Apesar de pressão do STF, militares defendem general Villas Bôas, mas criticam deputado bolsonarista preso

Na avaliação de generais da ativa e da reserva, críticas em vídeo tiveram mais motivação eleitoral do que de defesa das Forças

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Brasília

Na opinião de integrantes da cúpula das Forças Armadas, o relato do general da reserva Eduardo Villas Bôas sobre a decisão de se posicionar às vésperas do julgamento do Supremo de 2018 sobre a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi interpretado de maneira equivocada por ministros da corte.

Para generais tanto da ativa como da reserva, alguns deles que ocupam postos estratégicos no governo do presidente Jair Bolsonaro, a publicação feita no Twitter em abril de 2018 pelo então comandante do Exército não teve nem uma intenção conspiratória nem um aspecto ilegal.

Segundo eles, que preferiram falar em condição de anonimato, o intuito do agora general da reserva foi manifestar uma insatisfação na época com o que os militares chamam de sensação de impunidade que existia no país.

Apesar de defender Villas Bôas, o comando fardado avalia que o deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) exagerou nos ataques de ódio feitos a ministros do Supremo e errou ao fazer uma apologia ao AI-5, o decreto mais radical editado pela ditadura militar no país.

Em quase 20 minutos de vídeo, Silveira fez uma defesa enfática da postura de Villas Bôas de afrontar o STF, o que foi avaliado pela cúpula militar como uma manifestação desnecessária e agressiva.

O AI-5 foi editado na noite de 13 de dezembro de 1968, no governo do general Costa e Silva. O ato levou ao fechamento do Congresso, censura, casos de tortura e assassinatos de opositores. A revogação só ocorreu em 1978.

A postura do deputado bolsonarista, de ataques de ódio a ministros do STF e de defesa de Villas Bôas, foi adotada depois de integrantes da corte criticarem o ex-comandante do Exército.

O ministro Edson Fachin havia divulgado uma nota em que disse ser "intolerável e inaceitável qualquer tipo de pressão injurídica sobre o Poder Judiciário".

Villas Bôas, quando comandava o Exército e, ao mesmo tempo, apoiava a candidatura de Bolsonaro à Presidência, publicou um tuíte em sua conta no Twitter pressionando o STF, antes do julgamento de um habeas corpus impetrado por Lula, principal adversário de Bolsonaro naquele momento.

A medida foi negada, e Lula foi preso. Com a publicação de um livro de memórias de Villas Bôas neste mês, tornou-se público um detalhamento feito pelo ex-comandante: o tuíte foi articulado e discutido por integrantes do Alto Comando do Exército.

Ou seja: a posição do comandante foi institucional, referendada por generais que partilhavam de decisões conjuntas na cúpula do Exército.

Villas Bôas, hoje, está abrigado no Palácio do Planalto. Ele é, desde janeiro de 2019, assessor especial do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), cujo ministro é o general da reserva Augusto Heleno, outro apoiador de Bolsonaro desde a pré-campanha em 2018.

Na avaliação de militares do governo, o vídeo gravado por Silveira, que levou à prisão dele na noite de terça-feira (16), teve mais motivação eleitoral do que de defesa das Forças Armadas. Para eles, o objetivo do deputado era agradar Bolsonaro e atrair o apoio de eleitores de direita.

Militares que integram a gestão classificam a posição do parlamentar de lamentável e de uma coisa baixa.

Essa posição não se estende aos gestos de Villas Bôas. O general sempre contou com admiração de generais comandados e de generais que integravam o Alto Comando durante a gestão do militar à frente do Exército, de 2015 a 2019.

Segundo militares que atuaram com Villas Bôas, o comandante costumava repetir que o Exército se pautava na tríade legalidade, legitimidade e estabilidade. As palavras eram repetidas especialmente durante a crise política que terminou no impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT), em 2016.

Para colegas de farda e de comando, Villas Bôas não comprometeu a legalidade, a legitimidade e a estabilidade nem durante o impeachment de Dilma nem em 2018, quando atuou para pressionar o STF e favorecer Bolsonaro.

No depoimento publicado pela FGV (Fundação Getulio Vargas), Villas Bôas afirmou que a mensagem publicada por ele nas redes sociais era uma espécie de alerta ao Supremo, articulada pela cúpula do Exército.

Como mostrou a Folha, o relato de Villas Bôas envolve diretamente três ministros de Bolsonaro, pois ele afirma que discutiu o tema com sua equipe e com os integrantes do Alto-Comando do Exército, o colegiado de 15 generais de quatro estrelas, o topo da hierarquia.

O ex-comandante afirma que falou com os membros residentes em Brasília, o que coloca o hoje ministro da Defesa, general da reserva Fernando Azevedo, na discussão. Ele era então chefe do Estado-Maior, segundo posto da Força, integrate do círculo íntimo do comandante.

Outro atual ministro era Luiz Eduardo Ramos, que recebera sua quarta estrela em novembro de 2017 e fora nomeado em 28 de fevereiro para ser comandante do Sudeste, em São Paulo. Entre eles estava ainda o atual chefe da Casa Civil, Walter Braga Netto, que era comandante do Sudeste e interventor militar no Rio de Janeiro à época.

Como reação, Fachin condenou o episódio e disse que a corte não pode ser pressionada. Ele recebeu o apoio de outros integrantes do Judiciário, para os quais o presidente Luiz Fux deveria divulgar uma nota de protesto.

Para integrantes da cúpula militar, a reação de Fachin foi despropositada, por se tratar de um episódio de três anos atrás, e não levou em conta o sentimento na época de insatisfação popular com escândalos de corrupção.

O próprio Villas Bôas ironizou, também no Twitter, a reação tardia do ministro, o que jogou mais lenha na fogueira. O ministro Gilmar Mendes escreveu uma mensagem em sua conta no Twitter finalizada com a frase "ditadura nunca mais!".

Apesar da postura corporativista, há militares da reserva que consideram que Villas Bôas poderia ter evitado o depoimento que originou o livro, já que se trata de um episódio superado.

Na avaliação deles, o militar trouxe de volta sem necessidade uma polêmica do passado, criando justamente o risco de ela ser mal interpretada.

Para evitar que a situação se agrave, militares defendem que o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, não se pronuncie sobre o episódio e se afaste da polêmica, postura que ele adotou até o momento.

Na tentativa de marcar o distanciamento dos militares, alguns integrantes da cúpula militar pregam que, no máximo, o ministro divulgue uma nota genérica para apenas reafirmar o apreço das Forças Armadas pela democracia.​

Mesmo sob pressão do STF, Villas Bôas ainda conta com forte simpatia na caserna, sobretudo por parte de Bolsonaro.

Nesta quarta-feira (17), o plenário do Supremo manteve por unanimidade a decisão do ministro Alexandre de Moraes de prender Silveira em flagrante. Ainda assim, o veredito precisa ser encaminhado à Câmara, que decidirá se mantém ou não a prisão.

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