Após meses sem se encontrar pessoalmente para celebrar o tradicional culto das quartas-feiras no Congresso, a bancada evangélica voltará a se ver cara a cara nesta quinta-feira (17).
Neste dia, os mais de cem membros atuantes da mais bolsonarista das frentes parlamentares, ou aqueles que se dispuserem a votar presencialmente na Câmara dos Deputados, elegerão quem será seu presidente de 2021 a 2022, um biênio às voltas com uma eleição presidencial e os reveses de uma pandemia que já matou mais de 180 mil brasileiros.
A disputa está entre dois candidatos que já contraíram e se curaram da Covid-19: Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), braço político da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, a igreja do pastor Silas Malafaia, e Cezinha de Madureira (PSD-SP), afilhado político do bispo Samuel Ferreira, do poderoso Ministério Madureira da Assembleia de Deus.
O pai de Samuel, o ex-deputado Manoel Ferreira, já presidiu o bloco religioso, de 2008 a 2009.
As eleições para a bancada costumavam acontecer em clima de aclamação: todos convergiam em um mesmo nome, sem necessidade de votação. Porém, em reprise do pleito passado, a corrida de agora não chegou a um consenso às vésperas da escolha.
Em 2019, seis deputados —entre eles Sóstenes, Cezinha e Flordelis (PSD-RJ), afastada sob suspeita de envolvimento na morte do marido— se inscreveram. Só no dia todos abriram mão, e Silas Câmara (Republicanos-AM) acabou vitorioso.
Para a próxima presidência, o deputado aliado de Malafaia propôs que ele e Cezinha dividissem a liderança: cada um lidera a bancada por um ano, em vez de um só nos dois anos.
Nos bastidores, colegas falam que Cezinha resiste à ideia. À Folha o parlamentar da igreja de Madureira diz: "Deixa eu lhe falar, o estatuto [da Frente Parlamentar Evangélica] diz que é dois anos [o mandato]. Ele quer conversar, claro que estou disposto. Parlamento é parlar, é conversar. É meu amigo".
"Se ele não quiser a composição, nenhum problema. Sempre disse que não é praxe ter disputa eleitoral, para evitar justamente este clima desagradável de disputa", diz Sóstenes, que fala em abdicar da candidatura se não houver acordo.
"Espero sinceramente que não haja eleição, e sim aclamação, pois essa é a nossa tradição", afirma Marco Feliciano (Republicanos-SP).
Cezinha enfrenta certa resistência entre seus pares porque está no primeiro mandato na Câmara —o atual presidente é deputado desde 1999, e Sóstenes estreou em 2015.
Também houve reclamações sobre Cezinha, antes mesmo da eleição acontecer, ter dado a entender no Palácio do Planalto que assumiria o comando da bancada. Já acharam precoce ele se oferecer como candidato dois anos atrás, quando nem sequer havia tomado posse no Congresso.
Seu nome, contudo, vem ganhando força, e ele tem uma vantagem sobre o oponente: a ligação de Sóstenes com Malafaia é um incômodo para parte dos deputados. É uma amostra da rixa entre denominações evangélicas que contamina os parlamentares que as representam em Brasília.
Seja quem for, o certo é que tanto Sóstenes quanto Cezinha prometem alinhamento ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em prol da agenda conservadora.
Leia-se: causas LGBTI, aborto e o que eles chamam de "ideologia de gênero", termo recorrente entre religiosos contrários ao debate sobre diversidade sexual e identidade de gênero.
"É a pauta que você já sabe. Trabalharemos para continuar a pauta conservadora", afirma Cezinha. "Acima de tudo, o Brasil precisa dar certo."
Sóstenes destaca outro front, a questão das dívidas tributárias das igrejas, e defende também um levantamento das bancadas evangélicas entre em Câmaras Municipais e Assembleias Legislativas de todo o Brasil. "Precisamos até mesmo para dimensionar onde estamos subrepresentados."
A semana será tomada por agendas presenciais da bancada, incluindo uma "solenidade de ações de graças" marcada para esta quarta-feira (16) no Planalto, com a presença do presidente e da primeira-dama, Michelle Bolsonaro.
Entre esta segunda (14) e terça (15), a praça dos Três Poderes sediou uma vigília de 24 horas organizada pelo bloco evangélico.
Silas Câmara, o atual líder, começou o ato pedindo aos presentes que levantassem a mão "para dizer muito obrigado para Deus".
"Depois de um ano triste, em que o mundo inteiro está sofrendo, o Brasil também teve sua parte no desafio de vencer a Covid. Mas nós somos uma nação que Deus visitou. Enquanto vários países estão saindo da crise com a sua economia devastada, afundada, Deus deu ao Brasil uma oportunidade. Nós saímos melhor do que os outros. Logo vamos voltar ao rumo da prosperidade, da bênção, da paz e da família feliz."
Ele, que também é pastor, pregou sobre "um princípio profético que diz: onde tiver dois ou três, e aqui não estamos em dois ou três, estamos em muito mais, dizendo que Deus é o Senhor da nação brasileira. Este é nosso objetivo. Que o inferno ouça, que Satanás pegue a sua mala, a sua trouxa, e se afaste desta nação, porque ela é do Senhor Jesus Cristo".
Quando chegou ao ato a ministra Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos), Silas convidou quem estava em volta, ao ar livre, "a chegar mais perto um pouquinho, dentro do que é o afastamento normal". Quase todos de máscara.
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