Cidade de SP tem 74% do dinheiro público de campanha na mão de candidatos brancos

Em 11 das maiores cidades do país, principalmente no Sul e interior de SP, negros têm menos de 10% da verba

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Brasília

Maior cidade do país, São Paulo tem assistido até agora a uma grande concentração dos recursos públicos de campanha na mão de candidatos brancos, de acordo com as prestações de contas apresentadas.

A situação reflete uma realidade que se repete em todo o país, que é a dificuldade da implantação, na prática, da determinação do Supremo Tribunal Federal de divisão equânime dos fundos Eleitoral e Partidário entre candidatos negros e brancos.

Na capital paulista, 60% dos candidatos lançados pelos partidos são brancos, mas, até agora, concentram um volume de recursos maior, 74% de toda a verba pública.

No país, dos R$ 1,4 bilhão de dinheiro público declarado pelos candidatos até a quarta-feira (11), 63% estavam nas mãos de brancos, mostra levantamento do projeto 72horas, que acompanha a aplicação da verba pelas campanhas. O índice é similar nas 95 maiores cidades do país, aquelas em que há possibilidade de segundo turno e que reúnem os grandes centros urbanos —60%.

De acordo com os dados informados pelo Tribunal Superior Eleitoral, pela primeira vez candidatos pretos e pardos superam numericamente os brancos, o que, pelas regras, deveria levá-los a ter uma maior volume de recursos.

A análise das prestações de contas das maiores cidades mostra que em 11 delas os brancos estão com mais de 90% dos recursos públicos, com destaques para cidades da região Sul e do interior de São Paulo, como Sorocaba e Guarujá.

A campeã do dinheiro na mão de brancos é Joinville, em Santa Catarina. A cidade tem 87% dos candidatos brancos, que concentram 97% da verba distribuída. Dos 15 candidatos a prefeitos, apenas um se declara pardo.

Das 30 grandes cidades em que a maior parte dos recursos têm sido direcionado para pretos e pardos, o destaque é para Salvador e Caucaia (CE), ambas com mais de 90% da verba para esses candidatos.

De um modo geral, os partidos têm resistido em lançar negros para a disputa de cargos importantes. Em 2016, por exemplo, dos 26 prefeitos eleitos nas capitais, 22 eram brancos e 4 se declararam pardos. Nenhum era preto. Dos 27 governadores eleitos dois anos depois, em 2018, a situação se repetiu: 24 brancos e 3 pardos.

Uma das razões que estudiosos apontam para esse quadro é o histórico baixo investimento dos partidos no lançamento e, principalmente, financiamento de candidaturas de negros.

Neste ano, o STF decidiu forçar as legendas a distribuir as verbas públicas de forma proporcional aos candidatos negros e brancos, mas a quase totalidade dos partidos reclamou da decisão tomada em cima da hora, afirmando ser inexequível sua implantação, no momento.

A mesma dificuldade tem sido observada no direcionamento de verbas proporcionais para mulheres, uma exigência legal já em vigor desde 2018. Apesar de os partidos estarem mais preparados nesse caso para o cumprimento da lei, em muitas situações há desvios, como no escândalo das candidaturas laranjas em 2018, e atraso nos repasses,.

De acordo com os dados do TSE compilados pelo 72horas, apenas 27% do dinheiro distribuído até o momento foi para mulheres, sendo que elas representam 33,6% das candidaturas. Nas grandes cidades, esse índice é ligeiramente maior, 29,8%.

No topo da lista das cidades em que há maior concentração de dinheiro de campanha na mão de homens está Diadema. A cidade tem 33,8% candidatas, mas só 5,7% das verbas foram direcionadas pelos partidos a elas, até o momento.

No extremo oposto, o destaque é Juiz de Fora (MG), com mais de 80% da verba pública para candidatas. Esse número, porém, é proporcionado quase que exclusivamente pelo dinheiro público direcionado pelos antagonistas PSL e PT a apenas duas candidatas. As concorrentes à prefeitura Delegada Sheila (PSL), que recebeu R$ 3,4 milhões, e Margarida Salomão (PT), com R$ 1 milhão.

A observação do cumprimento das regras pela Justiça Eleitoral se dará após as eleições, na análise das prestações de contas finais das siglas e candidatos. Eventual descumprimento ou desvios dessas cotas pode resultar em punições na área eleitoral —como cassação de chapas eleitas, multas e bloqueio de repasse de verbas— e criminal.

