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STF afinado à Constituição no veto à reeleição no Congresso parece ter sido mero acidente

Plenário virtual, sem interação entre ministros, acabou acentuando repercussão sobre os votos

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Eloísa Machado de Almeida

Professora e coordenadora do Supremo em Pauta da FGV Direito SP

E, no final, contra todos os prognósticos, o Supremo Tribunal Federal não contrariou o texto expresso da Constituição. Como um julgamento com uma questão jurídica tão óbvia dividiu o tribunal? Quais fatores contribuíram para a “virada”? Por que ainda sentimos que algo está errado?

A maioria dos ministros entendeu que a Constituição não permite a reeleição da presidência —e dos demais membros da Mesa da Câmara dos Deputados e do Senado Federal— em uma mesma legislatura.

De uma parte, os ministros vencidos, aderentes ao voto do relator Gilmar Mendes, defenderam que a reeleição não é uma cláusula pétrea e que sua permissão traria mais coerência à relação entre Legislativo e Executivo, sobretudo diante da emenda constitucional que instituiu a reeleição para Presidência da República.

Para essa corrente, uma reeleição seria assunto interno do Congresso, e o tribunal deveria deferência aos parlamentares. Argumento impecável, não fosse o texto da Constituição a vedar essa hipótese.

De outra parte, os ministros vencedores se dividiram em proibir a reeleição apenas na legislatura ou independentemente da mesma. O argumento, simplório e incontornável: o texto expresso da Constituição.

É preciso reconhecer que o texto constitucional não deixava lá muitas dúvidas; afinal, a expressão “vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente” é bastante clara.

Por isso, não deixa de ser surpreendente a divisão no tribunal sobre a controvérsia: 6 a 5, a maior cisão possível em plenário.

Estes dois fatores, a clareza do texto combinada com a divisão do tribunal, mostram que a controvérsia na verdade era outra.

Notícias e análises dão conta que a motivação do julgamento, longe de sanar dúvidas jurídicas, era “garantir um padrão civilizatório razoável” na condução de ambas as Casas do Congresso Nacional diante de uma possível eleição de parlamentares alinhados a Bolsonaro (preocupação nada à toa, dada a virulência dos ataques do presidente à Constituição).

Assim como em outras vezes, o Supremo estava disposto a desprezar as razões jurídicas para encampar interesses de outra ordem. Porém veio a “virada”.

Bastidores apontam que houve mudança repentina de votos diante da repercussão pública negativa. Se é verdadeiro, em se tratando de uma corte constitucional, isso não traz nenhum alívio.

Ouvir a voz das ruas não é qualidade para uma corte constitucional; afinal, as ruas não possuem compromisso com a Constituição.

A voz das ruas pode até estar em consonância com a Constituição, mas será um acaso, uma feliz coincidência. Sabe-se que o tribunal está atento e inserido na sociedade, mas sua atuação não pode ser pautada pelo grito, nem por tuítes de general.

Há uma particularidade que parece ter favorecido essa ressonância interna no tribunal, responsável pela “virada”: o julgamento da ação se deu em plenário virtual.

Trata-se de uma modalidade de julgamento assíncrona, com ministros votando em ordem e tempos distintos, enquanto durar a sessão virtual (dez dias).

Sem transmissão pela TV Justiça e interação entre ministros, o plenário virtual era tido como um espaço mais imune às pressões políticas. Porém, neste caso, ao invés de atenuar a repercussão sobre as posições e votos, acentuou-as.

Nesta ação, logo no primeiro dia da sessão virtual, cinco ministros se posicionaram a favor da reeleição, colocando alto custo para todos os demais se juntarem à mesma posição.

O plenário virtual potencializou a atuação e o instinto de sobrevivência individual. Em julgamento síncrono, talvez o resultado tivesse sido distinto.

Talvez por isso, outro caso polêmico relativo ao plano e compulsoriedade da vacinação contra Covid-19 tenha recebido destaque pelo presidente do Supremo, Luiz Fux. O caso será julgado por videoconferência.

A “virada” não deixa de ser uma boa notícia. Uma corte constitucional que busque preservar o texto da Constituição serviria à descrição de “instituição funcionando”.

Contra abusos do presidente e do Congresso Nacional, há caminhos institucionais que exigirão do Supremo técnica e reputação.

Mas há um ceticismo no ar quanto à capacidade de o Supremo se ater à Constituição e responder aos abusos constitucionais pelos caminhos certos.

Esse ceticismo é alimentado pela facilidade com que ministros que outrora ouviram o clamor das ruas para desrespeitar textualmente as normas constitucionais agora se apegam aos novos clamores para defendê-la. Estar afinado com a Constituição parece ter sido um mero acidente.

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