Bolsonaro condiciona democracia a militares em meio a pressão após derrota da vacina

Apesar de insatisfação da cúpula militar com ministro da Saúde, presidente disse que pretende manter Pazuello, mas cobrou mudanças em reunião nesta segunda (18)

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Brasília

A derrota do governo Jair Bolsonaro (sem partido) na queda de braço pelo início da vacinação contra a Covid-19 aumentou o apoio de militares da atual gestão para que o ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, se afaste do comando da pasta responsável pelo combate à pandemia.

Para integrantes das Forças Armadas de alta patente, a vitória do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), que conseguiu sair na frente do presidente na imunização, vinculou ao general da ativa uma imagem de negligência com a saúde da população, colocando em risco a aprovação das Forças Armadas.

Em meio a essa queda de braço, Bolsonaro voltou a acenar para sua base ideológica, como em outros momentos de desgaste do governo, ao dizer nesta segunda-feira (18) que “quem decide se um povo vai viver na democracia ou na ditadura são as suas Forças Armadas”.

"Por que sucatearam as Forças Armadas ao longo de 20 anos? Porque nós, militares, somos o último obstáculo para o socialismo. Quem decide se um povo vai viver na democracia ou na ditadura são as suas Forças Armadas. Não tem ditadura onde as Forças Armadas não apoiam", disse.

Em momentos de pressão, como a derrota em relação à vacina, o presidente costuma radicalizar o discurso na tentativa de fidelizar a sua base de apoio mais radical. A frase sobre as Forças Armadas já havia sido usada por Bolsonaro no início de seu mandato, em março de 2019.

“A missão será cumprida ao lado das pessoas de bem do nosso Brasil, daqueles que amam a pátria, daqueles que respeitam a família, daqueles que querem aproximação com países que têm ideologia semelhante à nossa, daqueles que amam a democracia. E isso, democracia e liberdade, só existe quando a sua respectiva Força Armada assim o quer”, afirmou naquele ano, durante um evento no Rio de Janeiro.

Em maio do ano passado, o presidente retomou o tema ao declarar: “Nós temos o povo ao nosso lado, nós temos as Forças Armadas ao lado do povo, pela lei, pela ordem, pela democracia, e pela liberdade”.

Um mês depois, durante o velório de um paraquedista do Exército, Bolsonaro disse que “a nossa missão, a missão das Forças Armadas, é defender a pátria, é defender a democracia”.​

O diagnóstico feito à Folha, em caráter reservado, por militares de alta patente é o de que, ao ter começado a encampar, desde o final do ano passado, o discurso negacionista do presidente, Pazuello compromete a postura institucional de independência do Exército.

A avaliação no Exército e de militares que integram o Executivo é que o ministro resolveria a questão passando para a reserva, como os demais militares do primeiro escalão da gestão federal. Ele, assim, teria mais liberdade para defender posições políticas.

Desde o ano passado, quando era pressionado por não conseguir conter o crescente número de infectados e mortos com a Covid-19, no entanto, Pazuello tem resistido a essa alternativa e, de acordo com assessores do presidente, já disse que prefere deixar o governo a passar para a reserva.

A postura resoluta tem feito com que parte do núcleo verde-oliva considere que a única alternativa se tornou realmente a saída de Pazuello da pasta. O desgaste na imagem do ministro também levou integrantes do centrão a retomarem pressão para uma mudança no comando da Saúde. O bloco de partidos aliado ao governo tem interesse na chefia da pasta.

Com o aumento da insatisfação, Bolsonaro realizou uma reunião de emergência com Pazuello na tarde desta segunda-feira (18). No encontro, que teve a participação de outros generais do governo, ele disse que, por enquanto, não pretende mudar o comando da Saúde.

O presidente, no entanto, pontuou que Pazuello precisa melhorar a comunicação das iniciativas da Saúde, dando mais destaque a medidas adotadas pelas Forças Armadas, um dos motivos que tem causado mal-estar entre generais da ativa.

