Descrição de chapéu trânsito

Governo Doria rebate críticas de Mara Gabrilli, que expôs divisão no PSDB sobre plano do tucano em 2022

Senadora disse à Folha que se sentiu desrespeitada com medidas para pessoas com deficiência e corte na Fapesp

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

O governo João Doria (PSDB) reagiu a críticas da senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP), que em entrevista à Folha disse ter se sentido desrespeitada por medidas do tucano que atingiram pessoas com deficiência e o orçamento da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).

No universo político, a entrevista da parlamentar evidenciou a divisão interna no PSDB sobre a eventual candidatura do governador à Presidência em 2022. Mara, que fez campanha com Doria em 2018, evitou tratá-lo como única opção da legenda para o Planalto e ventilou outros nomes.

Nesta segunda-feira (4), a secretária estadual dos Direitos da Pessoa com Deficiência, Célia Leão, rebateu as queixas da colega de sigla sobre cortes nas isenções de IPVA para veículos de cidadãos com dificuldades de mobilidade.

"Ninguém perdeu nenhum direito. Acha que eu aceitaria uma lei que tiraria direitos das pessoas com deficiência?", disse à Folha a secretária, que é paraplégica. Tanto ela quanto a senadora, que é tetraplégica, têm um histórico de militância na área.

Os então candidatos Mara Gabrilli e João Doria durante ato da campanha de 2018 em Jundiaí - Juliano Capreti - 1º.out.2018/Photo Premium

Célia reiterou o argumento do governo de que o decreto sobre IPVA tem como objetivo combater fraudes e poupar o orçamento do estado em um momento de crise econômica causada pela pandemia.

"Quando se dá isenção para quem não precisa, está se tirando de quem precisa", disse. "Existe uma compreensão de governo, de estudo técnico sobre despesa e receita, que leva à conclusão de que o decreto tinha que ser feito dessa forma. A medida que o governador tomou tem o meu apoio."

Mara havia dito à Folha que conversou com membros do governo para evitar a mudança, que, na visão dela, causa um dano muito maior às famílias de pessoas com deficiência e à imagem de Doria "do que aquilo que supostamente será economizado".

Ela reclamou que se sentiu "extremamente desrespeitada" com a medida e, mesmo com sua intercessão, o plano foi mantido. "Se não é desconhecimento, desculpe, só pode ser crueldade", afirmou a parlamentar.

Célia respondeu: "Não é uma questão de desconhecimento nem de maldade, porque ninguém está aqui para fazer maldade nenhuma. O governador Doria está fazendo aquilo que os estudos técnicos estão sugerindo".

Com as novas regras, o benefício no imposto agora é restrito a um único veículo, para "pessoa com deficiência física severa ou profunda", desde que o carro seja adaptado. A senadora sustenta que a mudança é prejudicial e que o governo está "escolhendo quem pode dirigir ou não".

Já a auxiliar de Doria reconhece que as novas regras tornam mais restritiva a isenção, mas diz que elas preenchem um vácuo legal que facilitava burlas.

Nos últimos quatro anos, o número de veículos com isenção cresceu de 138 mil para 351 mil, um aumento de mais de 150%. Enquanto isso, a população com deficiência no estado aumentou 2,1%, para 3.223.594 pessoas em 2019, segundo dados da secretaria.

De acordo com a titular da pasta, o governo analisará com prioridade recursos (contestações) de pessoas com deficiência que se sentirem lesadas ao terem o benefício recusado.

"Se você me perguntar: 'Secretária, em algum momento pode haver alguma injustiça?', eu não estaria falando a verdade se eu não respondesse sim. Óbvio que pode. Mas tem recurso."

A secretária Célia Leão na posse do governador João Doria, em 2019 - Greg Salibian - 1º.jan.2019/Folhapress

Célia também refutou a fala de Mara sobre a questão da Fapesp. No debate sobre a redução de verbas para a instituição, voltou a circular um vídeo da campanha eleitoral de 2018 em que o governador prometia à então candidata ao Senado, caso fosse eleito, ampliar o dinheiro destinado ao órgão.

A secretária disse que é errado falar em cortes e que, se isso fosse verdade, já teria sido acionada por representantes da Fapesp insatisfeitos. Inicialmente, um mecanismo de desvinculação de receitas aprovado pela Assembleia poderia acarretar redução de 30% no caixa da entidade.

