Descrição de chapéu Lava Jato

Encontros de Lira com doleiro pivô da Lava Jato serão analisados em ação do 'quadrilhão do PP'

Registros de entrada em escritório de Alberto Youssef mostram que deputado esteve quatro vezes no local em 2010 e 2011

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São Paulo

A prova surgida na Operação Lava Jato que talvez mais tenha preocupado o novo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), ainda pode ser usada contra ele em um dos processos a que responde no STF (Supremo Tribunal Federal).

Registros de entrada em um dos escritórios do doleiro Alberto Youssef em São Paulo mostram que o deputado esteve quatro vezes no local em 2010 e 2011.

Youssef, pivô da deflagração da Lava Jato em 2014 e um de seus primeiros delatores, diz que as visitas foram para entrega de dinheiro em espécie, com origem em esquema do PP na Petrobras, e pedidos de auxílio no pagamento de dívidas eleitorais.

Lira, já ouvido sobre o assunto, negou que tenha ido ao local para retirar dinheiro vivo.

Os dados obtidos junto à portaria do edifício onde Youssef antigamente tinha uma de suas bases, na zona sul de São Paulo, apontam que o novo presidente da Câmara tentava ser discreto.

Segundo informações anexadas em inquéritos, ele omitia na recepção o sobrenome Lira, com o qual é conhecido. Apresentava-se como Arthur Cesar Pereira.

A presença dele no escritório do doleiro foi mencionada pela Procuradoria-Geral da República na denúncia do chamado "quadrilhão do PP", que acusa parlamentares e ex-parlamentares do partido de integrar uma organização criminosa responsável por desvios de recursos públicos.

O STF aceitou receber a acusação em 2019, mas o caso até agora pouco andou.

Ao analisar a denúncia naquele ano, o ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo, afirmou que as visitas de Lira e de outros políticos confirmam o elo entre filiados do PP e "o operador financeiro responsável pelo escoamento das vantagens indevidas".

Há uma discussão sobre o fato de Lira ser alvo de processo penal em aberto o impediria de assumir a Presidência da República em caso de ausência do presidente e do vice. Ele foi eleito para o cargo de presidente da Câmara na última segunda-feira (1º), com votos de 302 dos 513 deputados.

Em uma segunda denúncia em tramitação contra Lira, as visitas a Youssef também são mencionadas. Essa acusação trata da apreensão em 2012 de R$ 106 mil levados no corpo por um assessor que tentava embarcar no Aeroporto de Congonhas.

Para o Ministério Público, o dinheiro tinha Lira como beneficiário e havia sido enviado por meio do secretário parlamentar pelo então dirigente da estatal CBTU (Companhia Brasileira de Trens Urbanos) Francisco Colombo, que morreu em 2014.

Youssef, também como delator, depôs nesse caso e afirmou que sabia do esquema nesse órgão.

O doleiro, que deixou o regime fechado em 2016 devido a seu acordo de colaboração, operava o caixa de recursos ilícitos do PP na época em que o partido tinha influência na Diretoria de Abastecimento da Petrobras, por meio do então diretor Paulo Roberto Costa.

O ex-diretor foi o primeiro delator da Lava Jato e relatou que negociava pagamentos das empreiteiras com contrato na estatal. Parte era destinada a ele e parte abastecia o partido.

Arthur Lira foi líder da sigla na Câmara na época em que o esquema revelado na Lava Jato estava em funcionamento. Seu pai, Benedito de Lira, hoje prefeito de Barra de São Miguel (AL), também foi delatado.

Fora da esfera penal, pai e filho são alvos de ação de improbidade na Justiça Federal do Paraná que trata dos desvios na Petrobras. Eles tiveram R$ 10,4 milhões bloqueados por ordem do juiz responsável e tentam reverter a medida nas instâncias superiores.

O deputado foi ouvido em investigações em 2015 sobre as visitas ao escritório e negou as acusações. Explicou-se afirmando que a primeira visita ocorreu em uma época em que que coordenou a arrecadação da campanha do pai ao Senado, em 2010.

Então líder do partido, José Janene, segundo contou Lira, articulou um encontro em São Paulo para tratar de doações oficiais eleitorais com uma pessoa chamada de "Primo", que, soube posteriormente, se tratava de Youssef.

No ano seguinte, disse o agora presidente da Câmara, esteve no escritório de Youssef para agradecer a contribuição oficial de campanha obtida por meio da empreiteira UTC/Constran. Também diz ter voltado ao local para um encontro com um representante da empresa doadora.

Auxiliar do doleiro, Carlos Alexandre de Souza Rocha, também delator, ironizou em depoimento a presença de políticos no edifício: "Ninguém ia ao escritório de Alberto Youssef para rezar".

Imagem de baixa qualidade de homem em recepção de edifício
Trecho de relatório da PF sobre visitas de Arthur Lira a escritório de Alberto Youssef - Reprodução

A defesa de Lira já obteve duas vitórias na Justiça em outras denúncias que mencionavam as visitas ao escritório de Youssef.

Em um dos casos, os ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes rejeitaram em 2017 abrir ação penal contra ele por suposto recebimento de propina da UTC.

Os dois magistrados consideraram que a acusação do Ministério Público se baseava na palavra de delatores sem apresentar outros elementos de prova suficientes.

Foi vencido na ocasião o ministro Fachin, que chamou a atenção para o teor das explicações sobre os encontros. "A defesa não nega tais visitas, mas as justifica sem trazer aos autos quaisquer elementos que confiram plausibilidade à versão", disse ele.

Toffoli relativizou e disse que as visitas não levavam por si só à conclusão de que o deputado integraria o esquema de corrupção na Petrobras. "O salto mental parece-me demasiado largo."

A outra vitória da defesa de Lira nessa seara foi em uma denúncia contra suposto pagamento de propina pela empresa Jaraguá Equipamentos, rejeitada em 2018.

Gilmar, ao analisar o caso do "quadrilhão", criticou a reanálise de acusações que já tinham sido rejeitadas em outros processos no Supremo, incluindo os depoimentos de Youssef sobre Lira.

OUTRO LADO

Procurado pela Folha, o deputado Arthur Lira disse que o teor dos depoimento de Alberto Youssef vem sendo rejeitado no Judiciário em relação a ele.

"Todas as denúncias referentes à delação de Alberto Youssef, quando colocadas em julgamento, foram rejeitadas ou arquivadas, o que reforça a inconsistência dessas declarações", disse Lira, por meio de nota de sua assessoria.

A reportagem perguntou o que o deputado foi fazer no escritório do operador financeiro nas quatro ocasiões registradas, por que o sobrenome foi omitido na recepção e qual era a relação dele com Youssef à época. O deputado, na nota, respondeu: "Não há relação com o doleiro, sendo conhecida a sua inimizade em relação ao deputado. As informações de registro de entrada no prédio são responsabilidade da segurança do local".

Lira disse ainda na resposta: "Dos processos do STF, três já foram arquivados, um quarto tem pedido de arquivamento feito pelo próprio MPF e outro, quinto, sequer possui amparo legal para a denúncia. No caso da CBTU, não há temporalidade lógica entre os supostos acontecimentos [incluídos pelos procuradores na denúncia]."

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