A avaliação, sobretudo no Ministério da Defesa, é que o ministro precisa fazer uma defesa mais enfática das operações militares no transporte de insumos a cidades em situação de emergência por causa da doença.

O último mal-estar ocorreu na crise recente em Manaus. No dia 8, o Ministério da Defesa iniciou operação de transporte de cilindros de oxigênio para o estado do Amazonas. No dia 11, Pazuello visitou Manaus e, na opinião de militares do governo, não deu o devido destaque à operação iniciada quatro dias antes.

Para tentar melhorar a imagem do ministro, segundo assessores presidenciais, Bolsonaro escalou o ministro das Comunicações, Fábio Faria, para que ele ajude a equipe da pasta a elaborar um novo plano de mídia.

O primeiro passo da mudança foi a convocação de uma entrevista do ministro logo após a reunião no Palácio do Planalto. No início de seu discurso, Pazuello fez questão de citar iniciativas realizadas com o apoio das Forças Armadas, justamente na tentativa de agradar o comando militar.

O ministro ainda seguiu o roteiro que aliados do presidente vinham defendendo no fim de semana: enumerar ações do governo federal para afastar do Palácio do Planalto as acusações de omissão.

Desde o ano passado, ministros palacianos já avaliavam o timing ideal para que Pazuello deixasse a pasta. Segundo relato feito à Folha, em dezembro, em uma reunião no Palácio do Planalto, o nome do líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), foi defendido para substituir o general no final do primeiro semestre deste ano.

Barros já ocupou o cargo, entre 2016 e 2018, no governo do então presidente Michel Temer (MDB).

A incapacidade do Ministério da Saúde em adquirir doses da vacina e o fracasso da pasta na negociação com a Índia, porém, foram episódios considerados pelo braço militar a gota d'água para que a mudança no comando da pasta seja antecipada.

O incômodo é tamanho que militares palacianos costumam se contrariar com reportagens que lembrem da patente militar do ministro da Saúde. Para evitar uma vinculação com o Exército, preferem que jornalistas se refiram a ele apenas como ministro, não como general.

A derrota do último domingo (17) irritou o presidente. Segundo relato feito à Folha, após Doria aplicar a vacina na primeira imunizada, Bolsonaro se referiu ao tucano como um "moleque" que não medirá esforços para ser candidato à Presidência da República em 2022.

Outro episódio no último domingo gerou mais desgaste na imagem de Pazuello. A PGR (Procuradoria-Geral da República) deu 15 dias para o ministro explicar por que não agiu para garantir o fornecimento de oxigênio aos hospitais de Manaus. O pedido foi feito com base em reportagem publicada pela Folha no último sábado (16).

Auxiliares civis do presidente e parlamentares do centrão não acreditam em uma troca de ministro agora. Eles ponderam que os militares sempre reclamam, mas que Bolsonaro gosta do perfil "cumpridor de ordens" exibido por Pazuello.

Em entrevista no domingo, Pazuello mentiu ao afirmar que o governo federal tinha em mãos vacinas do Butantan e da AstraZeneca, e criticou Doria pelo início da vacinação no estado de São Paulo.

Além disso, apesar da pressão de alguns integrantes do centrão, a cúpula do bloco diz ser preferível assumir a pasta depois que o desgaste com o início da campanha de imunização tenha sido superado. Para o comando do grupo de partidos, é mais viável que a troca seja efetuada durante a reforma ministerial aguardada para fevereiro.

Além de Pazuello, Bolsonaro avalia outras mudanças em sua equipe ministerial após a eleição para a presidência da Câmara dos Deputados. São discutidas alterações em pastas como Turismo, Educação, Minas e Energia e a Secretaria de Governo.

Para o lugar do ministro Onyx Lorenzoni, por exemplo, que hoje comanda a Cidadania, a ideia é nomear um indicado do Republicanos, partido ao qual se filiaram dois filhos do presidente: o senador Flávio Bolsonaro (RJ) e o vereador Carlos Bolsonaro, do Rio de Janeiro.​

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