'Vão ter que aprender a conviver comigo', diz primeira mulher negra eleita vereadora em Curitiba

Professora, Carol Dartora (PT) teve a terceira maior votação na capital paranaense

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Curitiba

A professora Carol Dartora, 37, demorou para se sentir parte de Curitiba, mesmo tendo nascido, crescido, formado família e feito carreira na cidade.

Negra, foi ainda na escola que ela teve o primeiro contato com a violência racial, em especial contra as mulheres. “Eu pensava: ‘Meu Deus, por que nasci aqui e não na Bahia?'”, conta.

No domingo (15), ela acabou escrevendo um novo capítulo na história política da capital paranaense ao se eleger vereadora. É a primeira vez que a Câmara Municipal da cidade vai contar com uma mulher negra na sua bancada.

Apesar de ser a capital do Sul do Brasil com maior número de pessoas autodeclaradas pretas, Dartora aponta que Curitiba ainda é vendida como uma cidade branca, resultado da colonização predominantemente europeia.

É dessa percepção errônea que Carol Dartora tirou a inspiração para começar a ocupar os espaços públicos comuns a homens brancos.

A professora Carol Dartora com o braço esquerdo levantado e o punho cerrado
A professora Carol Dartora (PT), primeira vereadora negra da história de Curitiba - Brunno Covello/Folhapress

Com a ajuda dos pais, militantes do movimento negro, passou do ensino básico à universidade, ao mestrado e, agora, ao doutorado em educação.

Já como professora, reconheceu sua própria história em alunas adolescentes negras e as usou como tema para tese. O debate sobre a invisibilidade da negritude curitibana a levou também para o feminismo, percebendo a falta de representatividade em ambos os caminhos.

Foi num grupo de estudos da UFPR (Universidade Federal do Paraná), intitulado política de/por/para mulheres, que surgiu o último empurrão para a política.

“Estava dando uma aula de história da mulher na política brasileira e falava das dificuldades de ocupar esse espaço. Aí as alunas perguntam: ‘Tá, Carol, mas quantos vezes você se candidatou?’ Aí entendi, agora é a hora”.

A hora se somou com um movimento mundial de visibilidade em torno de causas até então pouco discutidas, como o racismo e o machismo estruturais, o que, para Dartora, contribuiu para sua eleição e de outras tantas candidaturas de grupos minoritários pelo Brasil.

“Não daria mais pra continuar falando de democracia no Brasil sem superar essas exclusões históricas. Claro que não foram superadas, mas [essa eleição] é uma demonstração que as pessoas estão com mais compreensão a respeito dessas exclusões e entendimento de que isso tem que ser mudado e transformado.”

Dartora não só foi eleita, como foi a terceira colocada em número de votos: 8.874. Assim, ela ajudou o PT, seu partido, a eleger mais dois representantes, triplicando a bancada na Câmara. Entre eles está Renato Freitas, um advogado negro que mora na periferia da cidade.

A expressiva votação é atribuída por ela à denúncia que fez em torno da sub-representividade. “Trouxe esse debate ao direito à cidade mostrando que a população negra de Curitiba sofre esse apagamento. Quem nasce e vive aqui sabe desse discurso."

Além das pautas em torno da educação, combate ao racismo e ao machismo, Dartora já pensa em incluir a violência política entre os pontos a serem explorados pelo mandato.

Ela recebeu ao menos 500 ataques racistas pelas redes sociais e conta que, mesmo em uma legenda progressista, sofreu com conflitos internos e na busca por verbas durante a campanha.

“Acharam uma surpresa [a minha eleição], eu não era a aposta. Faltou leitura do momento, porque, na minha intuição, eu já via que poderia rolar. [...] O machismo e o racismo no Brasil são tão fortes que, mesmo no campo progressista, isso também é muito forte”, avalia. Entre os três eleitos do PT em Curitiba, Dartora foi a que menos arrecadou dinheiro: R$ 45,4 mil.

Mesmo assim, percorrendo a cidade em campanha, ela não tirou o botton com a estrela vermelha do peito.

O antipetismo, para a professora, existe em menor escala em Curitiba do que consta no imaginário da cidade, terra da operação Lava Jato e onde o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ficou preso por meses.

“Eu resgatava todo o legado do PT e isso era muito importante para as pessoas. Mais do que isso, elas olhavam para o meu rosto e tinham certeza absoluta de que eu sabia do que estava falando. Seria muito diferente se o padrão dos eleitos, o homem branco de 45 anos, chegasse para a pessoa para falar de machismo”, afirma.

Questionada sobre como deve conviver com seus pares na Câmara a partir de 2021 —ainda, na maioria, homens e conservadores—, Dartora acredita que a ordem de incômodos tem que ser revista também na política. Para a professora, são eles que terão que mudar, não ela.

“Não vai ser nada de diferente do que sempre foi na minha vida. Sempre tive que estar em espaços em que a maioria das pessoas são brancas e onde deveria ter mais mulheres. Vai ser um aprendizado para eles, que vão ter que aprender a conviver comigo, a ouvir coisas que talvez nunca ouviram, olhar para um tipo de sujeito que nunca olharam em suas reuniões, ouvir debates que talvez nunca escutaram, vai ser um grande aprendizado para essa Câmara.”

Além de Dartora, outras sete mul heres vão ocupar cadeiras na Câmara Municipal, mantendo a mesma bancada feminina do último pleito. Com isso, apenas 32 mulheres se elegeram vereadoras em Curitiba desde 1947 —número menor que o total de assentos, 38.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.