Com doações e parcerias, grupos de renovação elegem prefeitos e expõem dilemas

Ampliar diversidade e medir o quanto são decisivos nas urnas são seus próximos desafios

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São Paulo

A reeleição de Edvaldo Nogueira (PDT), 59, como prefeito da capital Aracaju (SE) e de Raquel Lyra (PSDB), 42, em Caruaru (PE), tem um ponto em comum com a eleição de Arão Jovino (PSD), 28, na pequena Ascurra, município catarinense onde vivem cerca de 8.000 pessoas. Todos integram grupos de qualificação e renovação política.

Nessas eleições municipais, de acordo com levantamento feito pela Folha com os movimentos Raps (Rede de Ação Política pela Sustentabilidade), RenovaBR, Agora, Acredito e Livres, 28 candidatos com esse perfil foram eleitos ou reeleitos para prefeituras, em cidades do Sudeste e do Nordeste, mas também no Sul e Centro-Oeste.

Em termos partidários, os integrantes transitam entre siglas de diferentes linhas ideológicas. O Podemos tem cinco eleitos. O Progressistas, quatro, PSD e MDB, têm três eleitos cada um. Solidariedade tem três, e PDT, dois.

Um mosaico com 28 retratos, apenas três de mulheres
Prefeitos eleitos e reeleitos de grupos de qualificação e renovação política - Divulgação

Com exceção da Raps, criada em 2012, e do Livres, de 2015, essa é a primeira eleição municipal para a maioria desses grupos, que trabalham com diferentes plataformas e objetivos.

O balanço que fazem em relação ao resultado dos pleitos é positivo, embora eleger quadros não seja a finalidade de todos, como ponderam Raps e Agora.

“Esse foi o melhor resultado da Raps em eleições municipais em oito anos da nossa história”, afirma a diretora-executiva da rede, Mônica Sodré. De 53 candidatos do grupo que disputaram o Executivo, 32% foram eleitos.

A cientista política explica que o movimento atua em três frentes, com formação, agenda e rede de conexões, buscando a qualificação da ação política.

“A nossa preocupação não é renovar a política. Para a gente, o problema da política brasileira é de outra ordem e está relacionado à qualificação dos atores políticos, sejam eles novatos ou já eleitos."

Edivaldo, um homem mais velho e de óculos e vestindo camisa, olhando para a câmera com uma rua ao fundo
O prefeito reeleito de Aracaju (SE), Edvaldo Nogueira (PDT), líder da Raps (Rede de Ação Política pela Sustentabilidade) - Divulgação

Político há mais de 30 anos, Edvaldo assumiu o primeiro mandato em 2006, após Marcelo Déda (PT) deixar a Prefeitura de Aracaju (cidade de 665 mil habitantes) para disputar outro cargo. Ao concluir o segundo mandato, em 2013, conheceu a Raps.

“Nesses quatro anos em que fiquei sem mandato participei de eventos, de cursos, reuniões e me tornei um líder Raps. Recebi muita contribuição da Raps, principalmente na ideia de cidade sustentável e inteligente, que foi algo que agregou muito para o meu mandato agora”, diz.

Com um convênio com o Instituto Arapyaú, que obteve por meio do movimento, conseguiu criar na capital sergipana um departamento de inovação e implantar projetos, como matrículas online, prontuários eletrônicos e semáforos inteligentes.

“Hoje temos 1.100 serviços que a pessoa consegue fazer sem sair de casa”, afirma o prefeito, que foi reeleito para o quarto mandato no pleito municipal deste ano.

Raquel, uma mulher jovem, com a vista de Caruaru ao fundo
A prefeita reeleita de Caruaru, Pernambuco, Raquel Lyra (PSDB), líder da Raps (Rede de Ação Política pela Sustentabilidade) - Divulgação

O instituto também contribuiu com a gestão de Raquel em Caruaru, cidade de 365 mil habitantes. Ali a parceria foi para criar uma central de vagas em creches que ajudou estabelecer critérios para o atendimento.

“Minha maior bandeira é transformar Caruaru pela educação. Eu consegui construir, por meio da Raps, uma quantidade de parcerias que hoje conseguem me apoiar a fazer a diferença aqui na cidade. O resultado prático disso é que tive o maior Ideb da nossa história, tanto nos anos iniciais quanto nos finais”, afirma.

Além da Raps, Arão —jornalista e primeiro político da família— integra o Renova, escola de formação de novos políticos criada pelo executivo Eduardo Mufarej, e o Agora, uma plataforma voltada para formulação de políticas públicas, que ajudaram a financiar a campanha.

“O movimento ajudou, seja com doação via vaquinha ou doadores de forma direta e com a construção de um plano de governo, e isso é importante frisar, porque em cidades como a nossa, de 8 mil habitantes, as pessoas não estão acostumadas a ver candidato com plano. Foi o que os eleitores mais comentaram durante a campanha”, afirma.

Em 2017, ele foi selecionado pela Fundação Lemann para um programa de formação de líderes públicos, com um curso na Universidade de Oxford, no Reino Unido. Em 2018, disputou a primeira campanha, concorrendo ao cargo de deputado federal.

Um rapaz de barba de camisa jeans no meio de uma rua
Arão Josino (PSD), eleito prefeito de Ascurra (SC). Integra Raps, RenovaBR e Agora - Divulgação

Os cinco grupos lançaram 184 candidaturas para prefeituras, sendo 47 mulheres (26%) e 50 de negros (27%), somando os autodeclarados pardos e negros. Dentre os 28 eleitos, 3 são mulheres (11%) e 8 negros (29%).

Lara Mesquita, cientista política e pesquisadora da Fundação Getúlio Vargas, aponta que o número de candidaturas de mulheres a prefeituras ficou acima da média nacional, de 13%, mas foi menor em relação aos negros, 36%.

Em relação a eleitos no cenário nacional, o percentual das mulheres foi de 12% (652) e o de negros de 31% (1.747).

Ela acrescenta que uma questão ainda a ser respondida é o quanto esses grupos de renovação ajudam na eleição de pessoas que não conseguiriam assumir um mandato sem tal apoio, ponderando que os partidos políticos também promovem formações e que esses grupos não detêm o monopólio dos eleitos que defendem inovação nos mandatos.

Em relação à representatividade, a diretora executiva do RenovaBR, Irina Bullara, afirma que 33 alunas se candidataram a prefeituras nessas eleições e que, para apoiá-las, foi criado um grupo só de mulheres com a participação de uma psicóloga. Ao longo da campanha, elas sofreram com o sexismo e, em alguns casos, ameaças de morte.

“Infelizmente, uma única foi eleita. A gente tem que olhar isso dentro de uma situação estrutural brasileira, mas ficamos felizes que já tenha um exemplo para mostrar para as mulheres que é possível chegar lá”, diz.

De família de políticos, como Fernando Lyra, ministro da Justiça no governo Sarney, Raquel conta que, após deixar dez anos no serviço público e ingressar na política em 2010 —como deputada estadual mulher mais votada—, agora enfrenta desafios por ser uma mulher jovem no meio. “Hoje consigo ter clareza do que é uma construção machista e conservadora."

Na avaliação de Mônica, para que o aumento da representatividade de candidaturas se reflita no de eleitos, é preciso uma mudança de olhar nos partidos, garantir recursos para as campanhas e, no caso das mulheres, uma rede de apoio. “O bonde da história está passando e é parte do trabalho dos partidos abraçar essa causa, que é de homens e mulheres e não só feminina."

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