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Presidente da OAB se contradiz, e cotas raciais na entidade podem ficar só para 2024

Advogados defendem aprovação de cotas raciais para eleições da Ordem dos Advogados do Brasil em novembro de 2021

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São Paulo

O presidente nacional da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Felipe Santa Cruz, apontou, em entrevista à Folha, que a inexistência dos dados sobre a composição racial da advocacia é um fator que dificulta o debate da implementação de cotas raciais na entidade para 2021.

Santa Cruz afirmou que, por isso, anteciparia a realização de um censo da advocacia.

Ao longo de 2020, o tema das cotas raciais nos quadros da OAB ganhou força por meio de diferentes propostas. O objetivo de quem defende a ação afirmativa é que as regras passem a valer nas próximas eleições da entidade, em novembro do ano que vem.

Para ser implementada, a proposta precisa ser aprovada pelo Conselho Federal da OAB, que conta com 81 conselheiros, três de cada estado.

“Eu só acho que o fato de a gente não ter esse dado —tanto que vou antecipar a promoção dessa pesquisa, dessa alteração—, ele dificulta esse debate para 2021”, disse Santa Cruz.

Após a entrevista, no entanto, a Folha teve acesso a um ofício enviado pela OAB-RJ, em 2018, que aponta que a importância do mapeamento de cor/raça da advocacia já era de conhecimento de Santa Cruz quando ele ainda ocupava o cargo de presidente da OAB do Rio de Janeiro.

O ofício, em que consta a assinatura de Santa Cruz enquanto presidente daquela seccional, era direcionado à OAB do Acre com o encaminhamento da demanda de que ela também instaurasse procedimento visando a efetivação de um censo da advocacia de 2018 a 2019.

Apesar disso, desde o começo de sua gestão à frente da OAB Nacional, em fevereiro de 2019, não foi realizado censo da advocacia para obter o dado de cor/raça dos mais de 1 milhão de advogadas e advogados brasileiros.

Homem branco, sorri levemente, veste terno e gravata vermelha. Cabelo preto curto
O presidente da OAB, Felipe Santa Cruz. - Mathilde Missioneiro 02.ago.2019/Folhapress

Uma das diferenças entre as propostas apresentadas é a proporcionalidade racial em contraposição a cotas fixas de 30%.

Com a proporcionalidade, ao invés de um percentual mínimo fixo, as chapas deveriam corresponder à composição étnica das OABs em cada estado. Neste caso, foi prevista como regra de transição a proporção de 30% enquanto a OAB do estado correspondente não fizer a atualização cadastral.

O envio do ofício em 2018 foi decorrência de questionamento do Fórum Estadual de Mulheres Negras do Rio de Janeiro à OAB-RJ, por meio da Comissão Estadual da Verdade da Escravidão Negra no Brasil (Cevenb).

Questionado sobre o documento, Santa Cruz não deu explicações sobre o fato de o censo não ter sido realizado ainda em sua gestão, mas disse que o envio do documento "só demonstra meu compromisso com a pauta. Por isso há esse debate no Conselho Federal sob minha presidência".

Em agosto, o Conselho Federal da OAB, aprovou a obrigatoriedade da autodeclaração de cor ou raça como requisito para inscrição nos quadros da entidade. Entretanto, isso não muda o cenário em relação a todos aqueles que já estão inscritos.

Segundo Santa Cruz, o encaminhamento de um censo ou pesquisa não dependeria do conselho, mas poderia ser encaminhada pela diretoria da OAB.

Também a Carta Aberta de Juristas Negras, documento entregue à OAB Nacional em março de 2020, trouxe como uma de suas reivindicações a realização de um recenseamento da advocacia.

Santa Cruz mencionou a importância da carta em julho deste ano, durante o encontro virtual “Desafio das Advogadas Negras no Exercício da Profissão”.

Ele afirmou que, na carta, “são propostas medidas necessárias para que nossa instituição se torne mais inclusiva e plural. Levaremos em frente esse conjunto de propostas para que, juntos e juntas, possamos discuti-las e efetivá-las".

Recebida pelo Conselho Federal em agosto, a proposta de cotas raciais ainda não foi apreciada. Cabe a Santa Cruz colocar o tema em pauta. À Folha, ele apontou a pandemia como um dos motivos para a demora.

Além dela, há outras propostas de alteração no sistema eleitoral da entidade. Entre elas estão eleições diretas para a diretoria nacional e paridade de gênero —em substituição às cotas de 30% já existentes.

Questionado sobre os prazos para que, caso aprovadas, fosse factível que as propostas de cotas raciais e paridade de gênero entrassem em vigor já nas próximas eleições da entidade, Santa Cruz disse que uma das dificuldades do debate das cotas raciais é o fato de que não se conhece os números da advocacia negra no país.

“O ideal é que ainda esse ano, pelo menos as regras que passarem com maior unanimidade. Eu entendo que a paridade [de gênero] não deve ser complexa. Acho que vai ter maior complexidade na questão das cotas, pelo que eu disse, porque não temos o mapa da autodeclaração dos advogados.”

Um dos argumentos que reforçam a campanha por paridade de gênero na entidade são os números, as mulheres já são praticamente 50% da advocacia brasileira. Já a composição racial permanece uma incógnita, apesar das diferentes reivindicações pela coleta desse dado.

Advogadas e advogados ouvidos pela reportagem defendem que uma política de cotas raciais já deve entrar em vigor nas próximas eleições.

No entanto, há um precedente que, caso repetido pelos conselheiros federais, coloca em risco a implementação das cotas em 2021, ainda que elas sejam aprovadas até lá.

Apesar de as regras da OAB não preverem um limite para a mudança nas regras eleitorais, nas últimas eleições da entidade, em 2018, o Conselho da OAB usou o argumento de analogia da legislação eleitoral para postergar a vigência de uma nova regra.

Em 2018, uma resolução determinou que as cotas de gênero de 30% passariam a valer também para cargos de diretoria e para os cargos de titulares e de suplentes —até então a cota era em relação à chapa como um todo.

Apesar de aprovada antes das eleições, o Conselho da OAB de então determinou que as regras só valeriam em 2021, argumentando que, em analogia à legislação eleitoral, as regras teriam que ser aprovadas até um ano antes do pleito, o chamado princípio da anualidade.

À época, um grupo de mulheres advogadas escreveu uma petição à OAB requerendo a aplicação imediata da nova regra e questionando o uso do princípio da anualidade.

O próprio Santa Cruz disse à Folha não entender que mudanças regimentais tenham que ser aprovadas com um ano de antecedência, mas fez a ressalva de que caberá ao conselho decidir.

“Na minha interpretação, uma mudança regimental não precisaria do princípio da anualidade, agora respeito quem pensa diferente”, disse ele.

Quanto ao precedente de 2018, Santa Cruz afirmou: “Lá aplicaram a questão da anualidade, eu entendo que isso vai ser submetido ao novo conselho, que agora o conselho é diferente".

O relator da proposta de cotas raciais é o conselheiro federal do Espírito Santo Jedson Marchesi Maioli.

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