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Redes sociais foram principal alvo de ações por fake news e desinformação nas eleições de 2018, aponta estudo

Pesquisa mostra que ofensas contra candidatos e falta de entendimento sobre o termo foram recorrentes em decisões judiciais

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São Paulo

A falta de identificação dos responsáveis por conteúdos classificados como fake news durante as eleições de 2018 fez com que as redes sociais se tornassem o principal alvo dos processos judiciais por desinformação durante o pleito.

O Facebook foi a empresa mais citada, figurando como parte em 592 ações, seguida por WhatsApp, pertencente ao grupo, que aparece em 82 processos, Google com 78 e Twitter com 52.

Os dados fazem parte da segunda etapa da pesquisa “Eleições, Fake News e os Tribunais: desinformação online nas eleições brasileiras de 2018”, do Centro de Ensino e Pesquisa e Inovação da FGV Direito SP (Cepi-FGV), que analisou 1.492 processos que tramitaram no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e nos TREs (Tribunais Regionais Eleitorais).

Em 48% dessas ações, as redes sociais apareceram inicialmente como um dos alvos, o que segundo os pesquisados aconteceu pela falta de identificação dos autores dos conteúdos. No decorrer da ação, a tendência observada foi de retirada dessas empresas como polo passivo dos processos.

Ícones dos aplicativos WhatsApp, Facebook e Twitter, entre outros, em tela de smartphone
Ícones dos aplicativos WhatsApp, Facebook e Twitter, entre outros, em tela de smartphone - Oli Scarff/AFP

“É um processo investigativo que envolve um pouco mais de atores do que só o Facebook ou o Twitter, porque os dados nas redes são em certa medida incompletos, porque o nome ali pode ser falso”, afirma o mestre em ciência política pela Universidade de Nova York e um dos coordenadores da pesquisa, Rodrigo Moura Karolczak.

Ele discorda que o caminho para superar o problema seja identificar os usuários, como sugerido inicialmente pelo projeto de lei das fake news, aprovado no Senado e em tramitação na Câmara dos Deputados.

Para Karolczak, a medida feriria o direito à privacidade, além de estabelecer um nível de controle excessivo, o que não é interessante para a democracia.

Uma alternativa, diz, seria a troca de informações entre as empresas e operadoras de telecomunicação para identificar os responsáveis pela informação. Todo o detalhamento deve ser repassado pelo advogado da ação, visto que o juiz eleitoral tem pouco tempo para analisar os processos, ressalta o pesquisador.

Além das empresas, usuários e administradores de páginas aparecem na sequência entre os mais processados, figurando em 41% das ações. A imprensa —a maior parte veículos de baixa circulação e produtores de conteúdo— foi alvo em 25% dos processos.

Os pesquisadores explicam que é possível ter mais de uma categoria num mesmo processo, por isso os totais são superiores a 100%. No caso dos mais processados, a pesquisa destacou apenas as categorias que apareceram em 10% ou mais das ações.

Karolczak diz que, apesar de a pesquisa não ter feito uma análise a fundo para identificar se o conteúdo produzido pelos canais de informação era de fato inverídico, foi possível observar algumas características comuns durante a análise dos processos.

“Tem muitos sites noticiosos que traçam uma linha fina entre o que é opinião, fato, especulação, exagero. Pode-se entender que a pessoa está expressando uma opinião e por ter usado um linguajar mais vulgar, o político entrou com a questão da ofensa a honra e aquilo está sendo analisado não pela inverdade, mas pela ofensa”, afirma o pesquisador.

Os dados mostram que mais de 90% das ações, tanto no TSE quanto nos TREs, tratavam de ofensa à honra. Entre os processantes, 80% eram candidatos, cujo perfil era majoritariamente homem (82%), branco (73%), ocupante de cargo público entre 2016 e 2018 (75%) e com média de idade de 53 anos.

“Por mais que sinalizem conteúdos que são inverídicos ou sabidamente inverídicos, na média os juízes estão primariamente avaliando se o conteúdo é ofensivo. Parece que a questão da mentira é um pouco mais secundária, que foi o que mais surpreendeu na base de dados”, afirma Karolczak.

O pesquisador acrescenta que foi possível notar a menção a condutas como calúnia, difamação ou injúria, que apareceram em 78% das ações na Justiça Eleitoral federal e em 69% nos processos estaduais, como recurso retórico, uma vez que apareceram mais vezes do que os artigos da legislação que tipifica tais crimes.

Termos como propaganda negativa —falar mal de um político— e propaganda irregular —descumprindo as normas eleitorais— também estavam presentes no vocabulário desses processos.

“Há várias decisões dizendo que o conteúdo é fake news, 'propaganda irregular ou negativa'. Essa confusão e popularização do termo dificultou mais o trabalho, porque significa tudo e nada ao mesmo tempo”, diz Karolczak.

O termo sabidamente inverídico apareceu em 77% dos processos nos TREs e em 79% das ações no TSE.

“Não me parece que o fator da inverdade agregou ou foi acompanhado por ferramentas que ajudassem a ler e julgar esse conteúdo de forma interessante”, diz o especialista.​

Sem essas estratégias mais eficientes, na eleição de 2018, a principal resposta a esses processos foi a remoção de conteúdo, que ocorreu em 50% dos processos nos TREs e em 21% das ações no TSE.

Já o direito de resposta é mais raro, concedido em 32% dos processos que tramitaram nas instâncias estaduais e apenas em 3% das ações julgadas pelo Tribunal Superior Eleitoral.

Apesar da remoção, os processos não permitiram identificar o nível de disseminação e os danos provocados pelos conteúdos até o momento da exclusão.

“Falta análise do quanto esse conteúdo se espalhou, se a pessoa publicou no perfil dela ou se foi em algum outro lugar, sutilezas que podem contribuir para termos ferramentas mais eficientes para lidarmos com isso”, afirma o pesquisador, acrescentando que essas questões ainda não fazem parte do debate.

Para as eleições municipais, Karolczak ressalta que, embora tenha ocorrido um avanço ao estabelecer a responsabilidade dos candidatos pela veracidade do conteúdo divulgado, empresas e usuários seguem na mesma condição das eleições de dois anos atrás.

A primeira etapa do estudo, divulgada em dezembro de 2019, mostrou que o presidenciável Fernando Haddad (PT) foi o principal alvo de processos por supostamente espalhar fake news na campanha, com 15 ações, seguido por Jair Bolsonaro (então no PSL, hoje sem partido), com 14 ações, e por Márcio França (PSB), então governador de São Paulo e candidato à reeleição, com 13.

Na outra ponta, Bolsonaro foi, de longe, o candidato que mais moveu processos acusando oponentes de propagarem fake news durante a eleição, com 42 ações, seguido pelo eleito governador de São Paulo João Doria (PSDB), com 26, Suely Campos (PP), que tentou a reeleição como governadora de Roraima, com 25, e Haddad, com 22.​

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