Em linhas gerais, os partidos apontam dois argumentos para justificar o descumprimento, até agora. O de que as prestações de contas não refletem ainda a total realidade do que está acontecendo nas campanhas e que o maior volume de recursos chega, normalmente, na reta final. Candidatos, porém, reclamam que têm recebido verba sem tempo hábil para produzir material.

Entre os médios e grandes partidos, aqueles que figuram nos dados do TSE como os com menor índice de repasse de verbas para candidaturas negras, nas maiores cidades, são PDT, PSDB, PTB, PSD e PSL. Os com índice de repasse para negros acima de 50%, a maioria é nanica: DC, Solidariedade, PV, REDE, Patriota, PC do B, PTC, PSTU, Avante, UP e PMB.

Os que aparecem com menos recursos proporcionais direcionados às mulheres nos grandes centros urbanos são DEM, PSB, MDB, Solidariedade e PSDB.

Com recursos acima de 33,6% (o total de candidatas lançadas nacionalmente) estão PMB, PSTU, PC do B, PSOL, UP, PV, PMN, PSC, PODE, PT, DC, PCB e Cidadania.

O PMB, Partido da Mulher Brasileira, tem cumprido tando a cota racial como a de gênero muito em função da expressiva verba pública repassada para a própria presidente da sigla, Suêd Haidar, que se declara preta e disputa a prefeitura do Rio. Ela foi destinatária de um quarto de toda a verba nacional do partido, R$ 320 mil.

Partidos dizem que dados não são os finais

O PDT disse que o partido vai destinar as verbas de acordo com as instruções do TSE e que os números estão abaixo porque ainda são parciais. O PSL disse que se manifestará após a prestação de contas final.

O presidente doo PSB, Carlos Siqueira, disse que o partido orientou todos os seus diretórios a cumprir as regras e é preciso aguardar a prestação de contas final das eleições.

"É claro que vamos levar anos para pagar essa dívida cultural e histórica com os negros, as mulheres. As cotas são importantes, mas não resolvem. E é normal os partidos passarem mais recursos para as candidaturas mais competitivas, que tem mais votos. Se no lugar do João Campos [Recife] e Marcio França [São Paulo] estivesse o Joaquim Barbosa [ex-ministro do STF], haveria recursos do mesmo jeito."

Em nota, o Solidariedade afirmou que está cumprindo "rigorosamente as regras da legislação eleitoral de cota de gênero e tem plena consciência da importância da participação da mulher na política."

A sigla diz que "realizou junto com a sua Fundação 1º de Maio o curso de qualificação política Lidera+, voltado às mulheres de todo país, foram mais de 400 inscritas e 140 selecionadas por meio de edital".

O Solidariedade disse ainda que há município que na composição tem mais mulheres do que homens. "Nas capitais, o recurso foi direto para o candidato e ele dividiu a verba de acordo com a cota de gênero da chapa. A distribuição foi feita pela nacional e os estados ficaram responsáveis por fazer o repasse."

O PTB disse que o fundo ainda está sendo contabilizado pelos candidatos.

O DEM afirmou que cumprirá a lei, repassando 34% da verba para as mulheres. "A observação precoce dos repasses pela prestação de contas parcial, além de ignorar a estratégia eleitoral do partido, desconsidera o fato natural de que o maior aporte de recursos ocorre na reta final das eleições, respeitando o desempenho das candidaturas", diz o partido.

A sigla diz ainda que número relatado não representa o cenário real pois fez repasses para candidatas mulheres que compõem chapas e coligações com a sigla.

O PSD afirmou que os valores foram enviados aos diretórios estaduais, além de dois diretórios municipais, que são responsáveis pela distribuição, com determinação da obrigatoriedade do calculo e cumprimento das regras definidas pela Justiça. "Vale destacar que, conforme dados de receitas de candidatos disponibilizados pelo TSE, 1.255 candidatos a vereador do PSD nas 95 maiores cidades receberam recursos dos fundos partidário e de campanha do partido, sendo 607 (48%) destes negros, destinatários de 51% da verba repassada."

Os demais partidos citados nesta reportagem não se manifestaram.

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