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Lenio Luiz Streck

STF tem de pedir o VAR na acusação de catimba

Se houve crise constitucional ou institucional, não foi o Supremo que provocou; ao contrário, ele segurou as pontas

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Lenio Luiz Streck

Jurista, professor e advogado

Recentemente o professor da FGV Rubens Glezer lançou o livro "Catimba Constitucional: o STF, do Antijogo à Crise Constitucional", concedendo também entrevista à Folha.

Já no título o jogo é pesado. Usa muita literatura americana para explicar a “crise constitucional” brasileira. Glezer mostra erudição. Cita dezenas de livros americanos. A questão é saber como isso explica o ponto central do que o autor quer acusar o STF: a tal catimba e antijogo. É como fazer um detalhado tratado sobre a crise do country nos EUA para criticar a crise do samba brasileiro.

Diz o autor que o livro é uma tentativa de explicar por que o STF passou “de herói da nação a vilão em menos de uma década”. Indago: herói para quem? Vilão para quem? E em uma década? Quais os dados para demonstrar esse fenômeno? Como era o STF antes dos dez anos esses? Não soa bem essa “tese” carente de pressupostos com os quais possamos verificá-la.

Se o STF assumiu o papel de vilão, temos que ver exatamente para quem se tornou “vilão”. Seria para a choldra que faz "contempt of court"? Aliás, já que a literatura usada é majoritariamente americana, não vi discussão sobre os ataques à nossa corte. Ou isso não existiu e o STF só “se atirou” no chão, fazendo catimba? Os fogos de artifício não entram na conta?

Também não vi comentário ao modo como a PGR (Janot e Dodge) fizeram como o árbitro que “não vê” o pênalti para o time visitante. E Glezer não anotou na súmula.

E não me satisfiz com o ponto da “crise constitucional”. É evidente que o STF comete muitos erros, ao exame de uma hermenêutica constitucional séria. Sou parceiro na busca de respostas e na construção de soluções ao problema não só do STF, mas de uma coisa maior: o realismo retrô brasileiro. De novo, isso não foi para a súmula do jogo de Glezer.

O STF fez catimba? Deu uma de Neymar? Diz Glezer que sim, o STF é “bom no antijogo”. Em quais jogadas? Já que a linguagem é ludopédica, no conjunto da obra, antes de falar do antijogo, não seria bom chamar o VAR e olhar em câmera lenta as jogadas?

Explico. Nos momentos cruciais, o STF não foi fundamental para preservar a democracia? Se houve crise constitucional ou institucional, não foi o STF que provocou. Ao contrário. Segurou as pontas. A torcida estava invadindo o campo e o árbitro manteve a autoridade.

No campeonato de pontos corridos, diria que o número de decisões corretas supera o número de decisões “off sides”. Na pandemia, o STF, cá entre nós, fez belos gols. Lewandowski imitou seu homônimo. Olha que a barreira se mexia.

O modo como o STF lida com o HC é gol a favor. Aliás, cada gol nos habeas faz com que o STF vire vilão. Mais pelos seus méritos. Quantas decisões como homoafetividade, família, cotas, índios etc. foram acertadas? Foram preciosos pontos ganhos fora de casa.

Sou crítico das instituições. Mas conheço os campos esburacados. Há problemas? Sim. Juiz das garantias, monocratismo, falta de coerência (vai de textualismo à voluntarismos). Há muito o que fazer. Só não quero dar azo, com as críticas, às torcidas organizadas, se entendem minha ludoironia.

Ao fim e ao cabo (só o cabo, sem jipe e soldado... ups! Olha a catimba!), lembro de Tom Bingham sobre o "rule of law": você pode não gostar do direito. Mas, imagina sem. Pois é: você pode não gostar do nosso STF. Imagina sem. Eu não quero chutar a balança quando já há tantos que desejam cobrar falta sem barreiras ou amarrar as mãos do goleiro.

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