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Fux e Toffoli fizeram 'jogada ensaiada' por superpoder em catimba no Supremo, diz professor da FGV

Rubens Glezer, pesquisador sobre a corte suprema, compara condutas de ministros às de jogadores de futebol

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São Paulo

Coordenador do grupo de estudos da FGV Supremo em Pauta, que monitora as atividades do STF (Supremo Tribunal Federal), Rubens Glezer avalia, em entrevista à Folha, que houve um “jogada ensaiada” dos ministros da corte Dias Toffoli e Luiz Fux para atribuir à presidência do tribunal o poder de cassar decisões individuais de seus integrantes.

Glezer lançou em dezembro o livro “Catimba Constitucional: O STF, do Antijogo à Crise Constitucional”, no qual emprega analogias e metáforas futebolísticas para descrever sua visão sobre a situação da corte suprema.

Segundo o professor da FGV, a obra surgiu da necessidade de explicar condutas dos ministros do STF que não podem ser apontadas como ilegais, mas que carecem de legitimidade e criam um clima de vale-tudo no tribunal.

Assim, na definição do autor, “catimba constitucional é a ação de agentes públicos que viola os valores e virtudes do jogo político, ainda que seja lícita”.

O professor da FGV descreve medidas do “STF catimbeiro” a partir de 2015, e destaca a decisão do ministro Luiz Fux às vésperas da eleição de 2018 que suspendeu a autorização concedida pelo colega ministro Ricardo Lewandowski para que a colunista da Folha Mônica Bergamo entrevistasse o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que estava preso à época.

Sentando no centro de uma quadra de esportes, o professor da FGV Direito SP Rubens Glezer, autor do livro "Catimba Constitucional" sobre o Supremo Tribunal Federal
O professor da FGV Direito SP Rubens Glezer, autor do livro "Catimba Constitucional" sobre o Supremo Tribunal Federal - Zanone Fraissat -16.dez.2020/Folhapress

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Depois da conclusão de seu livro, houve a libertação do traficante conhecido como André do Rap pelo ministro Marco Aurélio, e posterior cassação dessa decisão pelo ministro Luiz Fux. Como avalia esse episódio? A ideia da catimba constitucional é a de uma ferramenta justamente para poder diagnosticar essas situações em que a referência às regras, às normas, à prática jurídica, não explicam bem o que está acontecendo.

Presidente e vice do tribunal a partir de 2018, Dias Toffoli e Luiz Fux concederam para a presidência do tribunal um poder inédito de cassar as decisões monocráticas dos colegas. Eles fizeram isso como uma forma de a presidência ter um controle sobre as ações individuais dos ministros, cada vez mais radicais, de 2015 em diante. São as decisões monocráticas com as quais o Brasil se habituou, o que é uma anomalia. Então a presidência começou a forçar essa barra também.

A primeira decisão escandalosa foi aquela de censura da entrevista do Lula para a Folha, para a Mônica Bergamo. A marca dessa ação é que ela só pode ser compreendida quando vemos esse plano da presidência. Eles optaram não por realizar o controle pelo plenário, que é o que diz o regimento interno. Quiseram dar essa trucada, isso é burlar a complexidade do jogo.

E o modo de agir no caso do [André do] Rap, a chancela pelo plenário, demonstra que os ministros do Supremo não aprenderam que essa conduta, com muitas aspas “heroica”, está colocando os ministros e a instituição em um buraco.

Então o sr. entende que houve um plano, uma premeditação dos ministros Toffoli e Fux? Fizemos um levantamento empírico e nunca houve, até a entrevista do Lula, uma decisão de presidente do Supremo derrubando uma decisão monocrática de outro ministro, isso sempre foi tratado como uma hipótese esdrúxula.

Por que me parece que isso foi deliberado? Porque a presidência do ministro Dias Toffoli enxerga no início do governo Bolsonaro um risco à sobrevivência da instituição no curto prazo. Ele tenta pacificar a relação com o Bolsonaro e, de outro lado, tenta fazer um tipo de pacificação interna para reduzir as decisões monocráticas radicais.

Digo que foi ele e o Fux porque a decisão em que houve a censura da entrevista do Lula é muito estranha. Era para o processo ir para o Toffoli, mas é distribuído para o Fux. O motivo era que Toffoli não estava em Brasília, mas o Fux também não estava em Brasília. E, de acordo com o regimento interno, não iria para o vice-presidente.

Foi claramente orquestrado e com várias fragilidades jurídicas e processuais na tese, para derrubar a decisão do Lewandowski. Foi uma jogada ensaiada. E quando Fux chega à presidência, ele usa essa arma que ele mesmo criou, e revoga a liberação do André do Rap.

Fux disse que a decisão sobre André do Rap era para defender a imagem do STF. Qual sua opinião sobre essa justificativa? Isso tem total relação com a catimba, porque os ministros estão tentando proteger a instituição ou projetar uma determinada imagem da instituição que não tem a ver com o levar o jogo a sério, ou promover o desenvolvimento do jogo, ou fazer o que é esperado deles de acordo com as regras e valores do jogo.

A reputação da corte constitucional não vem de justiçamento, não vem de atender o que a opinião pública quer. Muitas vezes, o trabalho dela exige ir contra a opinião pública, mas desde que esteja claro que ela faz isso não por política, não por uma avaliação de consequências, não por qualquer interesse conjuntural, mas porque está respeitando o direito.