Pressionado por cientistas, o governo propôs uma solução para preservar o orçamento da instituição, com a edição de decretos para abrir créditos. Esses atos, no entanto, dependerão de assinatura do governador, o que é visto como negativo para a autonomia do órgão.

"Eu sei quando tem alguma coisa ruim, porque as pessoas vêm reclamar. Se tivesse de fato um ruído, se estivessem infelizes, já teriam me procurado", disse Célia, novamente defendendo o ajuste fiscal no estado.

A afirmação de Mara de que há "outros nomes excelentes" dentro e fora do PSDB para unir forças "em torno de uma proposta para salvar o Brasil" também causou incômodo em correntes do partido, sobretudo as mais ligadas a Doria.

A ideia, vocalizada por uma tucana paulista com mandato em Brasília, reforça as dificuldades do governador para construir unidade dentro da agremiação e ecoa análises feitas por outros políticos, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

Uma ala do tucanato discorda da premissa de que a candidatura de Doria seria algo automático, dadas as suas movimentações de olho no Planalto e a projeção natural que um governador de São Paulo possui. Dentro desse grupo, as alfinetadas de Mara repercutiram positivamente.

Do tucanato, a senadora mencionou como potenciais candidatos à Presidência o governador Eduardo Leite (RS), constantemente lembrado, e o senador Tasso Jereissati (CE). Citou ainda o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta (DEM) e o apresentador Luciano Huck (sem partido).

Mara também se queixou da falta de alinhamento com o PSDB paulista e revelou que vem pensando na possibilidade de deixar o partido.

Após a entrevista, membros da cúpula do PSDB contataram a senadora para tentar esfriar os ânimos e pedir que ela não deixe irritações definidas como passageiras abalarem sua relação com a legenda, onde construiu sua trajetória política e está filiada desde 2004.

Conversas mais alongadas entre as partes estão sendo programadas para os próximos dias, após o recesso. De férias, o presidente nacional do PSDB, Bruno Araujo, não foi localizado nesta segunda para comentar o assunto. Doria também não se pronunciou.

Em nota, o diretório estadual da legenda afirmou que "sempre esteve aberto para debater com seus parlamentares e está em permanente contato com a senadora Mara Gabrilli. Questões relacionadas ao partido são tratadas pelas instâncias partidárias, internamente".

O diretório é presidido por Marco Vinholi, que é aliado de Doria e secretário do governo estadual, na pasta de Desenvolvimento Regional.

Mara também foi procurada por representantes de ao menos cinco partidos que se disseram dispostos a acolhê-la, caso ela decida deixar o PSDB. A lista de interessados inclui PSD, Cidadania e Podemos. Por ora, ela diz que permanecerá na atual legenda.

A senadora tem boas relações com o PSD do ex-ministro Gilberto Kassab, dentro de um processo que remonta à campanha dela ao Senado em 2018. Ela enfrentou resistências no PSDB à sua candidatura e teve garantida a participação no pleito após uma interferência de Kassab.

Na época, o dirigente do PSD indicou Mara para a vaga da coligação antes destinada ao apresentador José Luiz Datena, que desistiu de concorrer. A tucana já trouxe o episódio a público e demonstra gratidão a Kassab pela iniciativa, tomada a contragosto de parte do PSDB.

A senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP), que foi infectada pelo novo coronavírus e ainda se recupera - Eduardo Tavares - 17.abr.20/Folhapress

Questionada sobre as declarações de Célia Leão, Mara disse em nota que tem longa amizade com a secretária e reafirmou as críticas à nova diretriz do IPVA. A senadora relatou ter recebido casos de pessoas atingidas.

"Até mesmo um tetraplégico [que tem deficiência severa], que não dirige e, por isso, não precisa de um carro adaptado, perdeu a isenção. Não tem como negar que houve perda de direitos. E por falta de aviso não foi!", afirmou.

"O governo terá muito trabalho para analisar os recursos, pois retirou direitos de muitas pessoas com deficiência."

Sobre a Fapesp, Mara ressaltou o fato de o governador ter assinado "um decreto no dia 30 de dezembro, corrigindo as ameaças que o próprio governo criou" e disse: "Que bom que corrigiram o erro a tempo. Mas, se não tivessem criado a ameaça, não seria necessário esse decreto".

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.