Governo Bolsonaro deixa regularização fundiária com municípios, e procuradores veem estímulo a grilagem

Programa instituído em portaria gerou reação; secretário Nabhan Garcia defende iniciativa e diz que MPF inverte valores

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Brasília

O governo Jair Bolsonaro criou um programa que terceiriza aos municípios atribuições de regularização fundiária de áreas da União e provocou a reação de procuradores que lidam com reforma agrária e que veem a possibilidade de estímulo à grilagem.

Chamado Titula Brasil, o programa foi instituído por meio de uma portaria publicada nesta quinta-feira (3) no Diário Oficial da União.

Assinam a portaria o secretário especial de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, Luiz Nabhan Garcia, e o presidente do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), Geraldo Melo Filho.

Nabhan é líder ruralista e amigo do presidente da República. Dentro do Ministério da Agricultura, sempre foi visto como o número dois da pasta.

A portaria cria o núcleo municipal de regularização fundiária, a quem caberá executar o programa destinado à titulação de terras. Nesse grupo atuarão servidores disponibilizados pelos municípios.

Segundo a portaria, os serviços do núcleo "serão organizados e executados conforme dispuser o Incra".

A implementação e a coordenação desses núcleos nas cidades são uma atribuição do instituto. A supervisão e o monitoramento dos resultados caberão à secretaria de Nabhan. A participação dos municípios será voluntária.

Procuradores da República que atuam diretamente com o assunto fundiário criticaram a decisão do governo Bolsonaro de criar um programa que terceiriza aos municípios as atribuições de regularização fundiária.

"O governo quer abrir mão de exercer seu papel na reforma agrária e favorecer a chancela da ocupação ilegal de terras públicas", disse à Folha o procurador Julio Araujo Junior, coordenador do grupo de reforma agrária da PFDC (Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão), um colegiado que funciona no âmbito da PGR (Procuradoria-Geral da República).

Junior vê como "absurda" a descentralização das atividades, a serem repassadas a servidores municipais.

"É o aprofundamento da tentativa do governo federal de se esquivar do dever de realizar a reforma agrária por meio da desapropriação de terras que não cumprem função social ou por meio da destinação de terras públicas."

Segundo o procurador, diante do "histórico dessas terras públicas", a iniciativa favorecerá a grilagem.

O procurador Raphael Bevilaqua, que atua em diversos processos por grilagem de terras públicas em Rondônia e que também integra o grupo de reforma agrária da PGR, é outro que vê o programa do governo Bolsonaro com preocupação.

"É uma opção do governo por favorecer pessoas que têm ocupado irregularmente terras públicas, em vez de promover a reforma agrária, por meio da redistribuição de terras", afirmou o procurador.

O integrante do MPF (Ministério Público Federal) aponta uma resistência do governo em retomar essas áreas, mesmo em casos em que já há decisões da Justiça Federal nesse sentido.

"Vai haver um juízo político muito forte. É o poder local que estará lidando com a regularização. E isto terá um impacto na distribuição de terras públicas", disse Bevilaqua, para quem a iniciativa pode afrontar a Constituição.

O MPF investiga a paralisia do governo Bolsonaro em relação a projetos de reforma agrária, especialmente a interrupção da desapropriação de terras improdutivas, a ausência de projetos novos de assentamento e a resistência em efetivar a retomada de terras públicas, já determinada em diferentes decisões judiciais.

À Folha Nabhan criticou o MPF e defendeu o programa instituído por meio de portaria. "Daqui a pouco, vamos precisar saber qual é a atribuição do Ministério Público. Não é mais de guardião da lei. Tudo eles invertem os valores", disse.

O secretário afirmou que a lei permite parcerias e que elas se fazem necessárias diante das restrições orçamentárias do Incra e do governo. "O Incra está numa situação orçamentária extremamente complicada, o país também", disse Nabhan.

Para o líder ruralista, é preciso "acabar com essa história de posseiros, de assentados". "Precisamos, sim, dar o título da terra."

Nabhan afirmou que é legítimo que os prefeitos estejam interessados em regularização fundiária. "Só a esquerda, a oposição e parte do MPF não são interessados nisso", afirmou.

O secretário do Ministério da Agricultura disse que o programa vai contribuir para combater a grilagem de terra, e não o contrário. "Tem família esperando há 50 anos. Muitas vezes, não se consegue punir um grileiro porque não existe um CPF. Não existe mais lugar para a grilagem nesse país."

Em setembro, Nabhan deu encaminhamento a um pedido do Incra para que policiais da Força Nacional de Segurança Pública fossem enviados a assentamentos no sul da Bahia. O Ministério da Justiça e Segurança Pública concordou com o pedido e mandou os policiais à região.

O Incra e Nabhan argumentaram que integrantes do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) provocavam conflitos na região, o que demandaria a presença da Força Nacional.

O Governo da Bahia, administrado por Rui Costa (PT), ingressou no STF (Supremo Tribunal Federal) com uma ação contra o deslocamento da Força Nacional ao estado, sem um pedido formal por parte do governo.

Primeiro, o ministro Edson Fachin concordou com o pedido e determinou a retirada dos policiais em 48 horas. Depois, a decisão foi confirmada em plenário.

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