Apesar de vacina, tropeços recentes de Doria preocupam tucanos para eleição de 2022

Aliados do governador paulista, porém, veem saldo positivo com vacina do coronavírus e vitória política contra Bolsonaro

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São Paulo

A recente vitória política sobre o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em relação à vacina fortaleceu o governador João Doria dentro do PSDB em seu plano de disputar a Presidência da República e desviou o foco da série de reveses do tucano nas últimas semanas —da viagem a Miami a desentendimentos com prefeitos, passando por aumento na tributação e corte de verbas.

Apesar de minimizados por aliados diante do êxito da Coronavac, os recentes erros e tropeços do governador estão no radar dos tucanos e podem cobrar seu preço em 2022.

Se a vacina do Butantan é um ativo de longo prazo para Doria, os setores afetados por seu ajuste fiscal promovido também prometem não esquecer tão cedo o aumento no ICMS.

O governador João Doria (PSDB) e a técnica de enfermagem Liane Tinoco, 49, primeira pessoa a ser vacinada no interior de São Paulo - Eduardo Anizelli/ Folhapress

Com a justificativa de equilibrar o caixa na crise econômica provocada pela Covid-19, o governo Doria comprou briga com setores produtivos ao cortar benefícios fiscais.

Pressionado, voltou atrás em relação a alimentos e medicamentos genéricos, mas ainda trava batalha, inclusive na Justiça, com agronegócio, hospitais, farmacêuticas e revendedores de automóveis, entre outros.

Outros dois recuos acabaram expondo a gestão Doria. O governador teve que repor o corte de R$ 454 milhões na verba da Fapesp (fundação de apoio a pesquisas) e pediu desculpas pela viagem aos Estados Unidos em meio à pandemia após voltar às pressas.

As medidas não caíram bem para um político que adotou o discurso de defender a ciência e o isolamento social.

Doria ainda comprou briga com idosos pela retirada da gratuidade no metrô para quem tem de 60 a 64 anos, com prefeitos pela fase vermelha decretada no fim do ano e com pessoas com deficiência pelo corte nas isenções de IPVA —insatisfação revelada pela senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP) em entrevista à Folha.

O governador também foi alvo de protestos neste mês. Produtores rurais organizaram um tratoraço contra a cobrança de ICMS em insumos em dezenas de cidades do interior, e a doação de cestas básicas na Ceagesp, reduto bolsonarista, também se tornou palco de manifestação contra a tributação.

Comerciantes de automóveis também saíram em carreata contra o governador. O setor afirma que há 300 mil empregos em jogo.

Apesar dos reveses, a avaliação geral, mesmo entre opositores de Doria, é a de que o saldo político é positivo para o governador. Ou seja, ficou claro para a população que o governo federal está a reboque do tucano na vacinação.

Auxiliares do tucano afirmam que a vacina, sua principal aposta política, possibilitou a nacionalização do governador. Na semana passada, Doria ainda realizou uma série de viagens ao interior para acompanhar a vacinação, o que ajuda a resgatar sua aprovação entre os paulistas.

Depois de a eleição municipal de 2020 deixar claro seu desgaste político, com baixos índices de aprovação na capital, Doria viu seu índice de popularidade digital subir 20 pontos e bateu recorde de menções no Twitter, sendo 85% positivas.

Segundo recente pesquisa Datafolha, para 46% dos brasileiros Doria fez mais contra a pandemia da Covid-19 do que Bolsonaro. Já 28% apontam o presidente como político mais empenhado na tarefa do que o tucano.

Mesmo em relação à vacina, porém, Doria foi fustigado. A estratégia de comunicação no anúncio da eficácia do imunizante foi vista como errática por dar munição a negacionistas.

Quem tem postura crítica em relação ao governador —seja entre tucanos, bolsonaristas e na esquerda— conseguiu ver no episódio não só o fiasco para o governo federal, mas também a coroação da imagem de marqueteiro e vaidoso que Doria já possui.

Políticos afirmam Doria ganhou fôlego, mas preevem desgastes futuros com o ajuste fiscal, sobretudo por atingir o agronegócio, que compõe a base tucana em São Paulo.

