Trans na política são resposta ao bolsonarismo, diz Erika Hilton, 6ª vereadora mais votada em SP

Psolista de 27 anos afirma que suas pautas ficaram espremidas em mandato coletivo do qual participou na Assembleia

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São Paulo

Aos 27 anos, Erika Hilton (PSOL) é a primeira mulher transgênero a ocupar uma cadeira na Câmara Municipal de São Paulo.

A futura vereadora foi a sexta mais votada, com 50.508 votos. Ela chega à Casa ao mesmo tempo que outra pessoa trans, Thammy Miranda (PL), também aparece entre os candidatos mais votados.

Erika diz acreditar que a chegada de pessoas trans à política faz parte de um movimento de reação ao bolsonarismo e às agressões sofridas por essa parte da população.

Ex-estudante de gerontologia da UFSCar e “codeputada” na Bancada Ativista da Assembleia Legislativa, mandato coletivo encabeçado pela deputada Mônica Seixas (PSOL), ela resolveu se candidatar a vereadora por avaliar que sua experiência não foi das melhores nesse modelo de representação e que sua luta precisa de protagonismo.

A vereadora eleita Erika Hilton (PSOL) na Assembleia Legislativa de SP, onde participou de mandato coletivo da Bancada Ativista
A vereadora eleita Erika Hilton (PSOL) na Assembleia Legislativa de SP, onde participou de mandato coletivo da Bancada Ativista - Karime Xavier - 3.dez.19/Folhapress

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Como avalia a eleição de duas pessoas transgênero à Câmara de São Paulo?

Eu enxergo que é uma organização em resposta ao fascismo que o Bolsonaro e o bolsonarismo trouxe para o Brasil. Nós nos sentimos muito acuadas e amedrontadas com a eleição do presidente e percebemos que, se não nos organizássemos e nos colocássemos dentro das Casas Legislativas para tomadas de decisão, talvez nós continuássemos sendo aniquiladas de forma bárbara.

Antes a sra. já fez parte de um mandato coletivo na Assembleia. Como foi a recepção entre os colegas?

A recepção nunca é boa. Nosso corpo é estranho em qualquer lugar. O Parlamento não é aparte da sociedade. Ele é parte da sociedade. E a sociedade é transfóbica, racista. Teve aquele episódio lamentável do deputado dizendo que tiraria uma mulher trans do banheiro aos tapas. Isso se reflete no comportamento de outros fascistóides que lá haviam. É claro que conseguimos abrir terrenos e dialogar com pessoas de outros campos que não a esquerda, porque nem todo mundo é fascista.

Por que agora um mandato individual, não coletivo?

Os mandatos coletivos não são a solução de tudo. A minha experiência não foi das melhores na Bancada Ativista. As minhas pautas ficaram espremidas. A Bancada Ativsta pincelou pessoas vindas de lugares completamente distintos do meu e a minha pauta se viu espremida dentro de um gabinete. E a minha pauta é uma pauta cara, uma pauta de vida, uma pauta urgente para toda a sociedade.

Avalio que os mandatos coletivos possam ser potentes, desde que todos que façam parte dele estejam alinhados ideologicamente. E isso não atendeu na Bancada Ativista. Nos mandatos coletivos quem ocupa a cadeira é a cabeça de chapa, as outras pessoas são coadjuvantes. E não dá para a minha pauta, o meu corpo, ser coadjuvante, eu preciso protagonizar a minha luta.

A esquerda cresceu na Câmara, mas uma bolsonarista e candidatos ligados ao Movimento Brasil Livre foram eleitos. Acredita que haverá maior polarização e confrontos?

Esses fascistas gostam desses embates ideológicos, gostam de se promover em cima do sofrimento, da dor, da miséria humana. Na Câmara, não será diferente. O cenário vai ser um pouco menos pior do que da Assembleia porque a Assembleia é ainda mais reacionária.

Mas nós temos ainda [o vereador Fernando] Holiday, temos tantos outros que são abertamente fascistas e que usam desse lugar para promoverem o ódio, para promoverem a discriminação e a violência. Apesar de algumas pessoas estarem na direita, ainda é possível ter diálogo. Mas tem pessoas que não há como dialogar, vai ser embate, vai ser valer os direitos humanos, a Constituição, o regimento.

Como vereadora o que pode fazer pela população trans?

Por exemplo, ampliar as vagas do projeto Transcidadania, melhorar o projeto para que tenha continuidade, para que tenha parceria com empresas para que depois de dois anos as meninas não precisem voltar para a prostituição, para o drogadicídio.

Casas de acolhidas que precisam ser abertas para atender homens trans, em situação de vulnerabilidade. Temos muitas pessoas trans em situação de rua, é preciso encontrar alguma forma dos albergues lidarem com essa população de forma mais humana. Enfim, promover a dignidade humana a partir do emprego, da moradia, não é inventar a roda. É dar direito de cidadania para quem tem ele negado e agora terá uma porta-voz que gritará bem alto para que esse direito seja ouvido.

Quais são suas prioridades em outras áreas?

Temos uma questão muito séria com o setor cultural. Nós precisamos aumentar o orçamento da cultura, descentralizar a cultura, descriminalizar a cultura nas periferias. Temos um problema sério com as pessoas em situação de rua. É inadmissível que São Paulo tenha mais prédios vazios do que pessoas dormindo nas calçadas.

A plataforma do Covas no segundo turno, ao que tudo indica, será pintar Guilherme Boulos e o PSOL como radicais. Vocês são radicais?

Não somos radicais. Acreditamos em um outro modelo de sociedade, propomos uma coisa completamente diferente do que os tucanos trouxeram até agora e por isso nos chamam de radicais.

Ser radical é querer erradicar a fome, acabar com a desigualdade, garantir moradia digna, saúde, educação? Nós somos radicais. Mas não é nesses termos [que colocam], eles nos colocam como radicais para criar pânico moral nas pessoas. Vamos ser os comunistas, vamos invadir casas etc. Acreditamos que todo mundo precisa de moradia, emprego, transporte, educação. Isso não é ser radical, é ser político com o povo e para o povo. A política deles é de privatização que gera miséria, mazela e pobreza.

Num eventual governo Covas, como seria a postura da bancada do PSOL?

Tem coisas que são inegociáveis. Tem coisas que não dá para negociar. Precisamos ser resistência, obstruir, ser um dedo na ferida. Outras coisas talvez seja possível chegar a um consenso, a uma mediação e negociar. É claro que ninguém está aqui para fazer guerra, mas nós sabemos que estamos em campos distintos e que Covas fez uma gestão péssima e não dá para conciliar com quem não tem respeito pelos mais pobres, direitos humanos, pela vida das pessoas. Espero que ele não se eleja, mas que se se eleger, esteja preparado para o enfrentamento.​

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