Como o sr. vê a atuação do STF nas ações relativas à pandemia da Covid-19? A pandemia e o negacionismo do governo federal de alguma maneira fizeram uma inflexão positiva em como o STF vinha se comportando em relação ao governo Bolsonaro. Até então, o STF não tinha realizado nenhum controle relevante sobre as políticas do governo. Não eram sequer colocadas em pauta as ações que questionavam as políticas públicas do governo.

Mas, com a pandemia, a atitude do STF muda completamente. Ele passa a ser protetivo do equilíbrio federativo, da relação entre governo federal e governos estaduais, e protetivo das políticas de saúde, e tem uma longa trajetória nesse sentido.

Em seu livro, o sr. faz uma crítica à superexposição dos ministros na mídia. Mas a Lei da Magistratura (Loman) impede que os juízes falem sobre casos em que estejam atuando ou possam vir a julgar. O Ministério Público e outros agentes públicos não deveriam agir nessas situações? Essa obrigação da Loman é controlada pelas corregedorias [dos tribunais], e caso elas não funcionem, pelo CNJ [Conselho Nacional de Justiça]. O CNJ controla todos os magistrados do Brasil, exceto os ministros do STF, e essa exclusão foi estabelecida pelo próprio STF. E no caso dos ministros do STF, a quem cabe esse controle? A eles próprios.

Para mim, o aspecto mais relevante da narrativa da catimba constitucional é a constatação terrível de que os ministros não têm, aparentemente, nenhuma noção do limite que eles devem se impor no exercício de seu poder. Porque se eles continuarem não exercendo, alguém vai exercer esse limite, e quando um terceiro exerce, ele o faz na medida e no grau de sua conveniência e possibilidade.

Então, a exortação de “Catimba Constitucional” é: parem de ficar usando a mídia desse jeito, parem de comentar casos que ainda vão julgar, parem de fazer conflitos entre ministros via mídia, parem de vazar documentos.

Para sair disso, deveria haver um certo pacto, ter uma política, ter uma assessoria de imprensa.

Como avalia a atuação do Ministério Público em relação ao “STF catimbeiro”? Na verdade, o Ministério Público foi fomentador da catimba, porque boa parte da Operação Lava Jato foi estruturada em torno de apostas, do ponto de vista estritamente jurídico, muito arriscadas, para não dizer frágeis. Eles pesam um pouco a mão, e a popularidade da operação faz com que o restante do Judiciário catimbe e ignore a ilegalidade.

Nos últimos anos no futebol, a tolerância com a simulação de faltas caiu, e inclusive simulação de pênalti passou a ser punida com cartão amarelo. Quais tipos de “cartão amarelo constitucional” poderiam ser usados em relação ao “STF catimbeiro”? Quanto ao cartão vermelho, podemos falar de impeachment de ministros, aposentação de ministro, retirar poder de controle sobre o Executivo e o Legislativo, e por aí vai.

Já reações que podem ser institucionais ou parainstitucionais, mas que não aperfeiçoam nenhum ato de retaliação, me parecem semelhantes a esse cartão amarelo. Vazar dados de que o presidente, em reunião, fala que vai invadir o STF, isso é um cartão amarelo.

Em sua obra, o sr. menciona a conduta do jogador Neymar na Copa do Mundo de futebol de 2018, que levou o atacante a ter fama de “cai-cai”, de simulador. Qual ministro do STF ou agente político pode ter sua atuação comparada, no plano das ações institucionais, à de Neymar na Copa de 2018? Acho que tem dois, os ministros Marco Aurélio e Gilmar Mendes. São ministros que, seja qual for a decisão que tomem, a presunção da opinião pública é a de que não é sincera, foi tomada por outros motivos.

Em relação ao Marco Aurélio, parte é pelas decisões serem do contra, parte por serem muito aleatórias, muito imprevisíveis. Quanto ao Gilmar Mendes, como ele tem essa dimensão política quase partidariamente explícita, está nas capas das revistas desde a década de 1990. Ele parece que só segue sua própria agenda.

O sr. enquadraria o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff como catimba constitucional do Poder Legislativo? Sim, ele é errado do início ao fim, houve um déficit de legitimidade. Começa com o fatiamento da petição e termina com o fatiamento da decisão.

Foi tudo dentro das regras, as instituições participaram, mas a qualidade do nosso sistema democrático decaiu, porque o pacto político foi ignorado em prol de uma necessidade do momento. Foi uma baita de uma catimba.

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Raio-X

Rubens Glezer, 36

  • Coordenador do Supremo em Pauta, grupo de estudos da FGV (Fundação Getúlio Vargas) criado em 2014 para monitorar permanentemente as atividades do STF (Supremo Tribunal Federal)
  • Professor da graduação e do mestrado profissional da FGV Direito SP
  • Bacharel pela PUC-SP, mestre pela FGV Direito SP, doutor pela Faculdade de Direito da USP
  • Pesquisador visitante na New York University

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CATIMBA CONSTITUCIONAL: O STF, DO ANTIJOGO À CRISE CONSTITUCIONAL

  • Preço R$ 53 (86 págs.)
  • Autor Rubens Glezer
  • Editora Arraes Editores
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