoas LGBT, porque é a população mais excluída do acesso à saúde pública”, avalia ela, que espera contar com a mão estendida por Kalil a partir do próximo ano.

A Câmara de Belo Horizonte triplicou o número de vereadoras, chegando a 11 mulheres para ocupar as 41 vagas a partir do próximo ano. Sobre a própria eleição, Duda diz que não se surpreendeu e avalia que a eleição de dois anos atrás serviu como um teste. Pelo resultado, ela calculava o apoio que teria agora e que espera ter em uma futura disputa à prefeitura.

A campanha foi feita majoritariamente pelas redes sociais, sem material impresso, por compromisso com o meio ambiente e com a ajuda de várias pessoas que ajudaram a espalhar sua candidatura. Duda tem evitado sair de casa durante a pandemia do novo coronavírus; por compromissos eleitorais, foram apenas três saídas. À rádio Itatiaia, na noite de domingo, ela disse que sua vitória era coletiva, não individual, por isso.

E a comemoração, foi adiada do domingo para a segunda-feira, assim que encerrasse os compromissos do dia. “Eu tenho um vinho na geladeira, vou tomá-lo hoje à noite e ficar uma semana longe das redes sociais.”

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