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Aras avisa que vai aliviar para Bolsonaro, mas é o que insinua que preocupa

Políticos e magistrados passam o dia discutindo termos de nota do procurador-geral

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São Paulo

A nota de defesa do procurador-geral da República, Augusto Aras, sobre seu desempenho em fiscalizar a gestão pública da pandemia causou um pequeno terremoto político em Brasília.

Na noite de terça (19), quando o texto foi divulgado, a pergunta que mais se ouvia entre políticos e ministros do Supremo era: o que exatamente Aras quis dizer nas entrelinhas?

Bolsonaro cochicha algo para Augusto Aras durante evento no Palácio do Planalto, em abril passado
Bolsonaro cochicha algo para Augusto Aras durante evento no Planalto, em abril passado - Lucio Tavora - 17.abr.2020/Xinhua

Pelo valor de face, a nota já é bastante inusual. Segundo a PGR, o procurador-geral buscava dar uma resposta pública às cobranças sobre o desempenho da cúpula do governo Jair Bolsonaro no trágico manejo da pandemia da Covid-19.

Nisso, foi claro: o problema não é dele se vocês, e aqui o "vocês" é a oposição e setores da sociedade civil, querem imputar crime de responsabilidade ao presidente. Disse Aras: eu cuido de outras coisas, esse problema é do Congresso.

Obviamente só isso já foi suficiente para gerar revolta entre colegas de Aras. Seis dos dez membros do Conselho Superior do Ministério Público Federal assinaram nota repudiando o texto do chefe e lembrando que sim, é prerrogativa da PGR de investigar o que o governo federal fez ou deixou de fazer.

Aras sonha, como tantos outros, com a vaga de Marco Aurélio Mello no segundo semestre, quando o ministro do Supremo se aposenta compulsoriamente por chegar aos 75 anos.

Assim, quem o conhece afirma que ele quis dar um recado claro a Bolsonaro, que está acossado pelos pedidos de impedimento após a tragédia da falta de oxigênio em Manaus e o fracasso da iniciativa federal de vacinação contra o Sars-CoV-2 —encimado pela vitória do rival João Doria (PSDB-SP), cuja vacina é a única disponível no país.

Até aí, indignação, mas pouca surpresa. O procurador-geral é visto como um aliado de Bolsonaro.

Mas é outro ponto, também ressaltado pelos procuradores, que deixou o mundo político com a pulga atrás da orelha.

Em sua mensagem, Aras afirma que o “estado de calamidade pública é a antessala do estado de defesa”, enquanto debulha dados óbvios sobre a impossibilidade de mexer na Constituição se tal medida for tomada.

Estado de defesa é um dispositivo constitucional de exceção, para o caso de grave crise pública em um local específico do território nacional. Apesar de ser algo que o presidente pode decretar, o Congresso analisa a medida e pode rejeitá-la.

Nele e no seu irmão ampliado para todo o país, o estado de sítio, liberdades fundamentais não são garantidas. Não há, na avaliação corrente do mundo político e do Supremo, nada que chegue perto dessa necessidade no país.

Aí que reside a dúvida. Aras fez um alerta para incrementar a dramaticidade de sua nota de defesa? Ou ouviu algo que o perturbou nesse sentido —até porque ninguém anda falando em estado de defesa ou em mexer na Constituição.

Na segunda opção, o silogismo é óbvio: se há algo de errado, deveris ser exposto.

A coisa mais próxima de uma crise incontrolável pontual ocorre no Amazonas, muito por cortesia da inação federal, mas mesmo assim não é algo que até aqui enseja tal tipo de intervenção radical.

Como a nota veio na sequência das falas de Bolsonaro insinuando que as Forças Armadas se sobrepõem à Constituição, uma vez que na sua visão são elas que garantem ou não o regime democrático, a fumaça ficou mais densa.

Em dois eventos nesta semana o presidente usou o pronome nós para falar de militares, algo que não passou desapercebido entre oficiais-generais das Forças, muitos já desgostosos da associação direta entre a crise sanitária e o fato de o ministro da saúde ser um general também do serviço ativo, Eduardo Pazuello.

Rumores dos intentos golpistas expressos por Bolsonaro no primeiro semestre de 2020, quando participava alegremente de atos pedindo o fechamento do Supremo e do Congresso, imediatamente voltaram à tona em Brasília.

Há um padrão, afinal: aquele movimento presidencial ocorreu num momento agudo da chegada da pandemia. Agora, vive-se algo talvez pior.

Pode ter sido tudo um mal-entendido de um texto oportunista de Aras, mas como as bruxas na política existem apesar da descrença nelas, o sinal amarelo voltou a ser aceso.

Erramos: o texto foi alterado

Em versão anterior, o texto dizia que a nota crítica a Aras era de membros do Conselho Nacional do Ministério Público. O correto é Conselho Superior do Ministério Público Federal.​

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