Quem foi Antonieta de Barros, primeira mulher negra eleita deputada no país

Antonieta de Barros (1901-1952) sofreu racismo durante campanha eleitoral em Blumenau, relatou jornal da época

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Porto Alegre

Entre nomes como Altamiro, Eugênio, Olívio e Pompílio, um se destacava na nominata do Partido Liberal Catarinense de candidatos à Assembleia Legislativa naquelas eleições de outubro de 1934: Antonieta de Barros.

Nascida em Florianópolis, em 1901, 13 anos após a abolição da escravatura no Brasil, ela foi a primeira mulher negra a ser eleita deputada no país. Filha de uma lavadeira escravizada e, depois liberta, Antonieta assumiu seu mandato como deputada estadual em 1935.

“Até hoje, ela é a única deputada negra em Santa Catarina. Ela foi uma mulher que transcende seu tempo, rompendo vários estereótipos. Como deputada lutou, principalmente, pelo acesso à educação para todos e alfabetização em massa”, diz Karla Dahse Nunes, doutora em história pela UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), autora de “Antonieta de Barros: uma história”, sua pesquisa de mestrado.

Antonieta de Barros (1901-1952), primeira mulher negra eleita deputada no país, em Santa Catarina, em 1934
Antonieta de Barros (1901-1952), primeira mulher negra eleita deputada no país, em Santa Catarina, em 1934 - Udesc/Divulgação

As mulheres conquistaram o direito ao voto com o Código Eleitoral de 1932. Antes, eram proibidas. Porém a campanha pelo sufrágio feminino ganhou força ainda na agitação política que antecedeu a Proclamação da República, em 1889.

Os movimentos de mulheres viram na queda da monarquia uma oportunidade para conquistar ao direito ao voto. Porém, na Constituinte de 1891, tal garantia não foi incluída, apesar dos esforços das mulheres.

“Com a Constituição de 1934, se mantém o voto feminino, não obrigatório, desde que as mulheres não exercessem função pública remunerada”, explica Mônica Karawejczyk, professora da PUC-RS, autora de “As filhas de Eva querem votar: uma história da conquista do sufrágio feminino no Brasil” (Edipucrs, 2020).

Em 1934, também foi eleita, a primeira mulher deputada federal, a paulistana Carlota Pereira de Queirós. Porém, diferentemente de Antonieta, Carlota era médica e branca.

No protagonismo negro da época, Karawejczyk destaca também a atuação de Almerinda Faria Gama, advogada e sindicalista, que atuou na Constituinte de 1933 como delegada classista e atuou junto à Federação Brasileira Pelo Progresso Feminino.

Antes de se tornar deputada, Antonieta trabalhou como professora de português em escolas de Florianópolis. Empreendedora, em 1922, aos 21 anos, fundou sua própria escola e ao local deu seu próprio nome: Curso Antonieta de Barros.

Ela levou a pauta da educação para a Assembleia e instituiu o Dia do Professor no estado, antes que fosse lei nacional.

Jornalista, defendia a liberdade de imprensa. Naquele períodos, apenas as mulheres alfabetizadas podiam votar e ser votadas, o que acabava excluindo as mais pobres, muitas vezes, negras como ela.

Antonieta foi eleita com 35.484 votos, inicialmente como suplente e tomando posse após outro candidato ser nomeado prefeito no interior catarinense, segundo a pesquisa de Nunes. Ela teve o apoio de Nereu Ramos, do PLC, eleito no mesmo ano como deputado federal.

Quem navega pelo site da Hemeroteca Digital de Santa Catarina encontra páginas do jornal A República, ligado ao PL, onde Antonieta assinava textos sob o pseudônimo de Maria da Ilha.

Foto de turma de formandos
Antonieta de Barros (1901-1952) foi professora e jornalista. Álbum da normalista Maria Carolina Gallotti Kehrig, 1947 - Udesc/Divulgação

Na véspera da eleição, em 13 de outubro de 1934, escreveu um texto intitulado “Enfim!”, em que comenta a importância do voto feminino. “A alma da mulher catarinense, neste instante de intensa vibração cívica, deve sorrir, diante da sua magna conquista”, escreveu, sob pseudônimo.

Ela continua o texto, afirmando que “não há barreiras para a evolução”. “Embora se grite, embora se neguem direitos, embora se queiram levantar as pedreiras da conservação de tolos preconceitos, a humanidade, indiferente, marcha, avança para realizar o seu destino glorioso de ascenção [sic]."

A então candidata finaliza, indicando sua candidatura: “Em Santa Catarina, neste instante, cada mulher deve perguntar-se conscientemente: com quem votarei? (...) Mulheres catarinenses, por vós e para vós, meditai: na chapa do Partido Liberal há um nome feminino que a integra”.

Também na Hemeroteca consta a edição em que A República reproduz uma entrevista de Antonieta ao jornal A Noite, do Rio de Janeiro. Ela afirma que “o chamado feminismo é um caso de humanidade”.

Ela também critica o pensamento conservador. “O que há, entre nós, e que creio que em todo o país, são mentalidades masculinas acorrentadas à rotina, presas ao passado, sem um milímetro de integração na onda de progresso que assoberba o mundo."

A reportagem relata também que Antonieta sofreu racismo durante a campanha eleitoral. A expressiva votação ocorreu apesar da “campanha infeliz que os alemães e os teutos de Blumenau fizeram à cor de sua epiderme”, diz o texto.

Ela seria deputada até 1937, quando o presidente Getúlio Vargas instituiu a ditadura do Estado Novo (1937-1946), fechando as Assembleias e extinguindo partidos. Antonieta voltaria ao legislativo estadual. Eleita suplente, ocupou o mandato de 1945 a 1947.

Nos anos que antecederam sua morte, em 1952, por questões de saúde, ocupa espaços na imprensa para atuar como oposição ao governo estadual, agora comandado por Irineu Bornhausen.

Segundo Nunes, ele anulou o concurso de ingresso no magistério. Ao voltar de férias, descobriu que estava aposentada compulsoriamente.

Em um novo episódio racista, um deputado chamou seus textos nos jornais de “intriga barata de senzala”. O racismo foi praticado pelo deputado Oswaldo Rodrigues Cabral, da UDN (União Democrática Nacional).

A historiadora Nunes relata que Antonieta respondeu: “Perguntamos aos amigos: Mas onde foi isto? Na Alemanha de Hitler, ou nos Estados Unidos?”.

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