Em domingo de forte calor, eleitores foram às urnas para o primeiro turno da eleição municipal em São Paulo e encontraram esquema rigoroso de prevenção à Covid-19. Em algumas seções, no entanto, não faltaram aglomerações e filas para achar locais de votação que mudaram este ano, boca de urna, ruas cheias de santinhos e caneta individual vendida a R$ 2.
A Folha percorreu as cinco regiões da cidade e viu pedidos de “ô galera, não vamos aglomerar aí”, eleitores com a máscara no queixo que cobriam o nariz apenas na hora de entrar na zona eleitoral e idosos paramentados para evitar se infectar.
Um dos primeiros a entrar no colégio Dante Alighieri, nos Jardins (zona oeste), foi o vendedor Kenji Yamamoto, 80, que às 7h já batia ponto na terceira maior zona eleitoral da capital com um kit anti-coronavírus: máscara, óculos de proteção, luvas, caneta, álcool em gel. Também foi a pé e sozinho até o local. O verde e confirma “foi à jato, não demorou um minuto”, contou ele, que votou para reeleger Bruno Covas (PSDB).
Durante a manhã, as seções estavam vazias, e a maioria dos eleitores eram idosos. Todos disseram ter se sentido seguros para votar. Neste ano, o horário foi estendido, e o intervalo das 7h às 10h foi designado preferencialmente para os mais velhos.
De bengala, luva e máscara, o aposentado José Roberto Cersosimo, 77, disse que foi o candidato Andrea Matarazzo (PSD) que o fez sair de casa. Mas, dessa vez, trocou a ida às urnas pós-almoço para antes das 8h. É que mais tarde “vem essa galera que sai, vai para clube”, disse.
A médica Ethel Chehter, 61, confessa que estava com medo de “chegar e estar uma muvuca”. “Fiquei super em dúvida, mas está super organizado. Votei num palito, não tinha ninguém. Eles nem pegaram no meu documento”, diz ela, que também votou no tucano.
Pai e filho que não são obrigados a votar também fizeram questão de ir às urnas. Valdemar Gomes Ribeiro, 70, diz ter escolhido Celso Russomanno (Republicanos). Já o filho, Rafael Ribeiro, 16, foi de Arthur do Val. “Eu acompanho ele no YouTube e considero coerente. É importante ouvir a voz dos jovens”, disse.
Em outros cantos da cidade, no entanto, zonas eleitorais tiveram fila e reclamação por causa da mudança de seções dos eleitores. Eles conferiam a informação no aplicativo e-título e no site do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), mas uma vez no local, encontraram dificuldade para descobrir o novo número.
Um exemplo foi o colégio Santo Agostinho, na Aclimação, região central da cidade, que recebeu os eleitores que votavam na Escola Estadual Caetano Campos, na Consolação, tradicional ponto eleitoral na capital que foi desativado este ano.
“Ninguém sabe para onde foi a seção e não tem aviso de que ela foi excluída. O mesário não tem informação, o aplicativo não atualizou”, reclamou a dentista Priscila Conti, 28, no Colégio Salesiano, em Santana, na zona norte. “Tem que trazer a caneta, mas aglomerar [na fila para procurar o número] pode."
A capital tem cerca de 8,9 milhões de eleitores aptos a votar, o maior quantitativo do país. Este ano, houve mudança em 127 locais de votação no estado, sendo 20 na capital e 17 na região metropolitana. As mudanças foram feitas por razões "operacionais" e não têm relação com a pandemia, segundo o TRE-SP (Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo).
Quem esqueceu a caneta podia votar com a disponibilizada pela Justiça Eleitoral. Ou comprar uma a R$ 2 com o vendedor ambulante Anderson Antunes, 41, em frente à Universidade São Judas Tadeu, na Mooca, zona leste. “Eu vendo pano de prato, agulha, água, bala no farol, mas vi isso da caneta na TV e decidi trazer hoje. Tem que inovar”, conta ele, que já tinha zerado uma caixa com 50 unidades e abria a segunda.
Já o movimento na barraquinha de máscara e álcool em gel era fraco. A vendedora tinha comercializado 25 unidades a R$ 5 cada e desconfiava que a procura não foi grande porque os eleitores já vinham com o item de casa.
Alexandre Attia, 35, esperou o relógio marcar 10h para ir votar “bem basiquinha”, com saia vermelha, blusa rosa e colar colorido, na PUC (Pontifícia Universidade Católica), em Perdizes, na zona oeste. Ele, que trabalha como drag queen, não se montou com a personagem para evitar confundir o mesário.
“Coloquei só uma sombra e um rímel. Mas tem um tênis, um boné aba reta, que as pessoas veem como masculino e aí uma unha pintada de vermelho”, brinca ele. Perguntado se estava recebendo olhares tortos, riu: “só agora foram uns 80".
Gay, ele questiona “como em 2020 a gente ainda está discutindo que gênero é uma construção". "Eu existo no mundo, posso me expressar e mereço ser respeitado”, disse Attia, que foi em Guilherme Boulos (PSOL) e Erika Hilton (PSOL), mulher trans que disputa uma vaga na Câmara Municipal.
A chegada de Boulos à PUC causou aglomeração na segunda maior zona eleitoral da capital, que tem quase 18 mil eleitores aptos a votar.
O candidato foi ovacionado aos gritos de “segundo turno” e “fora Bolsonaro”. Mas também ouviu os críticos. Quando perguntado sobre o que estava causando tanto furor, um eleitor respondeu: “É aquele babaca do Boulos”.
Enquanto o candidato de esquerda passava, a cabeleireira e maquiadora Milleny Ambar, 24, se disfarçava na fila. “Eu votei nesse daí [Bolsonaro]”, cochicha ela, declarando seu voto para a prefeitura em Celso Russomanno (Republicanos).
“Queria votar no ‘Mamãe Falei’ [Arthur do Val], mas ele não tem chance de combater o Covas”, diz Ambar, que estava com a filha de dois anos no colo e encarava uma fila longa antes de se dar conta que seria um voto preferencial.
Ela conta ter saído da Freguesia do Ó, na zona norte, para votar em Perdizes, mas que não sentiu receio pela pandemia. “Eu já vou trabalhar todo dia e levo ela comigo para o salão.”
Aos 90, a professora aposentada Eres Focesi também não se furtou de participar da votação, acompanhada da irmã, Maria Cecília Pelicioni, 74, e do cunhado Américo Pelicioni, 84. Os três andavam com dificuldade na saída da PUC, em meio a calçada cheia de barraquinhas de comida e roupa a bijuteria.
“Mas fizemos questão por tudo que está acontecendo no Brasil, com esse presidente. Acho que o Boulos vai para o segundo turno”, disse a professora Maria Cecília, que votou no candidato do PSOL, assim como o médico Américo. Já a irmã preferiu Covas.
A maior zona eleitoral da cidade, no Centro Universitário Anhanguera, no Campo Limpo (zona sul), foi o único local onde a reportagem presenciou boca de urna. Um homem chegou a abordar a repórter e o fotógrafo dizendo “só deixo passar se pegar o papelzinho”.
A boca de urna constitui crime com pena de detenção de seis meses a um ano, com alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e multa no valor de R$ 5.320,50 a R$ 15.961,50
No entanto, não havia policiamento próximo. Também sem varrição, foi a calçada mais suja com santinhos dos candidatos.
Vários descumpriram a orientação do TSE de não levar crianças para a seção eleitoral e entraram no espaço com a máscara no queixo ou deixando o nariz de fora. Por lá, são quase 26 mil eleitores aptos a votar. Duas urnas deram defeito, mas foram rapidamente repostas.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.