Novo 'não pode virar linha auxiliar da direita', diz ex-candidato do partido

Ex-presidente da CVM, Marcelo Trindade lança livro para lembrar campanha de 2018

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Rio de Janeiro

"O Caminho do Centro", título que o advogado e professor da PUC-RJ Marcelo Trindade, 56, deu para seu primeiro livro, foi tudo o que 2018 não trouxe à política.

Justo o ano em que ex-presidente da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) decidiu encará-la, como candidato ao governo do Rio do também estreante Partido Novo, um ator à direita filiado aos ideais do liberalismo econômico.

Perdeu e feio: amealhou 1,1% dos votos válidos, um nanico perto de seu ex-aluno de direito Eduardo Paes (DEM), segundo colocado, com 19,5%, e de Wilson Witzel (PSC), o outsider que surpreendeu com 41%, vitória confirmada no segundo turno.

Em 2018, foi esse outro político neófito ganhou no Rio. "A maioria dos eleitores de Jair Bolsonaro desejava ações enérgicas e percebeu em Witzel alguém corajoso e sem papas na língua, crescentemente virulento nos ataques à esquerda." Hoje o ex-juiz está afastado e à iminência de um impeachment.

O ex-presidente da CVM Marcelo Trindade, candidato do Novo ao governo do Rio em 2018 - Divulgação

Com a guinada à extrema direita do atual governo, Trindade avalia que há frestas para o centro se alojar no próximo ciclo. Mas evita cravar quem seriam os atores centristas —se enquadra, por exemplo, uma eventual chapa Sérgio Moro-Luciano Huck no campo.

"O nome ou a ideologia percebida como ligada a um nome só importam na medida em que impactem sua capacidade de reunir as forças democráticas. Nesse sentido, não vejo Mourão [o vice-presidente] como um aglutinador viável. E imagino que o Moro teria que superar muitas resistências para conseguir. O que não quer dizer que qualquer um deles não possa vir a apoiar um projeto de centro e ter um papel nele."

O que Trindade, que se diz um liberal centrista, se propõe a contar não é uma história de sucesso, mas os bastidores de uma campanha em que, como ele conta à Folha, cometeu erros, foi pouco ousado e um tanto careta. "Eu me via numa posição completamente diferente daquela em que realmente estava. A vida me acostumou mal, eu achava que os eleitores viriam como os clientes, no boca a boca."

O advogado não está mais filiado ao Novo e assim o avalia: "Se por um lado ele continua sendo a melhor plataforma para atrair gente nova para a política, por outro precisa tomar o caminho realmente liberal —na economia, na proteção dos pilares democráticos, das minorias, do Estado laico e da tolerância com a opinião contrária. Isso é incompatível com manter neutralidade em relação a um governo cujo discurso atinge recorrentemente esses valores. Acho que se o partido não se diferenciar vai virar uma linha auxiliar da direita, como o PC do B foi para o PT na esquerda".

Indicado em 2004 à presidência da CVM por Antonio Palocci, então ministro da Fazenda de Lula, Trindade viu na reeleição da também petista Dilma Rousseff o "balde de água fria na esperança de que o país pudesse se libertar de um debate ideológico meramente retórico".

Dois anos depois, nova decepção, desta vez em sua cidade natal, que colocou no segundo turno para prefeito dois homônimos dele, Marcelo Freixo (PSOL), com "um discurso socialista ao mesmo tempo superficial, ultrapassado e irrealista", e Marcelo Crivella (Republicanos), de "promessas populistas e igualmente irrealistas" —por fim vencedoras.

"Anulei meu voto no momento em que estava mais engajado politicamente. Ali deu o estalo de que era 'preciso ir à luta'", afirma.

Pensou em tucanar. "Tentei, com a ajuda de amigos comuns, mas em vão, um encontro com FHC para discutir a viabilidade de uma candidatura à Câmara Federal, no PSDB do Rio —ele teria dito a um daqueles interlocutores— quem manda ainda é o Aécio."

Foi aí que, num jantar na casa do economista Arminio Fraga, seu amigo, conheceu João Amoêdo, presidente do recém-fundado Novo. O ex-técnico de vôlei Bernardinho também estava.

Trindade já vinha namorando a ideia de disputar um cargo, mas no Legislativo. "O novato não deveria chegar querendo se sentar à janela", lhe disse um amigo contemporâneo na PUC, João Moreira Salles, da família do Itaú Unibanco.

Acabou sentando, após o Novo pedir que substituísse Bernardinho, primeira escolha para candidato da legenda no Rio, mas que desistiu. Ele lembra de uma nota no site O Antagonista que falava da troca: "É como colocar o rapaz que passa rodo na quadra para jogar no lugar do campeão".

Ao menos uma liderança Trindade assumiu naquele pleito: informou à Justiça Eleitoral ter R$ 82,9 milhões, 80% da soma do patrimônio dos 12 candidatos. Também Amoêdo, na corrida presidencial, foi o concorrente mais rico, com R$ 425 milhões declarados.

O Leblon, bairro com metro quadrado mais caro da cidade com metro quadrado mais caro do Brasil, onde mantinha seu escritório (num shopping) e marcava reuniões (num bistrô), é citado 14 vezes no livro. "No Rio, vivendo sempre na zona sul —desde que nasci, em Copacabana, passando por Lagoa, Leblon e Gávea— tinha cada vez mais a sensação de uma pessoa rica que divide a casa com outras muito pobres e finge não vê-las", ele narra no livro.

É na mesma zona sul que concentrou seu debute eleitoral, como nas caminhadas pela orla de Ipanema e Leblon. Numa dessas encontrou o futuro ministro da Economia de Bolsonaro.

"Até Paulo Guedes, suado e sem camisa, foi interrompido em sua corrida matinal por militantes mais animados e obrigado a ir me cumprimentar, o que fez com sua habitual gentileza e palavras de incentivo, para, em seguida, engrenar uma conversa com Gustavo Franco e Arminio Fraga", ele conta, lembrando dos dois ex-presidentes do Banco Central que o acompanhavam.

O advogado diz ser "compreensível que um partido com alguns candidatos com muito patrimônio, e que cobra mensalidade de seus filiados, seja percebido como elitista". Assim como entende que o discurso liberal ganhe a mesma pecha "porque não pretende que o Estado resolva a maior parte das coisas".

São, contudo, "percepções superficiais", afirma. "Um partido será elitista se suas propostas se voltarem para a elite e se forem feitas de cima para baixo. Se focar nos mais pobres, atrair militantes de todas as classes e situações, e eleger representantes variados, será cedo ou tarde percebido como popular, mesmo não sendo de esquerda." Nada de novo.

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