Aliviados com a vitória da Coronavac, tucanos ouvidos pela Folha relativizam os impasses enfrentados por Doria.

Entre os argumentos a favor do governador, observam que ele soube rever decisões e se desculpar por erros e defendem o ajuste fiscal como medida necessária, apesar de dura, para que o estado não deixasse de pagar seus servidores.

“O PSDB não tem compromisso com erro. Se tem atitude errada, nós corrigimos. Mas não tem fórmula pronta para governar”, afirma Fernando Alfredo, presidente municipal do PSDB em São Paulo.

“A somatória de acertos foi muito maior do que eventuais equívocos”, avalia o tesoureiro do PSDB, Cesar Gontijo, para quem Doria é “franco favorito” no partido para a eleição de 2022.

Para os aliados de Doria, o governador se torna alvo por ser transparente e por ouvir o contraponto de setores insatisfeitos. A hora de tomar medidas difíceis em relação à economia e ao isolamento social, dizem, é agora —e o barulho da insatisfação é normal.

A leitura é que, na campanha de 2022, essas reclamações podem vir à tona, mas vai prevalecer na opinião pública a comparação com a atuação de Bolsonaro na pandemia, terreno em que Doria leva vantagem.

Dentro do PSDB, porém, há quem questione o sucesso de Doria e sua pretensão para 2022. Tucanos alertam para o mal-estar gerado com outros estados após a aplicação da vacina antes em São Paulo e afirmam que o governador é visto como oportunista.

Há ainda a visão de que ele está isolado, não tem condições de ser presidente e comete erros políticos evitáveis. O aumento na tributação até de alimentos, avaliam, mostra que Doria não entende o país: pensa com a cabeça de empresário e não tem preocupação social com os pobres que pagam a conta.

A medida enfrenta oposição também dos liberais por permitir aumento no ICMS por decreto. “O real interesse de João Doria sempre foi aumentar impostos, ele não está disposto a fazer reformas para reduzir despesas”, afirma o deputado estadual Daniel José (Novo).

A insatisfação é clara entre os atingidos pelo ajuste fiscal. Na sexta (15), a Fiesp divulgou nota dura afirmando que Doria descumpriu sua palavra e que seu recuo no ICMS foi tímido “diante da ruinosa tragédia fiscal”.

“É dramático que o governo tente impor um plano desses em plena pandemia”, afirma a Fiesp, ressaltando que viver e produzir em São Paulo ficará mais caro.

Bartolomeu Braz, presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja, afirma que a alta no ICMS no setor agro para vendas entre os estados segue valendo e diz que o consumidor final será atingido.

Ele se diz decepcionado com Doria, a quem chama de populista, e lembra que a área gera um quarto dos empregos do país.

“Doria chorou na hora da vacina, mas não na hora de aumentar os impostos. Pensava que era um estadista, mas está na linha antiga de arrecadar aumentando tributos. Ele quer fazer caixa para a campanha. Não vai passar em branco, vamos mostrar a verdade”, afirma.

O médico Francisco Balestrin, presidente do Sindicato dos Hospitais, Clínicas e Laboratórios de São Paulo, afirma que, no momento de pandemia, Doria cometeu um erro e esperava sensibilidade do governador para não aumentar impostos sobre insumos hospitalares. O sindicato obteve liminar na Justiça contra os novos preços.

“Se, por um lado, nosso governador demonstrou que tem um compromisso grande com a saúde, tendo em vista as ações positivas no combate ao coronavírus, por outro lado, ele mancha um pouco a reputação quando insiste na majoração dos custos do setor”, afirma.

João Inocentini, presidente do Sindicato dos Aposentados, também cobra de Doria e do prefeito paulistano Bruno Covas (PSDB) a restituição da gratuidade do transporte para quem tem mais de 60 anos.

“Foi positivo Doria peitar o governo federal na vacina. Ele faturou muito politicamente, mas não é meu candidato a presidente. Estamos indignados com a atitude em relação aos idosos, ele vai ter que justificar isso muitas vezes, vamos cobrar e vamos cobrar duro”, diz.

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