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LATINOAMÉRICA21 Coronavírus

Campanha (eleitoral) de vacinação

Bolsonaro, ao invés de tomar atitude de estadista, se dedicou a guerras culturais; Doria hasteou bandeira da luta contra Covid

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Juan Vicente Bachiller

Professor de Políticas Públicas na Universidade Federal Fluminense. Doutor em Ciências Políticas pela Universidade de Salamanca. Pós-doutorado no Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

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Se há algo que Bolsonaro não pode ser culpado é por sua falta de consistência ao lidar com a crise sanitária desencadeada pelo coronavírus. Se, desde o início da pandemia, ele se juntou ao grupo de governantes que negaram a necessidade de distanciamento social, juntamente com Trump, Johnson ou López Obrador, hoje, com o primeiro no final de seu mandato e os outros aderindo à fé dos convertidos em diferentes programas de vacinação, o presidente brasileiro é o único que continua questionando as recomendações da comunidade científica internacional.

Ser coerente, entretanto, não é o mesmo que ser consequente. Independentemente do terrível custo em vidas humanas que esta atitude impõe ao Brasil, o fato de o presidente se opor a liderar a luta contra a pandemia em seu país, um assunto central na agenda política global, pode ser uma estratégia equivocada a fim de maximizar suas chances de ser reeleito em 2022. O negacionismo pode servir para segurar os eleitores mais radicalizados, mas eles são claramente insuficientes para repetir os resultados de 2018.

A recusa de Bolsonaro de tomar uma posição decisiva contra a pandemia, em um primeiro momento evitando medidas de distanciamento social e depois recusando-se a liderar uma campanha de vacinação, deixou um enorme buraco político. Na esfera pública, no entanto, essas lacunas são rapidamente preenchidas. Assim, quando aqueles que deveriam estar assumindo a liderança renunciam a sua responsabilidade, candidatos alternativos surgem imediatamente para ocupar seu lugar.

O chamado efeito "rally'round the flag" poderia ser definido como "o fenômeno do se agrupar detrás da bandeira" em circunstâncias excepcionais, como uma guerra ou uma crise de grande magnitude. Este efeito tem sido observado durante a crise do coronavírus, onde se pode observar como os cidadãos muitas vezes dão apoio maciço ao governo.

No entanto, dado que Bolsonaro, ao invés de tomar uma atitude de estadista e liderar a nação, se dedicou mais uma vez as suas guerras culturais, às vezes culpando a comunidade científica, outras vezes a China e outras vezes aos governadores e prefeitos, a bandeira da luta contra a pandemia, que estava no chão e foi pisoteada, acabou sendo hasteada por outros. A oportunidade começou a ser aproveitada já nos meses de confinamento por vários governadores que tiveram que se encarregar da situação. O mais destacado é João Doria, no estado de São Paulo.

Mas se Bolsonaro pretendia fugir de sua responsabilidade e transferi-la para os níveis inferiores do governo, o fato é que a mudança não acabou seguindo o caminho que ele esperava. Doria, o governador do maior estado do país, assumiu imediatamente um grande espaço na mídia para se apresentar como o governante que lideraria a luta contra a pandemia.

A projeção midiática de Doria, do estado de São Paulo para o resto do país, começou a acontecer uma vez que, após o lançamento das diferentes vacinas, a saída da crise começou a ser vista no horizonte. No entanto, seu sucesso será consolidado quando a população for massivamente imunizada.

Por outro lado, Bolsonaro, além de desconsiderar as medidas de isolamento social, tratou a questão do fornecimento de vacinas de uma forma ideológica. Ele se recusou a garantir o fornecimento daqueles provenientes da China, enquanto negligentemente falhou em garantir a prioridade no fornecimento daquelas desenvolvidas na Europa e nos Estados Unidos.

Aproveitando a oportunidade, o estado de São Paulo garantiu, através do Instituto Butantan, um centro de pesquisa dependente do governo paulista, a produção da vacina chinesa desenvolvida pela Coronavac. Desta forma, o governador Doria se encontra, atualmente, em condições de implementar uma campanha de vacinação não apenas para seu estado, mas para o país como um todo.

Se as expectativas de Doria forem cumpridas, ele se tornaria a autoridade para liderar a saída da crise sanitária diante da atitude obstrucionista de um presidente que, devido a negligência voluntária, incapacidade, ou ambas, tem sido mais um problema do que uma solução nesta crise.

Assim, a campanha de vacinação, além de ser um esforço extraordinário para restaurar as condições de saúde pública no país, torna-se o primeiro episódio das eleições de 2022. É por isso que o governo Bolsonaro está tentando deter as aspirações do plano de Doria de vacinar toda a população brasileira, o que faria dele um líder a nível nacional. Seja tentando pular no trem da campanha e tentar centralizá-la, ou desacreditando a eficácia das vacinas e desencorajando seu uso pela população.

Entretanto, o fato de Doria poder, por seu próprio mérito e devido à inaptidão presidencial, tornar-se momentaneamente o portador da bandeira da vacinação nacional não lhe garante uma posição de partida vantajosa nas próximas eleições. Como ainda faltam dois anos para a eleição, que é uma eternidade na política brasileira, neste momento tudo o que pode ser dito é que Doria apresentou suas credenciais.

Para se tornar um candidato a ser considerado, antes de tudo, o eixo do confronto deve deixar a dinâmica "Lula vs. Bolsonaro" na qual o presidente está atualmente bastante confortável. Isto exigiria a renúncia mais que improvável do Partido dos Trabalhadores para apresentar um candidato forte em 2022. Por sua vez, o Partido da Social Democracia Brasileira de centro-direita, ao qual Doria pertence, deveria melhorar sua penetração eleitoral em todo o território, atualmente limitado ao sudeste, especificamente ao estado de São Paulo.

Seja como for, o que é claro é que nas circunstâncias atuais, o fator fundamental para explicar a ascensão ou queda das diversas lideranças políticas ao redor do mundo é a forma como a pandemia tem sido tratada. Bolsonaro decidiu apostar em uma postura negacionista e, fiel a seu estilo, optou pelo confronto com inimigos imaginários em vez de tentar administrar a crise.

Embora seja muito cedo para avaliar se esta estratégia poderia fazê-lo perder seu mandato em 2022, o que é claro é que com seus erros ele permitiu o surgimento de candidatos alternativos no campo da direita. Parece, portanto, que nas próximas eleições haverá novos concorrentes, e que o "eixo petismo-antipetismo" não será o único relevante. Nessas circunstâncias, João Doria poderá concorrer como o candidato que liderou a luta contra a pandemia.

Tradução do espanhol por Maria Isabel Santos Lima

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