Empresa americana apoiada por Eduardo Bolsonaro fará pistolas com o Exército

Exército aprova plano de nacionalizar armas da SIG Sauer na Imbel, negócio revelado pela Folha

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São Paulo

Após lobby do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente, uma empresa norte-americana recebeu autorização do Exército para fabricar suas pistolas em versão nacional na Imbel, estatal de armas ligada à Força.

Com boné da SIG, Eduardo Bolsonaro pratica com pistolas da marca no Clube Camuflagem, em Brasília
Com boné da SIG, Eduardo Bolsonaro pratica com pistolas da marca no Clube Camuflagem, em Brasília - Reprodução Eduardo Bolsonaro no YouTube

O decreto do comandante do Exército, general Edson Leal Pujol, foi publicado nesta quinta (17) no Diário Oficial da União.

Segundo o texto, a SIG Sauer teve o plano de nacionalização de pistolas de calibre 9mm P320, em três modelos e suas variantes, aprovado.

A negociação teve apoio de Eduardo, um entusiasta de armas que nunca escondeu sua pressão para abrir o mercado nacional e quebrar o virtual monopólio da brasileira CBC/Taurus, uma das líderes mundiais de fabricação de armas leves.

Como a Folha mostrou em junho, a negociação tocada pelo Exército incomodou alguns setores da Força, que viam uma ingerência indevida do deputado. Ele promoveu a SIG Sauer tanto na internet, com vídeos e postagens em redes sociais, como recebendo representantes da empresa.

Ainda não há um detalhamento de custos da operação. A Imbel (Indústria de Materiais Bélicos do Brasil) é uma empresa pública ligada ao Comando do Exército, dependente de verbas federais —consumiu R$ 152,2 milhões em 2019.

Ela produz munições, fuzis e pistolas, basicamente para consumo das Forças Armadas.

Eduardo celebrou o acordo na internet. Em postagem no Facebook, já adiantou que "há expectativa" de produção não só das pistolas, mas também de fuzis e submetralhadoras —algo que não é objeto do decreto de Pujol.

A reportagem não localizou o deputado. Em junho, ele não respondeu também aos contatos sobre o assunto, mas publicou na internet sua reiterada defesa da entrada de empresas estrangeiras no mercado nacional.

A ideia, que se espraia por decretos dificultando acesso de fabricantes de produtos de defesa brasileiros e licitações vistas como tendenciosas a estrangeiros, desagrada a indústria nacional.

No mais recente movimento, a derrubada da alíquota de importação de pistolas e revólveres, que era de 20%, entidades do setor chiaram. O Supremo Tribunal Federal acabou, por meio de uma decisão provisória, cancelando a medida.

A abertura do mercado, vista com desconfiança por setores do Exército, tem o apoio da cúpula das Forças Armadas —e não é de hoje.

Em 2017, a estatal suíça Ruag recebeu aprovação para montar uma fábrica no país, mas a reação da população no país europeu foi tão ruim que desistiram. O Brasil não é um lugar bem visto quando o tema é armamento.

Outras empresas foram contatadas, inclusive a SIG. Uma delas, a nacional DFA, recebeu neste ano autorização para fabricar em Goiás pistolas eslovenas Arex e espingardas turcas Barathrum.

Mas no caso da SIG, a situação é outra. Trata-se de uma produção sob licença de pistolas, não a instalação da americana de origem alemã no país.

O despacho de Pujol enfatizou que o Exército não vê prejuízo à indústria nacional com a decisão.

A Taurus vem internacionalizando cada vez mais sua produção desde que Bolsonaro assumiu.

Tem fábrica nos Estados Unidos e, nesta semana, fechou um acordo para a abertura de uma unidade na Índia —um mercado cobiçado, dada a demanda por armas de fogo para forças policiais num país com 1,3 bilhão de habitantes.

Presente em cem países, a fabricante brasileira afirma que o mercado nacional representa apenas 15% de suas vendas. Quando Bolsonaro decidiu zerar a alíquota de importação na semana passada, foi até irônica, dizendo que suas armas produzidas nos EUA teriam vantagem ante a competição nacional.

Desde antes da campanha eleitoral de 2018, a família Bolsonaro tem uma briga aberta com a Taurus. Enquanto deputado, o hoje presidente dizia que iria "quebrar o monopólio" da empresa.

Tal domínio decorre muito da legislação brasileira, que como em todos os países com indústria bélica favorece produtores nacionais como forma de fomentar o desenvolvimento do setor.

No país, a Associação Brasileira das Indústrias de Materiais de Defesa diz que há 1,2 milhão de empregos diretos e indiretos na área, que movimenta 4% do Produto Interno Bruto —na conta entram produtos caros como aviões militares da Embraer.

Além do argumento liberalizante, os Bolsonaro também são recorrentes em dizer que o produto nacional é de pior qualidade.

De fato, houve incidentes com fuzis da Taurus que foram rejeitados em polícias militares por problemas de qualidade no passado. Mas não é uma exclusividade dela: a própria pistola P320 da SIG Sauer passou por um recall nos EUA após casos de disparos involuntários.

Além disso, o fato de a empresa brasileira ser uma das quatro grandes do mercado de armas leves americano e a maior fornecedora de munições de baixo calibre para a Otan (aliança militar ocidental) pesa do outro lado.

A indústria nacional se queixa basicamente de tributação interna: 73% do custo de uma pistola feita no país é imposto.

Uma P320, que é feita de polímero, custa de R$ 12,5 mil a R$ 21,9 mil no site de sua distribuidora oficial no Brasil.

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